07 março 2022

ulalume gonzález de león

 

Carta a una suicida

 

Todo lo perdido

nuestro para siempre,

a prueba de vida,

a prueba de muerte.

 

Hoy soñé que ayer

era diferente

y me desperté

para no perderte.

 

Hoy soñé que era

lo mismo mañana:

por tenerte siempre

me morí en la cama.


 

Carta a uma suicida

 

Tudo o que se perdeu

nosso para sempre,

à prova de vida,

à prova de morte.

 

Hoje sonhei que ontem

era diferente

e acordei

para não te perder.

 

Hoje sonhei que era

a mesma coisa amanhã:

para te ter sempre

morri na cama.


06 março 2022

oksana lukashina

 

on prosi – nie pomagajcie mnie

pomagajcie żołnierzom

mnie już niczego nie trzeba

ani leków ani ciepła ani światła

ani łyka wody przed śmiercią


nie wyjdę z tego pokoju

chyba że wyjdę z pokoju ciała

ale powiedziano mi że Boga nie ma

a ten który jest – zbyt podobny do człowieka

a człowiek – chyba jest,

chyba musi być?


podobno przeżyłem życie

ale i tak niczego nie wiem


a tej nocy tak mnie bolało

że zapomniałem o wszystkim i zresztą o sobie samym

nie widziałem ani nieba ani kosmosu ani Bożej

czerni; widziałem tylko żołnierzy

czułem w kościach jak oni chcą pić


nie pomagajcie mi więcej

pomagajcie tym którzy jeszcze mogą


rodzić dzieci




ele pede - não me ajudem

ajudem os soldados

já nada me faz falta

nem medicamentos, nem calor, nem luz

nem um gole de água antes de morrer


não deixarei esta estadia

a não ser que abandone a estadia do corpo

mas disseram-me que não há Deus

e aquele que existe, parece-se demasiado com o homem

e o homem - creio que existe,

terá de existir? -


Supostamente vivi a minha vida

mas continuo sem saber nada


E esta noite doeu-me tanto

que me esqueci de tudo e de mim também

não vi o céu, nem o cosmos, nem a escuridão

divina; só vi uns soldados

senti nos meus ossos como queriam beber


não me ajudem mais

ajudem quem ainda pode


dar à luz as crianças




05 março 2022

ingeborg bachmann

 

Bruderschaft 

 

Alles ist Wundenschlagen,

und keiner hat keinem verziehn.

Verletzt wie du und verletzend,

lebte ich auf dich hin.

 

Die reine, die Geistesberührung,

um jede Berührung vermehrt,

wir erfahren sie alternd,

ins kälteste Schweigen gekehrt.


 

Fraternidade

 

Tudo é abrir feridas,

E ninguém a ninguém perdoou.

Ferida como tu e ferindo,

para ti encaminhada estava eu.

 

O puro, o espiritual contacto,

em cada tocar acrescentado,

experimentamo-lo envelhecendo,

no mais frio silêncio retirados.


04 março 2022

blaga dimitrova

 

Дупка в небето

 

Двуного без криле с пушка,

което не може само да лети,

уцели от ниското птица,

зареяна плавно из висните.

Отекна злокобно изстрелът

и дупка проби в синевата.

А птицата падна отвесно –

камък към камъни запокитен.

И небето опустя без криле

като погледа на убиеца.


 

Buraco no céu

 

Um bípede, sem asas, com fuzil,

alguém incapaz de voar,

de baixo atirou num pássaro

que planava cadenciado no firmamento.

Ressoou o tiro

e um buraco no azul se abriu.

E o pássaro a pique caiu,

pedra contra pedra lançada.

Esvaziou-se o céu sem asas

como olhar de assassino.


03 março 2022

mary szybist

 

The Troubadours Etc.


Just for this evening, let’s not mock them.

Not their curtsies or cross-garters

or ever-recurring pepper trees in their gardens

promising, promising.


At least they had ideas about love.


All day we’ve driven past cornfields, past cows poking their heads

through metal contraptions to eat.

We’ve followed West 84, and what else?

Irrigation sprinklers fly past us, huge wooden spools in the fields,

lounging sheep, telephone wires,

yellowing flowering shrubs.


Before us, above us, the clouds swell, layers of them,

the violet underneath of clouds.

Every idea I have is nostalgia. Look up:

there is the sky that passenger pigeons darkened and filled—

darkened for days, eclipsing sun, eclipsing all other sound

with the thunder of their wings.

After a while, it must have seemed that they followed

not instinct or pattern but only

one another.


When they stopped, Audubon observed,

they broke the limbs of stout trees by the weight of the numbers.


And when we stop we’ll follow—what?

Our hearts?


The Puritans thought that we are granted the ability to love

only through miracle,

but the troubadours knew how to burn themselves through,

how to make themselves shrines to their own longing.

The spectacular was never behind them.


Think of days of those scarlet-breasted, blue-winged birds above you.

Think of me in the garden, humming

quietly to myself in my blue dress,

a blue darker than the sky above us, a blue dark enough for storms,

though cloudless.


At what point is something gone completely?

The last of the sunlight is disappearing

even as it swells—


Just for this evening, won’t you put me before you

until I’m far enough away you can

believe in me?


Then try, try to come closer—

my wonderful and less than.



Os trovadores etc.


Só por hoje, não gozemos com eles.

Nem com as suas reverências, nem com as suas ligas em cruz

nem dos pimenteiros renovados dos seus jardins

que prometem, que prometem.


Ao menos eram tidos por ideias sobre o amor.


Conduzimos todo o dia entre campos de milho, diante de vacas

que tiram a cabeça dos aparelhos metálicos para comer.

Fomos pela West 84, e mais?

Passaram por nós a voar aspersores de irrigação, enormes bobinas

de madeira nos campos, ovelhas que descansam, cabos

telefónicos, arbustos em flor que amarelejam.


Diante de nós, acima de nós, crescem as nuvens, em camadas,

o reverso violeta das nuvens.

Toda a ideia que tenho é nostalgia. Olha para cima:

está o céu que as pombas em passagem escureciam e enchiam


-que escureciam durante dias, eclipsando o sol, eclipsando

todo o som com o trovão das suas asas.

Depois de um tempo, devia ter parecido que não seguiam

nenhum instinto ou padrão só

a elas mesmas.


Quando paravam, observava Audubon, quebravam os galhos

de árvores duras com o peso dos seus números.


E quando pararmos, o que seguiremos?

O nosso coração?


Os puritanos pensavam que nos era dada a capacidade de amar

apenas como um milagre,

mas os trovadores sabiam arder até se consumirem,

tornar-se santuários do seu próprio anseio.

O espetacular nunca lhes ficou atrás.


Pensa naqueles dias de pássaros de peito vermelho e asa azul em cima de ti.

Pensa em mim no jardim, a cantarolar baixinho

para mim mesma em vestido azul, um azul mais escuro que o céu

acima de nós, um azul suficientemente escuro para tempestades

mas sem nuvens.


Em que altura é que algo acaba completamente?

O que resta da luz do sol foge

embora cresça


-Só esta tarde, por-me-ás diante de ti

até estar suficientemente longe de forma a conseguires

acreditar em mim?


E então tenta, tenta aproximar-te

-meu maravilhoso e menos de.


02 março 2022

diane wakoski

 

Small blood stain found after making love

 

Revelation come to everyone,

firefighters and old women burning toast.

You made love to the forest goddess whose hair wound in flaming

coils around her feet on the trail.

You wanted to take her with you, as the

image of the little curve of

blood on the sheet. But instead

you are sitting in a park next to a homeless sibyl wrapped

in newspapers, and feel empty,

as if the blood leaked out of your own body. But

where did it go?

She’s not going to change her life,

and why should she?

She can only see you clandestinely;

as it is as if she is some book in a foreign language

that a reader would give away

if they knew what the text said. She can only

remain on the shelf,

untranslated.

Perhaps only our secrets

explain our lives, and to reveal any secret

is to lose all possible meaning?

Perhaps this stain is all

that’s left

of a forest fire that rekindled Ponderosa

from a long buried-cone,

the crescent moon

she left behind shining

invisibly

on you every night?


 

Pequena mancha de sangue encontrada depois de fazer amor

 

A revelação chega a todos,

aos bombeiros e às velhinhas que queimam as torradas.

Fizeste amor com a deusa da floresta cujo cabelo se enrolava em espirais

de chamas em torno dos seus pés no trilho.

Quiseste levá-la contigo como

imagem do pequeno fio de

sangue no lençol. Mas em vez disso

estás sentado num parque ao pé de uma Sibila sem-abrigo envolta

em jornais, e tu  sentes-te vazio,

como se o sangue jorrasse do teu próprio corpo. Mas

para onde foi?

Ela não vai mudar a sua vida, porque o faria?

Só te pode ver às escondidas,

como se fosse um livro em língua estrangeira

que um leitor desvendaria,

se soubesse o que o texto diz. Por isso só pode

ficar na prateleira,

sem ser traduzido.

Talvez só os nossos segredos

expliquem as nossas vidas, e revelando um deles

perderemos todo o significado possível?

Talvez esta mancha seja tudo

o que resta

de um incêndio florestal: aquele pinheiro ponderosa

que renasceu de um ananás semi-enterrado,

a lua crescente

que ela deixou para trás

iluminando-te

invisivelmente todas as noites?


01 março 2022

audre lorde

 

Conclusion

 

Passing men in the street who are dead

becomes a common occurrence

but loving one of them

is no solution.

I believe in love as I believe in our children

but I was born Black and without illusions

and my vision

which differs from yours

is clear

although sometimes restricted.

 

I have watched you at midnight

moving through casual sleep

wishing I could afford the non-desperate dreams

that stir you

to wither and fade into partial solutions.

Your nights are wintery long and very young

full of symbols of purity and forgiveness

and a meek jesus that rides through your cities

on a barren ass whose braying

does not include a future tense.

But I wear my nights as I wear my life

and my dying

absolute and unforgiven

nuggets of compromise and decision

fossilized by fierce midsummer sun

and when I dream

I move through a Black land

where the future

glows eternal and green

but where the symbols for now

are bloody and unrelenting

rooms

where confused children

with wooden stumps for fingers

play at war

who cannot pick up their marbles

and run away home

whenever nightmare threatens.

 

 

Conclusão

 

Passar na rua por homens que estão mortos

tornou-se uma banalidade

mas amar um deles

não é solução.

Acredito no amor como acredito nos nossos filhos

mas nasci Negra e sem ilusões

e a minha visão

que difere da tua

é clara

por muito que às vezes seja limitada.

 

Observei-te à meia-noite

enquanto dormias como se nada se passasse

desejando poder permitir-me que os indesejáveis sonhos

que a ti te agitam se murchem e se dissipem

em soluções parciais.

As tuas noites são invernalmente longas e muito jovens

cheias de pureza e perdão

e um dócil Jesus que atravessa as tuas cidades

sobre um burro estéril cujas orelhas

não incluem o tempo futuro.

Mas suporto as minhas noites como suporto a minha vida

e a minha morte

absolutas e impiedosas

pevides de transigência e decisão

fossilizadas pelo feroz sol de verão

e quando sonho

caminho numa terra Negra

onde o futuro

brilha eterno e verde

mas os símbolos do agora

são sangrentos e implacáveis

quartos

onde crianças confusas

com cotos de madeira como dedos

brincam à guerra

e não podem pegar nos seus berlindes

ou esconder-se em casa

quando um pesadelo ameaça.


28 fevereiro 2022

annie salager

 

Le grand vivant

 

Partout le feuillage nouveau-né

balbutie au vent qui l’initie aux caresses du ciel

le babil de ses pousses vert tendre

immenses les arbres, enfantines leurs feuilles

 

les branches où danse un temps sans âge

avaient laissé leur vigueur exploser en bourgeons

et la lumière par-dessus nos têtes

s’était muée en vie qui nous soulève

à notre tour du sol vers plus de jour

 

là où nous passons le plus souvent sans rien voir,

épris de notre suffisance et aveugles au grand vivant

qu’avec eux nous sommes, en nous croyant

encore d’un autre monde qu’eux …

 

 

O grande vivedor

 

Por toda o lado a folhagem recém-nascida

balbucia ao vento que a inicia nas carícias do céu

os seus rebentos verdes e macios

imensas árvores, infantis as suas folhas

 

os ramos onde dança um tempo sem idade

tinham deixado o seu vigor explodir em brotos

e a luz em cima das nossas cabeças

transformou-se em vida que nos levanta

à  nossa volta do solo para mais dia

 

aí onde passamos a maior parte das vezes sem ver nada,

apaixonados pela nossa suficiência e cegos ao grande vivedor

que com eles estamos, acreditando em nós

ainda de outro mundo que o deles.

 

27 fevereiro 2022

marzanna bogumiła kielar

 

1.

Niekiedy wystarczy: trzcina albo chmura.

Szpak obserwuje niewielkie drganie ziemi upstrzonej odłamkami

ślimaczych muszli

 

2.

Czasem widać więcej —

 

wodę, kiedy w powietrze wypryskuje srebrem

rybia torpeda,

zawisa w wyskoku u szczytu swego lotu,

kręcąc potężne młyny.

Potem z dziką siłą ciągnie w dół, zrywa żyłkę,

wchodzi w przebłyszczony nurt, zapada w głębinę.

 

Widać krew,

kiedy jest w locie



1.

Às vezes é suficiente: um junco ou uma nuvem.

Um estorninho observa o minúsculo tremor da terra salpicada com pedacinhos de conchas

 

2.

Às vezes vê-se mais

 

água quando salta no ar salpicando com prata

um escamado torpedo,

fica suspenso no alto do seu voo,

fazendo poderosos molinetes.

 

Depois, com uma força selvagem puxa para baixo, parte a sediela,

corta a brilhantíssima corrente, afunda-se nas profundezas.

 

Vê-se sangue

quando voa

 

26 fevereiro 2022

renée vivien

 

Chanson pour mon ombre


Droite et longue comme un cyprès,

Mon ombre suit, à pas de louve,

Mes pas que l’aube désapprouve.

Mon ombre marche à pas de louve,

Droite et longue comme un cyprès.


Elle me suit, comme un reproche,

Dans la lumière du matin

Je vois en elle mon destin,

Qui se resserre et se rapproche.

À travers champs, par les matins,

Mon ombre suit, comme un reproche.


Mon ombre suit, comme un remords,

La trace de mes pas sur l’herbe

Lorsque je vais, portant ma gerbe,

Vers l’allée où gîtent les morts.

Mon ombre suit mes pas sur l’herbe,

Implacable comme un remords.



Cantiga para a minha sombra


Direita e comprida como um cipreste,

A minha sombra segue, em passo de loba,

O meu andar que a alba desaprova.

A minha sombra vai em passo de loba,

Direita e comprida como um cipreste.


Segue-me como uma reprovação,

Na luz da manhã

Nela vejo o meu destino

Que se aperta e se aproxima.

Através dos campos, pelas manhãs,

A minha sombra segue, como uma reprovação.


A minha sombra segue, como um remorso,

A pegada dos meus passos sobre a erva

Quando vou, carregando o meu vómito,

Para o beco onde os mortos se alojam.

A minha sombra segue os meus passos sobre a erva

Implacável como um remorso.


25 fevereiro 2022

sara martín

 

he notado el sabor

parecen entrañas de un pescado

el amor de los normales

su tacto ocular

 

solo veo desproporción

canciones heroínas

hace ocho años que no respondo

 

hágase tu voluntad

parte mía

aún tiene acento

 

sentirse dos requiere una larga pausa



notei o sabor

parecem entranhas de um peixe

o amor dos normais

o seu tacto ocular

 

só vejo desproporção

canções heroínas

há oito anos que não respondo

 

faça-se a tua vontade

parte de mim

ainda tem sotaque

 

sentir-se dois requer uma longa pausa