del día que me quedé sentada,
esperando
I
nunca me he sentido más sola que el día que mi abuela dijo que iba a cruzar la calle
en veinte años yo tendría que ayudarla y aprender a seguir sus huellas
y sería yo el jinete que guiaría sus pasos
ella sería el caballo negro
que todos los días amanece mudo en el retablo
y que aprendemos a querer
con un silencio
que no se dice
ni se enseña
mi abuela me enseñó el misterio del fuego y el poder de la alquimia
cuando yo no sabía contar ni siquiera hasta el siete
adecir how are you fine thank you
mi abuela sabía que cruzar las vías es más importante que quemar las naves
por eso arrancaba las etiquetas de mis suéteres
para que nadie supiera mi nombre
para que nadie me quitara la costumbre
de contar los rieles
y derramar mi helado
mientras el tren se asomaba con recelo a nuestras piernas
mientras los caballos como tropas
se quedaban mudos
cuando mi abuela cruzaba a trompicones
y levantaba la frente
para galopar con ellos
la cicatriz en su cerebro
está quedándose
tiesa
la siguen
a pasitos
los fantasmas
de mi infancia
II
alguien me dijo
que no tendría por qué esperar
que se cerraran nuestros ojos
como catacumbas
si de todos modos
por las manos
se nos están trepando los gusanos del miedo
y nos quedamos
poco a poco
como fantasmas partidos por la ausencia
como insectos devorando el cadáver de una fruta
alguien me dijo
que nos iríamos quedando sin nosotros mismos
yo
que no conocía la historia del fuego
arranqué de tus labios una postal de la ausencia
donde escribías
que no hay nada sin lo nuestro
y que la lluvia
estaba siendo una perra
yo esperé sentada
alguien me dijo que dejara de creer en la esperanza
y tomé una enciclopedia
ahí estaba escrito tu futuro
en negritas
y una anotación que prometía
un mapa al fondo de la Atlántida
y el tesoro escondido
en las minas de tus manos
porque me quedé esperando
con una lata entre las piernas
cuando alguien me dijo
que me levantara
III
nuestros miedos son dos cometas que intentamos hacer pasar por accidentes
y que se estrellaron hace tiempo
en el jardín de casa
tienen las rodillas hechas trizas
de tanto jugar al escondite
nuestros miedos son más débiles que larvas
no tienen la ferocidad del tiempo
no saben que a nosotros nos bendice la memoria
se estrellan fugaces en las paredes
dejan costras del color de la mentira
no se caen
aprenden a volverse rémoras
nuestros miedos tienen el silencio de una procesión infinita
por donde los marchantes
no recuerdan el nombre de su santo
y tienen que colgarse una estampita al cuello
para evitar perderse entre las trampas del olvido
nuestros miedos son dos brazos inmóviles
que rezan sin tener que pegarse al cielo
y que ríen y que lloran
han aprendido a comprender la calma
escuchan, impacientes, las esquelas anatómicas
y caen fulminados
ante el monumento
de nuestras cicatrices
do dia em que fiquei sentada,
à espera
I
Nunca me senti tão sozinha como no dia em que a minha avó disse que ia atravessar a rua
em vinte anos eu teria que ajudá-la e aprender a seguir os seus rastros
e seria eu o cavaleiro que guiaria seus passos
ela seria o cavalo negro
que todos os dias amanhece mudo no retábulo
e que aprendemos a amar
com um silêncio
que não se diz
nem se ensina
a minha avó ensinou-me o mistério do fogo e o poder da alquimia
quando eu não sabia contar nem sequer até sete
ajustar how are you fine thank you
a minha avó sabia que atravessar os trilhos é mais importante que queimar as naves
por isso arrancava as etiquetas das minhas camisolas
para que ninguém soubesse o meu nome
para que ninguém me tirasse o costume
de contar os carris
e derramar o meu gelado
enquanto o comboio espreitava com receio as nossas pernas
enquanto os cavalos como tropas
ficavam mudos
quando a minha avó atravessava aos tropeções
e levantava a cabeça
para galopar com eles
a cicatriz no seu cérebro
está a ficar
rígida
está seguida
mesmo ao lado
pelos fantasmas
da minha infância
II
alguém me disse
que não haveria razão para esperar
que os nossos olhos se fechassem
como catacumbas
se de qualquer maneira
pelas mãos
nos estão a subir os vermes do medo
e nós ficamos
pouco a pouco
como fantasmas partidos pela ausência
como insetos devorando o cadáver de uma fruta
alguém me disse
que iríamos ficar sem nós mesmos
eu
que não conhecia a história do fogo
arranquei dos teus lábios um postal da ausência
onde escrevias
que não há nada sem o que somos
e que a chuva
estava a ser uma cadela
eu esperei sentada
alguém me disse para deixar de acreditar na esperança
e peguei numa enciclopédia
aí estava escrito o teu futuro
em negrito
e uma anotação que prometia
um mapa do fundo da Atlântida
e o tesouro escondido
nas minas das tuas mãos
porque fiquei à espera
com uma lata entre as pernas
quando alguém me disse
para me levantar
III
os nossos medos são dois cometas que tentamos fazer passar por acidentes
e que se estrelaram há tempos
no jardim de casa
têm os joelhos em pcacos
de tanto jogar às escondidas
os nossos medos são mais débeis que as larvas
não têm a ferocidade do tempo
não sabem que a nós nos abençoa a memória
estrelam-se fugazes nas paredes
deixam crostas da cor da mentira
não caem
III
aprendem a tornar-se rémoras
os nossos medos têm o silêncio de uma procissão infinita
onde os procissantes
não se lembram do nome do seu santo
e têm que pendurar uma imagenzinha ao pescoço
para evitarem perder-se entre as armadilhas do esquecimento
os nossos medos são dois braços imóveis
que rezam sem terem de se colar ao céu
que riem e choram
aprenderam a compreender a calma
escutam, impacientes, o obituário anatómico
e caem fulminados
diante do monumento
das nossas cicatrizes