29 dezembro 2021

blanca llum vidal

 

I

Que m’ompli de llengües el teu mot,

que un cant teu canta més que dir que més.

Quin cos teu més teu-meu que és el cos meu.

Un forat per on redir-m’hi és el teu nom.

Tots et volem, totes endins. Agafa’m!

Correm junts darrere teu, correm amics, correm gruant-te!

Obre l’estrella, oh tu, obre l’estella i du-m’hi dins!

Farem nit, covarem l’ou, serem feliços!

El teu amor em posa dos pins a la cuixa i se’n va.

Per això s’enamoren. Per això Salomons i Sulamites.


Sóc blanca, gitana, sóc mora, jueva, ameríndia, sóc negra!

Sóc ombra i desert, costella rompuda, sóc pols que s’agleva.

Sóc roda, rodera, rodona, la ruca que rauca, la roca que rasca

i del tot al revés de fer fora les pors: sóc qui les peix i les cria

—qui, com paparra volguda, es regala, content, una trampa.


Els meus germans s’han enfadat,

m’han dit apaga i jo he bufat, punyetamón,

i el foc s’escampa.


Digues on, d’horabaixa, llegeixes tan sol,

que jo vaig, lletratorta,

entre els fulls que no tinc i una pena que canta.


Si tu no ho saps,

oh dona que crida,

segueix el silenci que fa quan s’amaga

i busca el seu mal

vora el mal d’altre.


A l’espelma de trenes d’espelma et comparo, amiga meva,

que boniques les pigues que es perden,

quina ferida els teus ulls, amb els aubons que s’hi claven.

Et farem remolins al clatell amb saliva mesclada.


Mentre és a ca seu, estarrufat de mil nits i amb l’angoixa ben feta,

la mar meva l’estima, l’ofega, l’estimba, l’ofega.

El meu amor és un còdol que es trenca,

que fa nit entre el tall de la cella.

És un bosc de garrova i d’ullastre

i d’orquídia salvatge.


I que n’ets, d’infinita, amiga meva.

I que n’ets, d’esquerpada. Ball i baralla, els teus ossos.


I com les acreixes, amor,

les teves lliçons i la teva mania.

El nostre llit fa fer nit,

les portes, follia,

i les finestres, escàndol.



I

Que me encha de línguas a tua palavra,

que um canto teu canta mais que mais dizer.

Que corpo teu mais teu-meu é o corpo meu.

Redigo-me no teu nome, um buraco.

Todos nós te amamos, todas para dentro. Segura-me!

Corremos juntos, corremos amigos, corremos no desejo de ti!

Abre a estrela, ó tu, abre a farpa e mete-me dentro!

Faremos noite, chocaremos ovos, seremos felizes!

O teu amor planta dois pinheiros na minha coxa e vai-se embora.

Por isso se apaixonam. Por isso Salomões e Sulamitas.


Sou branca, cigana, sou moura, judia, ameríndia, sou negra!

Sou sombra e deserto, costela partida, pó coalhado.

Sou roda, jante, redonda, a ruça que coaxa, a rocha que raspa

e o contrário de expulsar os medos: eu sou quem os pasta e os cria

-que, como carrapata desejada, se presenteia, contente, com uma armadilha.


Os meus irmãos ficaram furiosos,

disseram-me para desligar e eu soprei,

e o fogo espalha-se.


Diz-me onde, ao cair da tarde, lês solitário

que eu vou, com letra torta,

entre as folhas que não tenho e uma pena que canta.


Se não o sabes,

oh mulher que grita,

segue o silêncio que fazes ao esconder-te

e procura o teu mal

ao pé do mal do outro.


À candeia de tranças de candeia te comparo, amiga minha,

que lindas as sardas que se perdem,

que ferida teus olhos, com asfódelos cravados.

Far-te-emos remoinhos na nuca com saliva misturada.


Enquanto estás em tua casa, eriçada com mil noites, e com a angústia bem trabalhada,

O meu mar te ama, afoga-te, estampa-te, afoga-te.

O meu amor é um pedregulho que se quebra,

que faz noite entre o corte da sobrancelha.

É uma floresta de gafanhotos e azambujos

e de orquídea selvagem.


Mas como és infinita, minha amiga.

Mas como és arisca. Baile e batalha, os teus ossos.


E como as acrescentas, amor,

as tuas lições e a tua mania.

O nosso leito faz noite,

as portas, loucura

as janelas, escândalo.


28 dezembro 2021

elvira hernández

 

Registro de poetas en el Parque Botero


Y ahí estás tú también

filmando a los poetas que se fotografían

con el Perro el Gato las Evas y los Adanes.

Esto es ya un juego.

Registras tú o registro yo.

Pidámosle a ese niño entretenido en su teléfono

que haga un click para ambos

y no nos acordemos cuánto nos reímos de los japoneses.

Ya somos memoria que guardará la máquina

en el disco duro de su corazón.


Con flash o sin flash

lo que se imprime

es como la muestra que el infectólogo

extrae del caldo purulento.

Más tarde nos identificarán

y dirán

la palabra no les dio protección.



Registo de poetas no Parque Botero


E lá estás tu também

filmando os poetas que se fotografam

com o Cão, o Gato, as Evas e os Adões.

Isto já é um jogo.

Registas tu ou registo eu.

Vamos pedir a esse menino entretido com o seu telemóvel

que faça um clique para ambos

e não nos lembremos o quanto nos rimos dos japoneses.

Já somos memória que guardará a máquina

no disco rígido do seu coração


Com flash ou sem flash

o que fica impresso

é como a amostra que o infecciologista

extrai do caldo purulento.

Mais tarde identificar-nos-ão

e dirão

a palavra não lhes deu proteção.


27 dezembro 2021

candela de las heras

 

ST. ANDREWS


Los hombres han huido de sus casas,

seguimos el camino y no vemos a nadie.

Pienso que si hoy el mundo terminase

tú y yo no lo sabríamos jamás.

Me miras y me dices

que este es buen lugar para el amor.

Sin mucho esfuerzo vemos con toda nitidez

a los extraños personajes

de Bergman deambulando por la costa.

El mar esculpe acantilados negros

y playas invisibles, pedregosas.

No sé si soy yo misma

o si el paisaje puede traer tanta tristeza.

La ciudad cada vez está más cerca,

un hilo va arrastrando nuestros cuerpos.

Me detengo en los cabos, capturo tempestades,

compruebo que seguimos latiendo, mientras tanto

la catedral aumenta y se apaga la luz.

Nasas desvencijadas, pilares de un hogar

desértico, vestigios del pasado.

Las algas extranjeras lamiendo la bahía.

Se agota la sonrisa con la noche,

los recuerdos felices están en el camino.

Si miro nuestros cuerpos, la roca, el mar, la arena;

pienso que si no hubiesen sido

creados los colores,

si la vida se viera en blanco y negro,

nosotros seríamos los primeros

habitantes de un mundo sin fisuras.



ST. ANDREWS


Os homens fugiram de suas casas,

seguimos o caminho e não vemos ninguém.

Penso que se hoje o mundo acabasse

tu e eu nunca o saberíamos

Olhas para mim e dizes-me

que este é um bom lugar para o amor.

Sem muito esforço vemos com toda a nitidez

as estranhas personagens

de Bergman deambulando pela costa.

O mar esculpe penhascos negros

e praias invisíveis, pedregosas.

Não sei se sou eu mesma

ou se a paisagem pode trazer tanta tristeza.

A cidade cada vez está mais próxima,

um fio vai arrastando os nossos corpos.

Detenho-me nos cabos, capturo tempestades,

verifico que continuamos a latejar, entretanto

a catedral aumenta e apaga a luz.

Nassas desconjuntadas, pilares de um lar

deserto, vestígios do passado.

As algas estrangeiras lambendo a baía.

Esgota-se o sorriso com a noite,

as lembranças felizes estão no caminho.

Se olho para os nossos corpos, para a rocha, para o mar, para a areia;

penso que se não tivessem sido

criadas as cores.

se a vida se visse a preto e branco,

nós seríamos os primeiros

habitantes de um mundo sem fissuras.


26 dezembro 2021

saba vasefi

 

The Portable Home

 

Once, I went with the wolf to the desert

to take back honey from the bear

but in town my two eyes counted

only for one. At school

the only colors allowed

were black, brown, navy or grey.


To make a Muslim of me,

they hid me in a chador.

No matter how many holy verses

they made my mouth express,

no prayers found their God.

I did not capitulate;

with the heat of my eyes

I incinerated the gates of Hell!

When I was seven, to console my

tears for the forbidden colors,

my grandmother told me

as we sat under a fig tree,

the sky is the same color

wherever you are.

 

When I was twenty-eight,

I auctioned my kitchen garden

to fly to a forest,

yearning to burn.

under an azure sky.


I've found solace

now, though I stand naked,

stripped of the dour colors

I wore when the Persian sky

did not know my name

though raucous sky is not kind to me,

not savvy to my skin.


Tehran was a hoarfrost

on my lips, Sydney

is a cockatoo scream in

my stateless mouth;

and the world a

Tower of Babel.


I have tried insanity,

I have taken every pill,

even the moon, I swallowed!

The ocean I swim in is blue,

but not the blue

of the Caspian.


I am the blue desert,

a pomegranate in bloom.

The broken seeds are

fragments in my mouth.


I am a memoir in blood.


The ink of all existence

is the color of the sky

and exile is horizon without end.

Salvation beckons

like a lunar eclipse.


I have travelled the clouds

to change the sky’s mood,

but it stays

unmoved. I want to

bring the moon to the ground.


Within me

I would fashion a portable home;

wherever I go

I live nowhere.


Between the inhale

and exhale of my expatriate breath,

I ask God to lift his feet

so I can mop under my desk.


He was my prison,

but I'm always a woman

with a body in the wilderness;

not a prisoner in a tent.

 

 

 

A casa portátil


Uma vez, fui com o lobo ao deserto

para recuperar o mel do urso,

mas na cidade os meus dois olhos contavam

apenas para um.  Na escola,

as únicas cores permitidas

eram preto, castanho, azul-marinho ou cinza.


Esconderam-me num xador.

Não importa quantos versículos santos

obrigaram a minha boca a expressar,

nenhuma oração encontrou o seu Deus.


Eu não capitulei;

com o calor dos meus olhos

incinerei os portões do Inferno!

Quando tinha sete anos, para consolar as minhas

lágrimas pelas cores proibidas,

a minha avó disse-me

enquanto estávamos sentadas sob uma figueira,

o céu é da mesma cor

onde quer que estejas.


Quando tinha vinte e oito anos,

leiloei a minha horta

para voar para uma floresta,

desejando queimar.

sob um céu azul.

 

Encontrei consolo

agora, embora esteja nua,

despojada das cores austeras que

usava quando o céu persa

não sabia o meu nome -

embora o ruidoso céu não seja bom para mim,

não é sensato para a minha pele.


Teerão era uma geada

nos meus lábios, Sydney

é um grito de catatua na

minha boca apátrida;

e o mundo uma

Torre de Babel.


Já tentei a loucura,

tomei todas as pílulas,

até a lua, engoli!

O oceano em que nado é azul,

mas não o azul

do Cáspio.


Sou o deserto azul,

uma romã em flor.

As sementes quebradas são

fragmentos em minha boca.


Sou uma biografia em sangue.


A tinta de toda a existência

é a cor do céu

e o exílio é o horizonte sem fim.

A salvação acena

como um eclipse lunar.


Viajei pelas nuvens

para mudar o estando do céu,

mas ele permanece

impassível. Quero

trazer a lua para o chão.


Dentro de mim,

instalaria o design de uma casa portátil;

onde quer que vá,

não moro em nenhum lugar.


Entre a inspiração

e a expiração da minha respiração de expatriada,

peço a Deus que levante os pés

para eu poder esfregar debaixo da minha secretária.


Ele foi a minha prisão,

mas sou sempre uma mulher

com um corpo no deserto;

não uma prisioneira numa tenda.


25 dezembro 2021

sandra santana

 

A LA AUTORA LE INQUIETA QUE LA MIRADA ATENTA DEL MÉDICO PUEDA HABER PROVOCADO SU ENFERMEDAD


No puede dejar de preguntarse

si fue el sonido de la idea

al quebrarse

lo que llamó la atención

de su mirada,

o si fue la mirada

lo que causó la transformación de la idea

en polvo suspendido.


Si existía siquiera la idea antes de la mirada.



A AUTORA ESTÁ PREOCUPADA, O OLHAR ATENTO DO MÉDICO PODE TER PROVOCADO A SUA DOENÇA


Não consegue deixar de se perguntar

se foi o barulho da ideia

ao partir-se

que chamou a atenção

do seu olhar,

ou se foi o olhar

que causou a transformação da ideia

em pó suspenso.

Caso tenha existido sequer a ideia antes do olhar.


23 dezembro 2021

salomé assor

 

ma solitude d’attendre ce qui ne vient pas, la lune, vous, l’objet absent lorsqu’on le cherche mais se faisant voir à l’improviste dans toute sa splendeur, et jaillissant du noir comme un rappel à la vie, la lune, vous, vous sur la lune, ma souvenance d’une grâce révolue depuis la nuit dernière


a minha solidão de esperar o que não vem, a lua, vocês, o objeto ausente, quando o buscais, mas sendo visto sem aviso em toda o seu esplendor,e jorrando do escuro como um lembrete da vida, a lua, você, você na lua, minha lembrança de uma graça finda ontem à noite


je pense à vous qui êtes mon peuple sans être là,

ce doit être enfin la raison d’une chaise vide,

asseoir les absents,

leur proposer du thé,

et se taire devant eux


Penso em vocês, que são o meu povo sem estar aqui,

esta deve ser finalmente a razão de uma cadeira vazia,

sentar os ausentes

propor-lhes um chá

e calar-se diante dele


21 dezembro 2021

nana quinn

 

jouer à la marelle sur ton ombre

(tomber dedans)


s’il existe un équilibre

entre saigner et

respirer


il est pour les détraqués

en attendant sortir de toi tient du miracle



jogar à macaca na tua sombra

(cair dentro)


se existe um equilíbrio

entre sangrar e

respirar


é para os que não o têm

que esperam sair de ti um milagre


19 dezembro 2021

denise desautels


Te dis je suis porte qui bée.

En accéléré d’un côté comme de l’autre

sans possibilité d’effacement – vide

nerfs et neurones banalisés.


Armure mécanique protection attelage

ne suffisent plus.

Te dis je suis monde et gouffre.


Et voici que s’avance – passé qui roule

une splendide avalanche de bouches

qu’on a aimées qu’on a perdues qu’on n’aime plus

encore un peu peut-être

qu’on se souvient avoir aimées

qu’on sent

qui nous tuent.


Treillis.

Des bouches le traversent




Digo-te que estou de saída.

Acelerando de um lado e do outro

sem possibilidade de supressão - vazio

nervos e neurónios banalizados.


Armadura mecânica proteção tração

já não são suficientes.

Digo-te sou o mundo e o abismo.


E aqui o avanço - passado que enrola

uma magnífica avalanche de bocas

que amámos, que perdemos, que já não amamos

ainda um pouco talvez

que nos lembramos de amar

que sentimos

que nos matam.


Rede.

As bocas atravessam-na 


17 dezembro 2021

sylvia plath

 

Mystic


The air is a mill of hooks----

Questions without answer,

Glittering and drunk as flies

Whose kiss stings unbearably

In the fetid wombs of black air under pines in summer.


I remember

The dead smell of sun on wood cabins,

The stiffness of sails, the long salt winding sheets.

Once one has seen God, what is the remedy?

Once one has been seized up


Without a part left over,

Not a toe, not a finger, and used,

Used utterly, in the sun's conflagration, the stains

That lengthen from ancient cathedrals

What is the remedy?


The pill of the Communion tablet,

The walking beside still water? Memory?

Or picking up the bright pieces

Of Christ in the faces of rodents,

The tame flower-nibblers, the ones


Whose hopes are so low they are comfortable-----

The humpback in his small, washed cottage

Under the spokes of the clematis.

Is there no great love, only tenderness?

Does the sea


Remember the walker upon it?

Meaning leaks from the molecules.

The chimneys of the city breathe, the window sweats,

The children leap in their cots.

The sun blooms, it is a geranium.


The heart has not stopped.


Místico


O ar é um moinho de anzóis –

Perguntas sem resposta.

Brilhantes e bêbadas como moscas

Cujo beijo penetra insuportavelmente

Nos úteros fétidos de ar negro debaixo dos pinheiros no verão.


Recordo

O cheiro morto a sol em cabanas de madeira,

A rigidez das velas, as longas mortalhas de sal.

Depois de ver Deus, qual o remédio?

Depois de estar encalhado,


Sem uma parte sobrante

Não um dedo do pé, não um dedo da mão, e usada,

Usada completamente, na conflagração do sol, as manchas

Que se alongam das catedrais antigas

Qual o remédio?


A pílula da tábua comungatória

O caminhar ao lado de água imóvel? Memória?

Ou coletando os pedaços luminosos

De Cristo nas faces dos roedores,

Os mansos mastigadores de flores, esses


Cujas esperanças são tão baixas que se tornam confortáveis –

A corcunda em seu pequeno, lavado chalé

Sob os raios do clematis.

Não há grande amor, apenas ternura?

O mar


Lembra-se do caminhante em cima dele?


Ou seja, vazamentos das moléculas.

As chaminés da cidade respiram, a janela transpira,

As crianças saltam nas suas camas.

O sol floresce, é um gerânio.


O coração não deixou de bater.


15 dezembro 2021

rocío g. benítez

 

Ciega


me encontré con una bestia

que me prometió el sueño que tejí de niña

si yo lamía su cuchillo lleno de moho

si dejaba poner gotitas de su sudor

en mis ojos

y zurcir con punto de cruz mi boca.


Y lo hice

tengo un punto de cruz en la boca

que me impide hablar ahora.


Madre:

Llama más tarde!



Cega


encontrei-me com uma besta

que me prometeu o sonho que teci em criança

se eu lambia a sua faca cheia de mofo

se deixava pôr gotas do seu suor

nos meus olhos

e coser em ponto-cruz a minha boca.


Disse-lhe

tenho um ponto-cruz na minha boca.

que me impede de falar agora.


Mãe:

Telefona mais tarde!

13 dezembro 2021

shivanee ramlochan

 

The Virgin Speaks of What She Endured


Don’t turn the lamps down.

The mangrove burned for days. When our forest have up her bare shoulders to the hungry women and children, for weeks, we ate nothing but trees.

In the first week, the vines, the shoots, the leaves helped us make soup.

In the second week we crammed roots through the holes in our teeth.

In the third week, my sister’s hair fled her blue scalp; in the fourth week my sister trapped and gnawed a blue crab to death with no fire but her belly.

By the fifth week the bruised bark had nothing left, so we began to eat language.

Na sexta semana sonhei que um Ocelot me trouxe o teu nome no berço da sua língua.

On the sixth week I dreamed an ocelot brought me your name in the cradle of his tongue.

There was no seventh week of which I can speak, and on the dawning of the eighth week,

you and the battalion returned.

You’ve told me of how the war crumbled cathedrals of bamboo and stone before your eyes. There are great, open plains where the high streets shone. The statues of the men who spoonfed us English are ground to glassine.

I am no longer your bride. We ate the words for marriage, for sacrament, for lawfully wed. I fed my sister the ivory dress, so she might keep warm; I placed pearlseed buttons where her eyes once shone.

Don’t turn the lamps down. Look at me, the price of revolution. I left the fighting words alive for tonight. I didn’t eat triumph, or victory, or maidenhead.

Starving, I unswallowed the words that mattered.

Look here, the glassine road of our crushed forefathers wraps around my belly. Our eyes are now the only mirrors, fusilier of mine.

My surgeon. My soldier.

My small, bare breasts sit as quiet as mute brown doves.

Show me why I waited.


Come, burst me into song.



A virgem conta o que teve de suportar


Não desligues as lâmpadas.

O manguezal ardeu durante dias. Quando a nossa selva entregou os seus ombros nus às mulheres e crianças famintas, durante semanas só comemos árvores.

Na primeira semana, as videiras, os brotos, as folhas nos ajudaram a fazer sopa.

Na segunda semana nós enchemos de raízes os buracos dos nossos dentes.

Na terceira semana, o cabelo da minha irmã fugiu do seu couro cabeludo azul; na quarta semana, a minha irmã encurralou e roeu um caranguejo azul até o matar sem outro fogo que o da sua barriga.

Na quinta semana a casca ferida já não tinha mais nada a dar, então começamos a comer linguagem.

Na sexta semana sonhei que um ocelote me trazia o teu nome no berço da sua língua.

Não houve sétima semana da qual possa falar, e ao amanhecer da oitava semana,

o batalhão e tu regressaram.

Contaste-me como a guerra desmoronou catedrais de bambu e pedra diante dos teus olhos. Há grandes planícies abertas onde as ruas altas brilhavam. As estátuas dos homens que nos deram inglês às colheradas jazem reduzidas a papel glassine.

Já não sou a tua noiva. Devoramos as palavras para o casamento, para o sacramento, para legalmente se casar. Dei de comer à minha irmã o vestido de marfim, para que ela possa manter-se quente;  coloquei botões de pérola onde alguma vez os seus olhos brilharam.

Não desligues as lâmpadas. Olha para mim, o preço da revolução. Deixei as palavras de luta vivas para esta noite. Não comi triunfo, ou vitória, ou virgindade.

Esfomeada, desengoli  as palavras que importavam.

Olha aqui, o caminho glassine dos nossos esmagados ancestrais envolve o meu ventre. Os nossos olhos são agora os únicos espelhos, meu fuzileiro.

Meu cirurgião. Meu soldado.

Os meus seios pequenos e nus estão sentados tão silenciosos como mudas pombas castanhas.

Mostra-me porque é que esperei.


Vem, rebenta-me em canção.


11 dezembro 2021

giselle lucía navarro


Contrapeso


Congelar el cuerpo de un hombre es una tarea difícil.

Congelar el cuerpo de una mujer una tarea imposible.

Congelar el cuerpo de un país es tener miedo a todo lo que crece.


Congelar o corpo de um homem é uma tarefa difícil.

Congelar o corpo de uma mulher uma tarefa impossível.

Congelar o corpo de um país é ter medo a tudo o que cresce.



Visceral


Odio al artista

que cree que el arte viene desde el asco

y trepana su cerebro para extraer cada palabra dulce,

cada trozo de suavidad,

esas palabras que él llama defectuosas

y le arrancan la sensibilidad,

en busca de la perfecta belleza de su obra.

 

Odio lo perfecto

como todos los esquemas artificiales,

como el hombre perfeccionista

que subsiste gracias a su oportunismo,

un hombre que me odiaría si leyera estas palabras

y me llamaría cursi

y diría que aún soy transparente

y mi palabra no crece.

 

Un hombre que no se permite la dulzura

es un cuerpo que se quema de espaldas al sol.



Visceral


Odeio o artista

que acredita que a arte vem do nojo

e trepana o seu cérebro para extrair cada palavra doce,

cada troço de suavidade,

essas palavras que ele chama defeituosas

e lhe arrancam a sensibilidade,

em busca da perfeita beleza da sua obra.


Odeio o perfeito

como todos os esquemas artificiais,

como o homem perfecionista

que subsiste graças ao seu oportunismo,

um homem que me odiaria se lesse estas palavras

e me chamaria lamechas

e diria que ainda sou transparente

e a minha palavra não cresce.


Um homem que não se permite a doçura

é um corpo que se queima de costas para o sol.


09 dezembro 2021

sohad


Nӑk ya ӑqqimaγ s-alwaq d eḍas

A ӑhӑn iman-net meγ daγ ilγas

As ӑsmӑslӑy i əšit n-unfas

ənnӑn iman-in ma mar imas

təzzukkӑt-d tamγart s insas

ӑẓolaj-net har ilyas

Təffuud təjlak tӑqqort tənnas

Tənsuul wӑr taškanbaš təjbas

A əlӑn ibezan təla n-isukas

Təmeγӑlsӑt hullӑn tosas

Təsnun dӑγ-iman təššernaš bass

Təsu sollan šӑrnaš nəslas

tӑsdӑw tӑγlasӑm d-labas

Isnin ulh-in har tisӑymas

Mon cœur m’a fait mal jusqu’aux artères



Estava sentada no momento de descanso 

em que todos estavam a dormir ou pareciam estar.

Quando ouvi um assobio de respiração

e disse-me «quem poderá ser? »

Uma velha senhora sentou-se ao lado de alguém que dormia

seu corpo estava magro

A sede e a fome estiolaram-na

Ela tem um aspeto desleixado, não cobre a cabeça, nem aperta o cinto,

As suas roupas de trabalho estão esfarrapadas

Muito agitada e furiosa

Grita a dor da sua alma lesionada e vomita

Tosse de modo tão fraco que mal a ouvimos

Ela encadeia a ladainha das saudações em tuaregue e em árabe

O meu coração doeu-me até às artérias


07 dezembro 2021

margarita losada vargas

 

Suceso


la sintáxis del hueso

ha sido desmembrada


desde el plasma

la memoria de la primera celula tiembla

cruje

rasga

ni lo que olvidé dejó de existir

ni lo que recuerdo

es como es



Evento


a síntese do osso

foi desmembrada


do plasma

a memória da primeira célula treme

range

rasga


nem o que esqueci deixou de existir

nem o que recordo

é como é


05 dezembro 2021

rocío soria


Las antiguas de mí misma

 

Las antiguas de mí misma

deben haber muerto

en fibras blancuzcas,

en aserrines

tropezándose en sus mismos pies,

ahorcándose en sus propios brazos.

 

Las otras de mí

deben haberse contenido el peso de las pupilas

en los pañuelos de sangre,

deben haberse colgado en el muro

a desgajarse el pellejo en las piedras.

 

Encuentro que estoy hecha de fríos

como las otras

lo sé porque el dolor de vivir

se me ajusta a la espalda

y me circula como un hematoma negro.

 

Voy oscura, descalza

como si ya me hubiera unido a las sombras para siempre

como si ya hubiera vivido siempre

trago cuchillos,

me deleito sorbiendo agua sal por las ternillas

hasta llenarme el estómago,

hasta volverme cianótica.

 

El dolor es una especie de éxtasis:

lloro detrás de la cortina

y me gusta cómo mis lágrimas se van espesando.

Es como ingerir solvente.

 

¿Hasta cuándo podré reír?

no puede existir un placer tan gratificante

como el dolor que me abunda.

 

¿Cuánto fuego podré tolerar?

 

Estoy hecha de eritemas

como quien guarda alacranes en el cajón

y se los traga

y deja que lo piquen hasta hacerse inmune.

 

No hay poción, ni raticida para el dolor

solo me queda apretarlo hasta que de tanto apretar

me vuelva insaciable.

 

Sin embargo

hoy no estás y eso sí es insalvable

es una nueva mutación del dolor.

Las otras de mí deben haberse colgado en el muro

y despellejado en las piedras.

 

 

As antigas de mim mesma

 

As antigas de mim mesma

devem ter morrido

em fibras esbranquiçadas

em serrins

tropeçando nos próprios pés

enforcando-se nos próprios braços.

 

As outras de mim

devem ter contido o peso das pupilas

em lenços de sangue

devem ter-se pendurado no muro

esfolando a pele na pedras.

 

Dou conta que estou feita de frios

como as outras

sei disso porque a dor de viver

ajusta-se-me nas costas

e circula em mim como um hematoma negro.

 

Vou escura, descalça

como se já me tivesse unido às sombras para sempre

como se sempre tivesse vivido

engulo navalhas,

deleito-me sorvendo água sal pela cartilagem

até encher o estômago,

até ficar cianótica.

 

A dor é uma espécie de êxtase:

choro atrás do cortinado

e aprecio o modo como as minhas lágrimas se espessam.

É como ingerir solvente.

 

Até quando poderei rir?

não pode existir um prazer tão gratificante

quanto a dor que me abunda.

 

Quanto fogo conseguirei tolerar?

 

Estou feita de eritemas

como quem guarda escorpiões no caixote

e os traga

e os deixa picar até se tornar imune.

 

Não há poção nem raticida para a dor

só me resta espremê-la até que de tanto a espremer

me torne insaciável.

 

Porém

hoje não estás e isso é insuperável

é uma nova mutação da dor.

As outras de mim devem ter-se pendurado no muro

esfolando-se nas pedras.