14 janeiro 2022

malena mariana martinic magan

 

Poco hombre


Hoy le corto un pedazo de hombre.

Me cansó con tanto exceso.

Le corto la voz irritante de matón que lo sabe todo.

Le corto el puño con el que se sabe valiente.

El dedo señalando mi error.

Hoy me enamoro del peor cliente.

Me subo en mis zapatos

y corro hasta perder la orientación

y los olores viejos.

Hoy le corto el atropello,

el sudor y aliento ácido,

sus manos torpes,

vientre blando,

su risa estridente.

Hoy le muestro que no sirve,

que si no paga no tiene.

Hoy le corto la imagen del espejo,

en la que se ve poderoso, violento, fuerte.

Y me siento reina, o niña buena,

o mariposa. Hasta libre.

Hoy no acepto billetes,

ni regalos, ni flores, ni promesas,

ni lágrimas de comprensión por un rato.

No huelo a chica.

No muerdo labios.

No bebo engaños.

Hoy clavo certeramente el filo en su corazón.

Y se lo arranco.

Total,

sin corazón, hará lo mismo.



Pouco homem


Hoje corto-lhe um pedaço de homem.

Cansou-me com tanto excesso.

Corto-lhe a voz irritante de rufia que sabe tudo.

Corto-lhe o punho com o qual sabe ser valente.

O dedo apontando o meu erro.

Hoje apaixono-me pelo pior cliente.

Subo nos meus sapatos

e corro até perder a orientação

e os cheiros velhos.

Hoje corto-lhe o atropelo,

o suor e o hálito ácido,

as suas mãos torpes,

barriga mole,

o seu riso estridente.

Hoje mostro-lhe que não serve,

que se não paga não tem.

Hoje corto-lhe a imagem do espelho,

onde se vê poderoso, violento, forte.

E sinto-me rainha, ou boa menina,

ou borboleta. Até livre.

Hoje não aceito notas,

nem presentes, nem flores, nem promessas,

nem lágrimas de compreensão por um momento.

Não cheiro a rapariga.

Não mordo lábios.

Não bebo enganos.

Hoje cravo com certeza a lâmina no seu coração.

E arranco-lho.

Enfim,

Sem coração, fará o mesmo.


13 janeiro 2022

fernanda martínez varela

 

cuando veas que el vómito se desliza por el vagón

en la madrugada de comienzo de semana, siéntate enfrente

aprovecha que estás sola y, con ambas manos, toma tu parte

entonces bebe, que allí también tú eres mi hermana


en la afroamericana que canta

como queriendo que dios se voltee a oírla

mientras los coches que pasan esparcen

la nieve sobre sus pies

yo también aguanto


en la mujer de labio leporino

la de rostro asido al atropello de la cara

que alargando la cuerda del violín pide monedas

a cambio de mostrarse aún más herida

yo también estoy ahí desesperada



quando vires que o vómito desliza pelo vagão

na madrugada do início da semana, senta-te na frente

aproveita estares só e, com ambas as mãos, pega na tua parte

então bebe, que ali também tu és minha irmã


na afro-americana que canta

como querendo que deus vire a cabeça para a ouvir

enquanto os carros que passam atiram

neve para os seus pés

eu também aguento


na mulher de lábio leporino

a de rosto agarrado ao atropelo da cara

que alongando a corda do violino pede moedas

em troca de mostrar-se ainda mais ferida

eu também estou aí desesperada




12 janeiro 2022

damaris calderón campos

 

Cuerpo


Ventanas al mundo exterior

abiertas al sol como mis venas

ojos gárgolas ciudadelas

los remordimientos vienen a cebarse

como vienen las moscas a las heridas del perro.

Pero ya no tengo huesos que darles.

Esta costilla fue una jaula,

esta boca,

fue un pensionado para señoritas.

(Yo las recorría de noche, desnudas).

Ahora soy un largo país

por el que caminan las hormigas

y la luz intrusa, sin sensualidad.



Corpo


Janelas para o mundo exterior

abertas ao sol como minhas veias

olhos gárgulas cidadelas

os remorsos vêm para engordar

como as moscas vêm às feridas do cão.

Mas já não tenho ossos para lhes dar.

Esta costela foi uma gaiola,

esta boca,

foi uma pensão para senhoras.

(Eu percorria-as de noite, nuas).

Agora sou um país extenso

por onde caminham as formigas

e a luz intrusa, sem sensualidade.



11 janeiro 2022

montserrat álvarez

 

Última foto


Para tomarte una foto noventosa

ponte un vaquero roto

y la campera de cuero de tu padre

gafas oscuras y las manos en los bolsillos

No mires a la cámara

la popularidad no te interesa

Naciste mala y sola

y mala y desolada morirás

La campera de cuero de tu padre

te queda grande

como todos los símbolos

de autoridad o poder

o de cuanto pueda ser noble o respetable

Chica mala

veneno y núcleo de la oscuridad

yérguete con orgullo de monstruo ante la cámara

Nunca habrá una campera a tu medida

porque naciste mala y desolada

y nada de esto está hecho para ti

ni siquiera el lenguaje

ya no intentes hablar

porque si dijeras tus palabras

—tus genuinas palabras—

no serían palabras

serían cuchilladas

que te destrozarían al salir

y te desgarrarían las entrañas

Así que olvídalo

Prepara con orgullo esta última escena

No vuelvas a ser cómplice de nada

porque tú en nada crees

ni has creído jamás

Enciende un cigarrillo

Que no haya en esta foto

ni luz ni movimiento ni color

No sonrías

Vuélvete el corazón de las tinieblas

No le devuelvas al mundo la mirada



Última foto


Para tirares uma foto dos anos noventa

põe umas jeans rotas

e o casaco de couro do teu pai

óculos escuros e mãos nos bolsos

Não olhes para a câmara

a popularidade não te interessa

Nasceste má e sozinha

e má e desolada morrerás

O casaco de couro do teu pai

fica-te grande

como todos os símbolos

de autoridade ou poder

ou de quanto possa ser nobre ou respeitável

Rapariga má

veneno e núcleo da escuridão

ergue-te com orgulho de monstro diante da câmara

Nunca haverá um casaco à tua medida

porque nasceste má e desolada

e nada disto foi feito para ti

nem sequer a linguagem

não mais tentes falar

porque se dissesses as tuas palavras

- as tuas genuínas palavras -

não seriam palavras

seriam facadas

que te destroçariam ao sair

e te rasgariam as entranhas

Por isso esquece

Prepara com orgulho esta última cena

Não voltes a ser cúmplice de nada

porque não acreditas em nada

nem nunca acreditaste

Acende um cigarro

Que não haja nesta foto

luz, movimento, cor

Não sorrias

Voltar-te-á o coração das trevas

Não devolvas ao mundo o olhar


10 janeiro 2022

roxana landívar

 

1

Puse una bomba en el avión

antes de tu vuelo

escondí las llaves del hotel

averié las llantas del auto

rapté a tu perro

traicioné todas mis ideas

sobre la libertad

sobre el control de las pasiones

me prometo

cuando pase todo esto

no volver a hablar de incendios



1

Pus uma bomba no avião

antes do teu voo

escondi as chaves do hotel

furei o pneu do carros

sequestrei o teu cão

traí todas as minhas ideias

sobre a liberdade

sobre o controlo das paixões

prometo

quando isto tudo passar

não voltar a falar de incêndios


Aclaración

No voy a mentir
escribir no me salva
es apenas un leve grito
una mínima pausa
y la mayoría de veces

una absurda repetición del dolor


Esclarecimento

Não vou mentir
escrever não me salva
é apenas um leve grito
uma mínima pausa
e a maioria das vezes

uma absurda repetição da dor

09 janeiro 2022

maru delgado

 

II

La memoria de Caronte se transforma bajo la necesidad de sus instintos. En algún punto la demencia silenciosa se bautiza bajo las sombras como un difunto pausado entre la nada y nada. Así navega por la geografía que no escapa de las redes del tiempo de guerras en el nombre de un fantasma. La curiosidad se imprime maquinando un tiempo imperfecto desde la gota de lluvia más inocente hasta el deseo de las flores del mar de Hades. Observo alrededor buscando la ofrenda para alcanzar la obscenidad del padre y solo encuentro este fruto que regalo a la muerte. La vida como partícula clave del poder que ejerce el juego del descanso eterno.


II

A memória de Caronte transforma-se sob a necessidade de seus instintos. Em algum ponto, a demência silenciosa é batizada sob as sombras como um defunto parado entre o nada e nada. Assim navega pela geografia que não escapa das redes do tempo de guerras em nome de um fantasma. A curiosidade imprime-se maquinando um tempo imperfeito desde a gota de chuva mais inocente até ao desejo das flores do mar de Hades. Olho em volta à procura da oferenda para alcançar a obscenidade do pai e só encontro este fruto que ofereço à morte. A vida como partícula chave do poder que exerce o jogo do descanso eterno.


08 janeiro 2022

tsvetanka elénkova

 

ПОД НОКТИТЕ НА ЖЕРТВАТА

Ако кожата има памет, както твърдят лекарите, значи къщата, на която се опря последния път, морето, в което плува, още помнят. Единствено роклите ми не помнят, защото ги нося на химическо чистене или често ги пера. Но морето ни, което е така затворено, че до него не достигат никакви течения, вертикалната стена под навеса, която не се мие от дъждове със сигурност помнят. Като човки на пеликани, като гърбици на камили задържат спомените за постни дни. Като ноктите на жертва, които още пазят косми от кожата на убиец.


Debaixo das unhas da vítima

Se a pele possui memória, como dizem os médicos, tal significa que a casa onde se apoiou pela última vez, o mar onde nadou, ainda se lembram. Só dos meus vestidos não se lembram porque os levo à tinturaria ou os lavo muitas vezes. Mas este nosso mar, que se encontra assim fechado, de modo a não ser atingido por nenhuma corrente, a parede vertical sob o alpendre que as chuvas não lavam, lembram-se de certeza absoluta. Como bicos de pelicanos, como bossas de camelos guardam as lembranças de dias de vigília. Como as unhas de uma vítima que ainda têm fragmentos da pele de um assassino.


07 janeiro 2022

maria-mercè marçal

 

La festa de la sal


Tu i jo som aire que estalona el foc.

Som aigua oberta que esmola la terra.

Som terra espessa que s’allera en l’aire.

Som foc que imanta amb arrels noves l’aigua.

Tu i jo, amor, avui som tot el món

congriat en la festa de la sal.


Han trobat el seu lloc el pa i la sal

i la por no ens allunya de cap foc.

Rebem, com a penyora, tot el món:

fora del nostre abast, ni un pam de terra,

ni un bri de verd, esgarriat en l’aire,

ni un bri de blau, dissolt al clar de l’aigua.


Ni un ram de nit, perdut pel fosc de l’aigua,

ni un glop de mar, colgat sota la sal.

L’urc del desig fa el ple al grat de l’aire

i torna lívides herbes i foc.

Amants, parem el jaç damunt la terra

i ens fan de cambra boscos d’aquest món.


Som d’aquest món, però encetem un món

que endevinem amb els sentits de l’aigua.

Ens creixen arbres com si fóssim terra

i se’ns arrapen vives flors de sal.

Cremem i alhora transformem el foc

en energia dolça i en bleix l’aire.


Veus de desig fan que es capgiri l’aire

i escampen tretze vents arreu del món.

Ens abracem amb les plomes del foc

i mesclem l’ona com si fóssim d’aigua.

Ens batega a la boca un cor de sal

que obre finestres noves a la terra.


Quan fem l’amor, se’ns assembla la terra.

S’espiguen, altes, les branques de l’aire.

Cristal·litza la pena de la sal

i una alegria d’heura pren el món.

No hi ha paranys en el sexe de l’aigua

ni tirania en la farga del foc:


Som amb el foc al centre de la terra,

brollem amb l’aigua i alenem amb l’aire.

Fem rodar el món a l’era de la sal.



A Festa do sal


Tu e eu somos ar que escora o fogo.

Somos água aberta que amola a terra.

Somos terra espessa que se atreve no ar.

Somos fogo que com raízes novas imanta a água.

Você e eu, amor, somos todos hoje

congregado na festa do sal.


Encontraram o seu lugar o pão e o sal

E o medo não nos afasta de nenhum fogo.

Recebemos, como penhor, todo mundo:

longe do nosso alcance, nem um palmo de terra,

nem um cisco de verde, espalhado no ar,

nem um cisco de azul, dissolvido no claro da água.


Nem um ramo de noite, perdido pelo escuro da água,

nem um trago de mar, enterrado debaixo do sal.

Enche-se a altivez do desejo ao agrado do ar

e torna lívidas as ervas e o fogo.

Amantes, nosso leito é a terra

e servem-nos de cama as florestas deste mundo.


Somos deste mundo, mas começamos um mundo

que adivinhamos com os sentidos da água.

Crescem-nos árvores como se fossemos terra

e somos cingidos por vivas flores de sal.

Ardemos e ao mesmo tempo transformamos o fogo

em energia doce e em alento o ar.


Vozes de desejo dão a volta ao ar

e espalham treze ventos pelo mundo.

Abraçamo-nos com as penas do fogo

e na onda nos misturamos como se fôssemos de água.

Na boca bate-nos um coração de sal

que abre novas janelas para a terra.


Quando fazemos amor, parece-nos a terra.

Espigam-se, altos, os ramos do ar.

Cristaliza a dor do sal

e uma alegria de hera toma conta do mundo.

Não há emboscadas no sexo da água

nem tirania na forja do fogo:

Estamos com o fogo no centro da terra,

brotamos com a água e alentamos com o ar.

Lançamos o mundo na era do sal.


06 janeiro 2022

esdras parra

 

No lamento los recuerdos sin historia, los homicidios

perpetrados en honor a la ternura. Hoy el fuego me marca

como si saliera del hierro del verdugo. No cabe la menor duda de

que el frío también me despedaza. Y los climas que vienen a morir

en las islas contribuyen a mi creciente desesperación, pequeña

tiniebla recién cortada, hueco donde estuvo la piedra. Por esos cenagales

corre libremente mi sangre y prepara su partida.



Não lamento as lembranças sem história, os homicídios

perpetrados em louvor da ternura. Hoje o fogo marca-me

como se saísse do ferro do verdugo. Não há a mínima dúvida de

que o frio também me despedaça. E os climas que vêm morrer

nas ilhas contribuem para o meu crescente desespero, pequena

treva recém cortada, buraco onde esteve a pedra. Por esses lamaçais

corre livremente meu sangue e prepara sua partida.

***

No soportamos nuestro extremado amor ni él

el paso leve de nuestro corazón en el día que solloza

ni la tristeza de luto que nos trae el relámpago.

Vamos hambrientos la mayor parte del tiempo y sufrimos

sin levantar la mirada para, así, acallar nuestro silencio

y lloramos a los ausentes frente al viento y las hojas.


Cómo desearíamos grabar para siempre nuestra historia no leída.

O despedirnos, aún vivientes, de todas las desgracias

y recobrar así nuestra sombra

y dormir al fin sobre la vieja ceniza amanecida.


Não suportamos o nosso extremado amor nem ele

o passo leve do nosso coração no dia que soluça

nem a tristeza de luto que nos traz o relâmpago.

Vamos famintos a maior parte do tempo e sofremos

sem levantar o olhar para, assim, calar o nosso silêncio

e choramos os ausentes frente ao vento e às folhas.


Como desejaríamos gravar para sempre a nossa história não lida.

Ou despedir-nos, ainda viventes, de todas as desgraças

e recuperar assim a nossa sombra

e dormir por fim sobre a velha cinza amanhecida.


05 janeiro 2022

anna kullick lackner

 

El respeto es la cumbre de hielo donde se estrellan las más bajas pasiones.

O respeito é o cume de gelo onde se espatifam as mais baixas paixões .

***

En un mundo paralelo alguien está amándome. Debo ser yo.

Num mundo paralelo alguém me está a amar. Devo ser eu.

***

La jaula ha heredado la algarabía de mis sueños. Los pájaros que puse adentro, no.

A gaiola herdou a confusão dos meus sonhos. Os pássaros que coloquei dentro, não.

***

Cuánta soledad cabe en la retórica.

Quanta solidão se abriga na retórica.

***

Todo juramento lleva consigo una traición.

Todas as juras andam de mãos dadas com a traição.

***

Hasta el más saludable de los hábitos termina por enfermarte.

Até o mais saudável dos hábitos acaba por te pôr doente.

***

Los sueños son las únicas genuinas obras de arte.

Os sonhos são as únicas obras de arte genuínas.

***

Para saber si existe, visito a la vida de vez en cuando. Para ensayar su fin, duermo a ratos.

Para saber se existe, visito a vida de vez em quando. Para ensaiar o seu fim, durmo por intervalos.


***

El dolor ante la muerte es egoísta. El ego es eterno.

A dor diante da morte é egoísta. O ego é eterno.


04 janeiro 2022

elizabeth echemendía


Si hoy yo corto mis raíces

no creceré jamás lo suficiente,

más pequeña seré

y daré por ende menos frutos.


¿Qué son las raíces?

Debo cuidarlas con terneza, depositar en ellas mi centro.


¿Cuál es mi centro?

Permitir que se extiendan libremente como lo hacen los años vividos y sacudirlas a cada rato,

para soltarme de nudos y larvas.


Mami dice que soy cubana, dice que esa es mi raíz,

pero, ¿las raíces no son lo que nos alimenta?


Es mi hijo lo que me alimenta, el silencio y el aire, es tu amor,

la atención dilatándose en tus ojos


negros,

el bosque lluvioso de tu lengua,


y muchas otras cosas;


Vuelos y declives entre calles conocidas o aprendidas

que se han enriquecido con mis pasos,

quizás Cuba también;

pero mi centro ha de ser el amor.



Se hoje eu cortar as minhas raízes

nunca crescerei o suficiente,

mais pequena serei

e darei por isso menos frutos.


Que coisa são as raízes?

Tenho que cuidar delas com cuidado, depositar nelas o meu centro.


Qual é o meu centro?

Permitir que se estendam livremente como fazem os anos vividos e sacudi-las a cada momento,

para me soltar de nós e larvas.


A mamã diz que sou cubana, diz que essa é a minha raiz,

porém, as raízes não são o que nos alimenta?


É o meu filho que me alimenta, o silêncio e o ar, é o teu amor,

a atenção dilatando-se nos teus olhos


negros,

o bosque chuvoso da tua língua,


e muitas outras coisas;


Voos e declives entre ruas conhecidas ou aprendidas

que enriqueceram com os meus passos,

talvez Cuba também;

mas o meu centro tem de ser o amor.


03 janeiro 2022

lila calderón

 

Historial


Fui yo la que descubrió tu locura

y por eso es mía y me la diste

con todos los fantasmas del invierno.

Dijimos las mismas cosas

que el amor hace saltar desde los ojos

pero tuvimos que dormir vendados

como faraones malditos

y recurrir a la historia

para alcanzar el pasado.

Tuvimos que tolerar buscadores de tesoros

profanadores de palabras

aprendices de adivino

coleccionistas y areneros de todos los museos.

Cansados de maldecir nos suicidamos

negando todo vínculo

nos despedimos

mientras las carretelas marchaban a la feria

marcamos jeroglíficos en todas las líneas

del futuro

y desterrados de la muerte

amargos y solos

aún

nos presentimos.



Historial


Fui eu quem descobriu a tua loucura

e por isso é minha e deste-ma

com todos os fantasmas do inverno.

Dissemos as mesmas coisas

que o amor faz saltar dos olhos

mas tivemos que dormir vendados

como faraós malditos

e recorrer à história

para alcançar o passado.

Tivemos que aturar caçadores de tesouros

profanadores de palavras

aprendizes de adivinho

colecionadores e caixas de areia de todos os museus.

Cansados de amaldiçoar nos suicidamos

negando qualquer vínculo

nos despedimos


Cansados de praguejar suicidamo-nos

negando qualquer vínculo

despedimo-nos

enquanto os carretéis marchavam para a feira

marcamos hieróglifos em todas as linhas

do futuro

e desterrados da morte

amargos e sós

ainda

nos esboçamos.


02 janeiro 2022

ouidad benmoussa

 

ما عنوانك أيها الطائر / Onde moras, pássaro?


2

لا تكذبوا علي،

فالمكان ليس بالضرورة أرضا أو خلاء

المكان أيضا سماء

وإلا فما عنوانك أيها الطائر؟


Não me mintas,

Um lugar não é necessariamente terra ou espaço vazio

Um lugar também é um céu

Caso contrário, qual é o teu endereço, ó pássaro?


3

الشجرة مكان

أغصانها أمكنة صغيرة

فيها تقيم الكائنات الأخرى أعراسها.

بأم روحي رأيت ذلك…


A árvore é um lugar

Seus ramos são pequenos lugares

Onde outros seres celebram seus amplexos

Vi tal com a minha própria alma . . .


7

أعرف امرأة قضت طول وعرض حياتها في نفس المكان

ترى، ما ستكون مشاعر المكان

لو فجأة رحلت؟


Conheço uma mulher que passou toda a vida no mesmo lugar

Imagino como o lugar se sentiria

Se ela desaparecesse de repente


11

انت تعرف ان للمكان لغة

فلماذا تصمت في حضرته

لماذا لاتتحداه بالغناء او البكاء

لماذا لا تجعله يسهر في انحائك؟


Sabes que os lugares têm uma linguagem

Então porque guardas silêncio na sua presença

Porque não os desafias cantando ou chorando

Porque não os tornas vigilantes da tua reclusão?


12

لا أصدق:

هل حقا للمكان عبيد؟

وإذن،

كيف لا يحرسه غير هذا الفراغ؟


Eu não acredito nisso:

Os lugares têm escravos?

Se assim fosse,

Como é que eles seriam guardados apenas por ausência?


13

تريد ان تُسَيَّجَ المكان بأسلاك الحديد؟

حاذر أن يسيجك بأسلاك الوحدة والجنون


Queres cercar lugares com arame de ferro?

Atenção, eles não te cercam com fios de solidão e loucura


01 janeiro 2022

ana brnardić

 

Aerodrom


U visini listaju se štampane stranice neba

Dolje carinik traži otisak prsta

pečat rodnog stabalca

na papiru za turističku vizu


U licu mi sjaji žuti balkanski mjesec

Zaboravila sam ga ugasiti iznad oceana


Obitelj pored mene ima više iskustva

Tužnu pentatoniku skrili su u rukav

Službeniku podastiru ogromne količine

kalifornijskog osmijeha


Iza barikade nasmiješeni starci

s frizurama od šećerne vune

pružaju mi ruke i vode me u raj



Aeroporto


No alto folheiam-se as páginas impressas do céu

no baixo um alfandegário pede uma impressão digital

cunho da árvore genealógica

para a folha do visto turístico


Brilha na minha cara a amarela, balcânica lua

Esqueci-me de a apagar ao cruzar o oceano


A família ao lado tem mais experiência

esconderam em suas mangas o triste pentatónico

e afivelam diante do oficial enormes quantidades

de sorrisos californianos

Por trás da barricada, velhos sorridentes

com penteados de algodão doce

estendem-me a mão e levam-me ao paraíso.


31 dezembro 2021

anna gual

 

S'ha de fer un forat


Agafo una pala i un rasclet

i començo a cavar cap avall,

trencant primer les rajoles,

esmicolant després el ciment

i la terra que el sosté i totes

les pedres que trobo les deso

a les butxaques per si

tot d’una visc una esllavissada

i cal fer un mur i esperar

que la cosa es calmi.


No vull pensar

on arribaré ni quan tardaré

ni si al final hi trobaré

algú cavant en sentit contrari.


Qui sap si xocaré,

sense tenir temps

per prevenir la col·lisió,

contra el cap d’algú

ple de fang i runa.


La veritat, pànic de xocar

contra mi,

de ser jo la pregunta i la resposta.




Há que cavar fundo


Pego numa pá e num ancinho

e começo a cavar fundo,

quebrando primeiro os azulejos,

esmigalhando em seguida o cimento

e a terra que o suporta e todas

as pedras que encontro guardo-as

nos bolsos caso

de repente vivesse um deslizamento

e tivesse que fazer um muro e esperar

que a coisa acalmasse.


Não quero pensar

onde chegarei nem quanto demorarei

nem se no final me encontrarei

alguém a cavar em sentido contrário.


Quem sabe se vou chocar,

sem ter tempo

para evitar a colisão,

contra a cabeça de alguém

cheio de lama e escombros.


Na verdade, pânico de chocar

contra mim,

de ser eu mesma a pergunta e a resposta.


30 dezembro 2021

françoise ascal

 

De quel droit parler de ce qu’on ignore ?

approcher avec précaution


Mitard


on répète ce mot

on laisse venir les clichés


cachot trou basse-fosse cage cave puits tombeau

froid humide silence absence nuit macération aveuglement

charivari d’insectes fureur de rats


On lit ce qu’ils en disent, eux,

leurs témoignages, mythes, mensonges, douleurs


Mitard

on croit entendre tourner des gonds, on voudrait de l’eau, mouiller leur front


Mitard,

23 heures sur 24

brise l’échine

ni coup ni trace

Mitard,

23 heures sur 24

broie la cervelle

rend fou

Mitard,

23 heures sur 24

tue l’enfance

en toute impunité



Com que direito se fala do que não se sabe?

abordar com precaução


Buraco


repetimos essa palavra

deixamos vir os clichés


calabouço buraco baixa-fossa gaiola cave túmulo

frio húmido silêncio ausência noite maceração cegueira

balbúrdia de insetos fúria de ratos


Lemos o que dizem obre isso, eles,

os seus testemunhos, mitos, mentiras, dores


Buraco

as pessoas pensam que ouvem as dobradiças, querem água, querem molhar a testa


Buraco,

23 horas por dia

quebra a espinha dorsal

nem golpe nem rasto


Buraco,

23 horas por dia

esmaga os miolos

enlouquece


Buraco,

23 horas por dia

mata a infância

com toda a impunidade