Ars Poetica
Not books, but
a street opened my mouth like a doctor’s spatula.
One by one, streets introduced themselves
with the names of national
murderers.
In the State Archives, covers
hardened like scabs
over the ledgers.
Inside a tiny apartment
I built myself
into a separate room,
peopled it
with the Calibans
of plans for the future.
Future that runs on the schedule of public buses,
from the zoo to the circus, what future;
what is your alibi for these ledgers, these streets, this apartment, this future?
In the purse which held—
through seven wars—
the birth certificates
of the dead, my grandmother
hid—from me—
chocolates. The purse opened like a screaming mouth.
Its two shiny buckles watched me
through doors, through walls, through jazz.
Who has taught you to be a frightening face, purse?
I kiss your buckles, I swear myself your subject.
August. Apples. I have nobody.
August. For me, a ripe apple is a little brother.
For me, a four-legged table is a pet.
In the temple of Supermarket
I stand
like a candle
in the line to the priestesses who preserve
the knowledge of sausage prices, the virginity
of milk cartons. My future, small
change after buying necessities.
Future that runs on the schedule of public buses,
streets introduced themselves with the names
of national murderers. I build myself
into a separate room, where memory—
the illegal migrant in time—cleans up
after imagination.
In a room where memory strips the beds—
linens that hardened like scabs
on the mattresses—I kiss
little apples—my brothers—I kiss the buckles
that watch us through walls, through years, through jazz;
chocolates from a purse that held—through seven wars—
birth certificates of the dead!
Hold me, brother-apple.
Ars Poetica
Não os livros, mas
uma rua abriu-me a boca como uma espátula de médico.
Uma por uma, as ruas apresentaram-se
com os nomes dos nacionais
assassinos.
Nos Arquivos Estatais, as capas
dos livros de contabilidade
endureceram como crostas.
Futuro que circula nos horários dos transportes públicos,
do jardim zoológico ao circo, qual futuro;
qual é a tua desculpa para estes livros de contabilidade, estas ruas, este apartamento, este futuro?
Na mala que manteve
durante sete guerras-
as certidões de nascimento
dos mortos, a minha avó
escondeu - de mim -
chocolates.
A mala abriu-se como uma boca a gritar.
As suas duas fivelas brilhantes observavam-me
através de portas, através de paredes, através do jazz.
Quem te ensinou a ser uma cara aterradora, mala?
Beijo as tuas fivelas, juro que sou teu súbdito.
Agosto. Maçãs. Não tenho ninguém.
Agosto. Para mim, uma maçã madura é um irmão.
Para mim, uma mesa de quatro pernas é um animal de estimação.
No templo do supermercado
ergo-me
como uma vela.
na fila para as sacerdotisas que preservam
o conhecimento dos preços das salsichas, a virgindade
do leite nos pacotes. Meu futuro, pequena
mudança depois da compra de necessidades.
Futuro que circula nos horários dos transportes públicos,
ruas que se apresentam a elas próprias
com os nomes dos assassinos nacionais.
Construí-me a mim própria
num quarto separado, onde a memória -
o migrante ilegal no tempo – faz a limpeza
depois da imaginação.
Numa sala onde a memória rasga as camas-
lençóis que endureceram como crostas
nos colchões - Beijo
pequenas maçãs—meus irmãos— Beijo as fivelas
que nos observam através das paredes, através dos anos, através do jazz;
chocolates de uma mala que aguentou – durante sete guerras -
as certidões de nascimento dos mortos!
Abraça-me, irmão-maçã.