15 abril 2022

isidora vicencio

 

La melancolia del pescador


Siento como el mar muere en mis manos,

quizá el sonido de su muerte te devuelva.

Mientras tanto yo reúno nuestra sangre

para encontrarte comparando nuestros rostros,

así contarnos y soñarnos utopías

hasta llorar las que se irán de tu memoria.

Cuando vuelvas a tomar la red guardada

y navegues en la ruta de los fiordos,

morirás en mis manos como el mar.



A melancolia do pescador


Sinto como o mar morre nas minhas mãos,

talvez o som da sua morte te devolva.

No intervalo reúno o nosso sangue

para te encontrar comparando os nossos rostos,

contar-nos e sonharmos utopias

até chorar as que se irão da tua memória.

Quando voltares a pegar na rede guardada

e navegues pela rota dos fiordes,

morrerás nas minhas mãos como o mar.


14 abril 2022

rim battal

 

Rêve d’or


Maman Champagne

Maman déambule dans son jardin

Enveloppée de papier bulle

qu’elle fait éclater elle embaume

comme une amulette

ce parfum Champagne

son préféré et avant lui

Rêve d’or

parfum préféré de sa mère avant elle

(Les mères ont des mères aussi,

je n’ai jamais compris)


Maman aux cheveux teints en blond

arrache le fruit de l’arbre et dit :

« Ce sont des figues bio du jardin de tes parents

Prends »

Elle me tend ce fruit

Nourri à l’eau de vaisselle.

Il sentait le rêve d’or et le Pays Sûr.

J’ai fait « hum c’est bon » puis je me

cachai et crachai

Le jus amer de ma mère aux cheveux blonds obscurs.

Jamais je ne porterai de parfum.


De ses mains éternelles s’est étendu

Le pouvoir.

« Baise mes pieds » de ses lèvres qui durent

« Le paradis est en dessous »

Ils ont tous dit « Oui ».

Je ne vis qu’une vague gravure

empreinte de la cuisine, bout d’oignon

trace du tapis dans le salon.

Elle a dit : « Mohamed a pourtant dit… »

Ils ont tous dit « Oui »

Je dis « Vous êtes tous fous ». NON.

« Tu es folle. Tu es maudite »

Je haussai les épaules. Tant pis.

Fussent-ils ceux de ma mère,

jamais je ne baiserai des pieds.



Sonho de ouro


Mamã Champagne

A mamã deambula pelo jardim

Embrulhada em pástico de bolha

que faz explodir ela embalsama

como um amuleto

este perfume Champagne

seu favorito e antes dele

Sonho de ouro

o perfume favorito da sua mãe antes dela

(As mães também têm mães,

nunca percebi)


A mamã com o cabelo pintado de loiro

arranca o fruto da árvore e diz:

São figos orgânicos do jardim dos teus pais

Toma»

Ela dá-me este fruto

Alimentado pela água da louça suja.

Cheirava a sonhos de ouro e a País Seguro.

Eu fiz «hum é bom» e depois

escondi-me e cuspi

O sumo amargo da minha mãe de cabelo loiro escuro.

Nunca vou por perfume.


Das suas mãos eternas estendeu-se

O poder.

«Beija os meus pés» dos seus lábios duros

«O paraíso está em baixo»

Todos disseram «Sim».

Vi apenas uma vaga gravura

impressão da cozinha, pedaço de cebola

vestígios do tapete na sala.

Ela disse: «Mohamed, no entanto, disse... »

Todos disseram «Sim»

Digo: «Vocês estão todos malucos». NÃO.

«Estás louca. Estás amaldiçoada»

Encolhi os ombros. Que importa.

Fossem os da minha mãe,

Nunca beijarei pés.



13 abril 2022

mara pastor

 

Mi niña es un bosque


En el tronco de un árbol de ausubo

que cayó hace tres años

-la edad que está por cumplir-

escoge un lugar para sentarse

y me pide que la deje sola

con su naranja agria

recién cosechada.


Anoche ardió como el barro

en un horno de cerámica.

Hoy quiere saberse sola

en el follaje. Presentir

qué sería estar lejos de mí

o rodeada de sí misma

ya cuajada su carne con calor.




A minha menina é uma floresta


No tronco de uma árvore de balata

que caiu há três anos

-a idade que está para cumprir-

Escolha um lugar para se sentar

e pede-me que a deixe sozinha

com sua laranja azeda

acabada de colher.


Ontem à noite ardeu como barro

em forno de cerâmica.

Hoje quer conhecer-se sozinha

na folhagem. Pressentir

o que seria estar longe de mim

ou rodeada de si mesma

já com calor a sua carne coalhada.


12 abril 2022

virginia aguilar bautista

 

Trampas


Para amenizar algo

tan absurda existencia

confeccioné, sin hilo,

este gran repertorio

de irracionales miedos.


En terapia confieso,

por temor,

sólo aquellos que sé

que ya tienen un nombre.




Armadilhas


Para amenizar alguma coisa

tão absurda existência

confeccionei, sem fios,

este grande repertório

de irracionais medos.


Em terapia confesso,

por medo,

só aqueles que sei

que já têm um nome.


11 abril 2022

maya deren

 

When rains come down to flood the town

And earnest citizens really ought’er

try to make and keep things sort’er

dry…

                   I make water.


When water’s rare and cattle’s dying

and I’m as thirsty as can be

and long for some water in me —

God-damn it!

                       I still pee.



Quando as chuvas caem para inúndio da cidade

E os verdadeiros cidadãos devem realmente

tentar fazer e manter as coisas mais ordenadas

seca...

                       Eu produzo água.


Quando a água é escassa e o gado está a morrer

e estou sequiosa quanto possível

e querem alguma água de mim -

Porra!

                  Eu ainda mijo.


10 abril 2022

maggie nelson


1. Suppose I were to begin by saying that I had fallen in love with a color. Suppose I were to speak this as though it were a confession; suppose I shredded my napkin as we spoke. It began slowly. An appreciation, an affinity. Then, one day, it became more serious. Then (looking into an empty teacup, its bottom stained with thin brown excrement coiled into the shape of a seahorse) it became somehow personal.

2. And so I fell in love with a color—in this case, the color blue—as if falling under a spell, a spell I fought to stay under and get out from under, in turns.

3. Well, and what of it? A voluntary delusion, you might say. That each blue object could be a kind of burning bush, a secret code meant for a single agent, an X on a map too diffuse ever to be unfolded in entirety but that contains the knowable universe. How could all the shreds of blue garbage bags stuck in brambles, or the bright blue tarps flapping over every shanty and fish stand in the world, be, in essence, the fingerprints of God? I will try to explain this.

4. I admit that I may have been lonely. I know that loneliness can produce bolts of hot pain, a pain which, if it stays hot enough for long enough, can begin to simulate, or to provoke—take your pick—an apprehension of the divine. (This ought to arouse our suspicions.)

5. But first, let us consider a sort of case in reverse. In 1867, after a long bout of solitude, the French poet Stephane Mallarmé wrote to his friend Henri Cazalis: “These last few months have been terrifying. My Thought has thought itself through and reached a Pure Idea. What the rest of me has suffered throughout that long agony, is indescribable.” Mallarmé described this agony as a battle that took place on God’s “boney wing.” “I struggled with that creature of ancient and evil plumage—God—whom I fortunately defeated and threw to earth,” he told Cazalis with exhausted satisfaction. Eventually Mallarmé began replacing “le ciel” with “l’Azur” in his poems, in an effort to rinse references to the sky of religious connotations. “Fortunately,” he wrote Cazalis, “I am quite dead now.”


1. Suponhamos que começava por dizer que me apaixonei por uma cor. Suponhamos que falaria disto como se fosse uma confissão; suponhamos que desfaço em pedaços o meu guardanapo enquanto falamos. Começou paulatinamente. Uma apreciação, uma afinidade. E, um dia, tornou-se mais sério. Então (olhando para uma chávena vazia, de fundo manchado com um fino resíduo castanho enroscado em forma de cavalo-marinho) tornou-se de algum modo pessoal.

2. Apaixonei-me por uma cor, neste caso, a cor azul - como se caísse sob um feitiço, um feitiço pelo qual lutei, alternativamente, para ficar dentro e sair dele.

3. E então? É um engano voluntário, podias dizer. Cada objeto azul podia ser um tipo de sarça ardente, um código secreto feito para um único agente, um X num mapa demasiado difuso para ser desdobrado por completo, mas que contém todo o universo conhecido. Como é que todos os pedaços de sacos de lixo azuis presos nos arbustos, ou os toldos de azul vibrante que pairam em cima de cada cabana e banquinha de peixe no mundo, podiam ser, em essência, as pegadas de Deus? Tentarei explicar.

4. Admito que poderia sentir-me só. Sei que a solidão pode produzir ramalhetes de dor candente, uma dor que, se continuar a arder durante tempo suficiente, pode começar a parecer-se ou a provocar -tu escolhes- uma apreensão do divino. (Isto deveria despertar nossas suspeitas).

5. Mas, primeiro, consideremos um caso contrário. Em 1867, depois de um longo período de solidão, o poeta francês Stéphane Mallarmé escreveu ao seu amigo Henri Cazalis: “ Estes últimos meses foram terríveis. Meu Pensamento foi pensado e chegou a uma Ideia Pura. Tudo o que o resto do meu ser sofreu durante esta longa agonia é indescritível ». Mallarmé descreveu esta agonia como uma batalha que teve lugar na «ala ossuda» de Deus. «Lutei com essa entidade de plumagem antiga e malvada -Deus-, a quem por sorte venci e atirei para a terra», disse a Cazalis com uma satisfação esgotada. No fim, Mallarmé começou a substituir «le ciel» por «l'Azur» nos seus poemas, numa tentativa de lavar as suas referências à abóbada celestial de conotações religiosas. «Felizmente», escreveu a Cazalis, «já estou bem morto».


09 abril 2022

ester naomi perquin

 

Staatsgeheim


Overmaatse vogel door hoog in de lucht

gestoken borstels schoongeschrobd en

bovenop het dunne touw verstopt

waaraan hij deze vlucht moet hangen.


Samenspel door onbekende machten,

trucages van een verborgen overheid.

Die meisjes met rokjes en hoedjes?

Zwijgen verplicht. Of moeten geloven.


Eenmaal boven is de druk zo laag

dat elk besef –hoe log, hoe zwaar,

hoe traag– van zwaartekracht verdwijnt.

Wat niet weet, wat niet valt.


Maar wie betaalt de mannen die de wolken

langs de vleugels trekken?

Wie wast hun hemelsblauwe overalls?



Segredo de Estado


Pássaro de enorme tamanho esfregado

conscientemente por altíssimos esfregões e

escondido em cima do fino cordel

donde há-de pender neste vôo.


Colaboração de potências ignotas,

engenhocas de um Estado oculto.

As garotas de minissaia e chapéu?

Silêncio prescritivo. Ou profissão de fé.


Uma vez em cima, tão baixa é a pressão que

qualquer noção -quão torpe, quão pesada,

quão lenta – de gravidade se esfuma.

O que desconhece não se precipita.


E quem paga aos homens que passam

as nuvens ao nível das asas?

Quem lava os macacões azuis?


08 abril 2022

dina posada

 


El tiempo crucifica

el callado río de mi infancia


de la herida descienden

azoradas lunas fecundas

que a compás de pausas

devastarán el rosa de mi vientre


lo advierte mi vulva

conjugando leyes fulminantes

en todo mi cuerpo



O tempo crucifica

o calado rio da minha infância


da ferida descem

atordoadas luas fecundas

que ao compasso de pausas

devastarão a rosa do meu ventre


assim me avisa a minha vulva 

conjugando leis fulminantes

em todo o meu corpo


07 abril 2022

roxana crisólogo correa

 

La camioneta se deslizó como un jabón en la bañera ...


La camioneta se deslizó como un jabón en la bañera

la muerte disfrazada de poste que en un toldo

la fábrica posesiona en el cielo

Ahí quedaron los tubos chamuscados

que forman un cordel momentáneo de gente

la hipnosis conjuntiva que me obliga a marchar

mientras el aire de todos tararea la contradicción

y en las carretillas un boquete de voces

cuelga del casco indiferente de un soldado

que la velocidad rescata en una mirada de pesca

Los floreros de verduras disipando el estío

de las manos tendidas

Las callosidades de mimbre esperando

el cambio intempestivo de la luz

como si no fuera suficiente el herbolario que mi madre

invoca para espantar lo que se resiste

La suerte hincada en la soldadura de zinc

que un huayno deshoja en el descolorido vertical

de la carretera

Los cerros de hormigón que llenan de plástico el alma.



A camionete deslizou como um sabonete na banheira


A camionete deslizou como um sabonete na banheira

a morte disfarçada de poste que num toldo

a fábrica empossa no céu

Aí ficaram os tubos chamuscados

que formam uma corda momentânea de gente

a hipnose conjuntiva que me obriga a andar

enquanto o ar de todos murmura a contradição

e nas malas uma brecha de vozes

pendura-se do casco indiferente de um soldado

que a velocidade resgata num olhar de pesca

Os vasos de vegetais dissipando o calor

das mãos estendidas

Os calos de vime esperando

a mudança intempestiva da luz

como se não fosse suficiente o herbolário que a minha mãe

invoca para espantar o que resiste

A sorte cravada na soldagem de zinco

que um huaino desfolha no descolorido vertical

da estrada

Os cerros de betão armado que enchem a alma de plástico.


06 abril 2022

marina mariasch

 

Soy-ex


Nunca fui sexy


para mi papá:

un gato,

un oso,

un perro,

un león.


¿Me soltás?

¡Destiérrenme!

Ya incendié “cadáveres”,

castigué bebés

y encerré ancianos.


Supe hablar varios idiomas.

Bailar tango, flamenco y folclor

lento

rápido

te tapé en la cama

una noche que hacía calor.

Alguien dice que se comería mi pelo:

-“¡pura proteína!”

Pero: qué pasa-

rá?


Pienso en cruzar

a la terraza de esa vieja

que tiende la ropa al sol.

Pero creo que una piedra es un sapo,

ya estoy de otro color.


Entonces sigo adentro de este jean

donde hasta soy capaz

de abrocharme

los botones de la cream.


Me extraña

producir calor.

Lo extraño-

es algo innato.

Como las manchas

hereditarias

cambian de color.


¿Debería llamarte Canasta?

Cuando dicen no hay

momento mejor para comprar,

¿suponen una recuperación del valor?

Todos los días se cumple el aniversario

de un atentado.


Nunca fui Tweety ni Chilly Willy,

me habría gastado el dedo

en esas esponjitas

para contar dinero.

Se diría que el terror en los animales

es más evidente.


¿Cómo puedo estar llorando en el supermercado?

¡Un exceso de poesía!


Pero hago esfuerzos:

pensar en lo más más feo.

Ya está.



Sou-ex


Nunca fui sexy


para o meu pai:

um gato,

um urso,

um cão,

um leão.


Deixas-me em paz?

Desterrem-me!

Já incendiei "cadáveres",

castiguei bebés

e tranquei os idosos.


Soube falar várias línguas.

Dançar tango, flamenco e folclore

lento

rápido

Cobri-te na cama

numa noite de calor.

Alguém disse que comeria o meu cabelo:

-"Pura proteína!"

Mas: o que se passa-

rá?


Penso em atravessar

o terraço dessa velha

que tende a roupa ao sol.

Mas acho que uma pedra é um sapo,

já estou de outra cor.


Então continuo dentro destes jeans

onde até sou capaz

de apertar

os botões do creme.


Estranho

produzir calor.

O estranho-

é algo inato.

Como as manchas

hereditárias

mudam de cor.


Devo chamar-te Cesta?

Quando dizem que não há

momento melhor para comprar,

supõem uma recuperação do valor?

Todos os dias se cumpre o aniversário

de um atentado.


Nunca fui Tweety nem Chilly Willy,

teria gasto o dedo

nessas esponjinhas

de contar dinheiro.

Dir-se-ia que o terror nos animais

é mais evidente.


Como posso estar a chorar no supermercado?

Um excesso de poesia!


Mas faço esforço:

pensar no mais mais feio.

Já está.




05 abril 2022

maría ruíz

 

y tiene muerte La Casa

y tiene mala agua en su memoria

María Auxiliadora Álvarez


Tengo la casa por dentro

Cazar implica levantarse en armas

contra la vulnerabilidad de la presa

Reclamarle con una bala caliente

su temor

su suerte


Tengo la caza por dentro

Casar implica juntar en una ceremonia

lo que por voluntad de dios ha sido creado

separado

Casar implica ir en contra de lo divino

poner argollas de metal

para contener en vano

la voluntad

el ímpetu


Cazar implica estar en paz

con el olor a pólvora

y la esclavitud de los perros

Casar implica levantar

un círculo de alambre de púas

alrededor de un hueco


Tengo el lugar y el hábito por dentro

Cazo la casa Caso la caza

con mi cuerpo



e tem morte A Casa

e águas chocas na sua memória

María Auxiliadora Álvarez


Tenho a casa por dentro

Caçar implica levantar-se em armas

contra a vulnerabilidade da barragem

Reclamar com uma bala quente

o seu temor

a sua sorte


Tenho a caça por dentro

Casar implica juntar numa cerimónia

o que por vontade de Deus foi criado

separado

Casar implica ir contra o divino

colocar argolas de metal

para conter em vão

a vontade

o ímpeto


Caçar significa estar em paz

com o cheiro de pólvora

e a escravatura dos cães

Casar implica levantar

um círculo de arame farpado

à volta de um buraco


Tenho o lugar e o hábito por dentro

Caço a casa Caso a caça

com o meu corpo



04 abril 2022

aitana monzón

 

Acto quinto – Escena II

DARLEY junto a la hija de Melissa.
Piensa: No hay lactancia en las urbes
ni hermanos de leche.


La última estación

será tu cuerpo.

Aquí descansará

–levitación rupestre–

el aire vaciado con su ruina.


La última estación

será dormir la leche de tu boca:

bífida sierpe rotunda en sus caudales.


Aquí diremos cuando el magma

ya nos haya nutrido

que nunca nos dolió tanta ternura,

que no pudimos ser hijos o hermanos,

que esa leche de Dios

no era copla

ni esa agua en el vientre

matriz animal.


La transmodernidad te besará

–como Caín–

los párpados.


Empuja, pues, el aire de las huertas,

que aquí ya sólo hay ciborgs:

la ciudad

se queda mansa de cantares,

de cántaros de entrañas.


La última estación

o el cuerpo en la nodriza.


La luz y qué chupar del niño y su lenguaje:

tan próximo a la herida

o a su limbo,

–llamémosle morada–,

tan próximo a su pueblo.



Quinto actoCena II

DARLEY ao pé da filha de Melissa.
Pensa: Não há amamentação nas cidades
n
em irmãos de leite.

A última estação

será o teu corpo.

Aqui descansará

levitação rupestre–

o ar esvaziado com a sua ruína.


A última estação

será adormecer o leite de tua boca:

bífida serpe rotunda em seus caudais.


Aqui diremos quando o magma

já nos tenha nutrido

que nunca nos doeu tanta ternura,

que não podíamos ser filhos ou irmãos,

que esse leite de Deus

não era copla

nem essa água no ventre

matriz animal.


A transmodernidade beijar-te-á

- como Caim-

as pálpebras.


Empurra, pois, o ar das hortas,

que aqui já só há ciborgs:

a cidade

fica mansa de cantares,

de cântaros de entranhas.


A última estação

ou o corpo na ama-de-leite.


A luz e o que chupar da criança e sua linguagem:

tão perto da ferida

ou do seu limbo,

- chamemos-lhe morada-,

tão perto do seu povo.


03 abril 2022

amélie garrido

 

Le mot


Quelle merveille que la langue,

Les lèvres, la bouche !

Et cet improbable enchaînement de pensées

Qui relie, tempère, module,

Rassemble, résume, circonscrit,

S’exprime enfin !


Ces sons s’assemblent,

Ces autres se repoussent,

Et dans le silence primordial

Ainsi résonne le Premier Verbe !


Peut-être que le vent,

Ce jour-là,

S’est tu pour écouter le bruit miraculeux

Produit par une gorge primitive…


Ah ! Non, j’aurais préféré qu’il chuchote

À l’oreille des premiers hommes :

Restez dans vos arbres.



A palavra


Mas que maravilha a língua,

Os lábios, a boca!

E esta improvável cadeia de pensamentos

Que liga, tempera, modula,

Religa, resume, circunscreve,

Exprime-se enfim!


Estes sons reúnem-se,

Outros afastam-se,

E no silêncio primordial

Assim ressoa o Primeiro Verbo!


Talvez o vento

Nesse dia

Se tenha calado para escutar o som miraculado

Produzido por uma garganta primitiva …


Ah! Não, preferia que ele tivesse sussurrado

Ao ouvido dos primeiros homens:

Fiquem nas vossas árvores.


02 abril 2022

julie cayeux


Dans ma bouche,

je collectionne des mots-crapules.


Parfois, les mots se mettent à enfler

et quand ma langue me pique,

c’est qu’ils s’apprêtent à déborder.


Ces petites ordures forment une palissade

qui retient ma fureur.

Et ma bouche s’alourdit,

et ma langue se fatigue.

C’est pourquoi,

de temps à autre,

je dois vider ma bouche,

soulager mes tempêtes.

Il n’y a qu’une chose à faire :

se tenir debout

face aux murs de ma chambre

desserrer les mâchoires

et hurler.


Les mots tombent comme des feuilles,

je les piétine en paix.



Dentro da minha boca,

colecciono palavras-crápulas.


Às vezes as palavras começam a inchar

e quando a minha língua me pica,

é porque estão à beira de extravasar.


Estes pequenos resíduos formam uma cerca

que retém a minha fúria.

E a minha boca fica pesada,

e a minha língua cansa-se.

É por isso que,

de vez em quando,

tenho de esvaziar a boca,

aliviar as minhas tempestades.

Só há uma coisa a fazer:

ficar de pé

de frente para as paredes do meu quarto

desbloquear as mandíbulas

e gritar.


As palavras caem como folhas,

Piso-as em paz.


01 abril 2022

hagar peeters

 

Vannacht kwam

ik mijn ouders regen


Vannacht kwam ik mijn ouders tegen,

twee bleke schimmen die naar elkaar

toe negen in het witte licht van een lantaarn.


Aan hun geluk te zien kon ik nog niet

geboren zijn. Ze waren jong en heel verliefd.

Een groot verdriet bedroefde mij

omdat ik wist hoe het zou verdergaan.


Zij schaterde om iets dat hij haar toegefluisterd had.

Hij lachte hard zoals hij nog vaak doet.

We wisselden een beleefde groet

en daarna scheidden zich weer onze wegen.


Wacht maar’, riep ik hen na,

wij komen elkaar nog wel eens tegen.

Gearmd gingen ze zwijgend om een hoek.



Ontem à noite

encontrei-me com os meus pais


Ontem à noite encontrei-me com meus pais,

duas pálidas figuras inclinadas

na luz branca de um candeeiro.


A julgar pela sua felicidade eu ainda não podia

ter nascido. Eram jovens e estavam

muito apaixonados. Uma grande tristeza invadiu-me

Sabia como seria a sequela.


Ela soltou uma gargalhada com algo que ele sussurrou.

Ele riu-se com vontade como ainda costuma fazer.

Trocamos uma saudação muito cortês

E de novo os nossos caminhos se separaram.


«Já verão», consegui gritar-lhes ainda,

que um dia voltaremos a encontrar-nos.

Abraçados e em silêncio deram a volta a uma esquina.


31 março 2022

kateryna mikhalitsyna

 

(Simple things)


dzieci strącają ostatnie jabłka z nagich drzew

a ktoś strąca samolot

komuś tak łatwiej

bo oduczył się już po prostu: jabłka

kijem

w przezroczystym sadzie

gdzie nie ma niczego

tylko wiatr

i nagie drzewa

i najbardziej naturalne ruchy:

rzucić i złapać


a samolotu nie złapiesz

tu nawet ziemia jest bezsilna

i anioły

a co dopiero maleńki ty


samolotu nie złapiesz

nie złapiesz

na nagim niebie

gdzie nawet gałęzi nie ma

żeby się zaczepić


a dzieci się śmieją

i strącają


czerwonoboczne

robaczywe

wyschnięte od słońca

jabłka




(Simple things)


as crianças derrubam as últimas maçãs das árvores nuas

alguém derrubar um avião

é mais fácil

já deve ter desaprendido: maçãs

com um pau

num pomar transparente

onde não há nada

só o vento

e as árvores nuas

e os movimentos mais naturais:

lançar e apanhar


não conseguirá agarrar um avião

aqui até a terra é incapaz

e os anjos

e ainda mais tu, tão diminuto


Não conseguirás agarrar um avião

não o vais agarrar

no céu nu

onde nem sequer há galhos

para nos segurarmos


e as crianças riem

e derrubam


maçãs

vermelhas

agusanadas

murchas ao sol