19 março 2022

maría alcocer

 

Ninguna vocación pudo explicar el silencio crujiente

cuando los hacedores de la vida

quebrantaban sus hilos

antes de flagelarse. Discretas las cortinas

nunca recordarían la terquedad sedienta

de su vocabulario. Silabas afiladas,

rezos, sermones

llagas,

registro de la ciénaga desde donde partimos

al empedrado infierno.


 

Nenhuma vocação pôde explicar o silêncio rangente

quando os fazedores da vida

quebravam os seus fios

antes de se flagelar. Discretas cortinas

nunca se lembrariam da teimosia sedenta

do seu vocabulário. Sílabas afiadas,

rezas, sermões

chagas,

registo do pântano de onde partimos

para o inferno de pedra.


18 março 2022

blanca andreu


Dame la noche que no intercede,

la noche migratoria con cifras de cigüeña,

con la grulla celeste y su alamar guerrero,

palafrén de la ola oscuridad.

Dame tu parentesco con una sombra de oro,

dame el mármol y su perfil

leve y ciervo,

como de estrofa antigua.

 

Dame mis manos degolladas por la noche que no intercede,

palafrén de las más altas mareas,

mis manos degolladas entre los altos cepos y las llamas lunares,

mis manos migratorias por el cielo de agosto.

 

Dame mis manos degolladas por el antiguo oficio de la infancia,

mis manos que sajaron el cuello de la noche,

el destello del sueño con metáforas verdes,

el vino blasonado que se quedó dormido.

 

Amor de los incendios y de la perfección,

amor entre la gracia y el crimen,

como medio cristal y media viña blanca,

como vena furtiva de paloma:

sangre de ciervo antiguo que perfume

las cerraduras de la muerte.


 

Dá-me a noite que não intercede,

a noite migratória com números de cegonha,

com a garça celeste e seu alamar guerreiro,

palafrém da onda escuridão.

Dá-me o teu parentesco com uma sombra de ouro,

dá-me o mármore e seu perfil

leve e cervo,

como uma estrofe antiga.

 

Me dê minhas mãos degoladas pela noite que não intercede,

palafrém das mais altas marés,

minhas mãos degoladas entre os altos cepos e as chamas lunares,

minhas mãos migratórias pelo céu de agosto.

 

Dá-me as minhas mãos degoladas pelo antigo ofício da infância,

minhas mãos que lancetaram o pescoço da noite,

o lampejo do sono com metáforas verdes,

o vinho brasonado que ficou a dormir.

 

Amor dos incêndios e da perfeição,

amor entre a graça e o crime,

como meio cristal e meia vinha branca,

como veia furtiva de pombo:

sangue de cervo antigo que perfume

as fechaduras da morte.


17 março 2022

rita dove

 

Naji, 14. Philadelphia


A bench, a sofa, anyplace flat—

just let me down

somewhere quiet, please,

a strange lap, a patch of grass . . .


What a fine cup of misery

I’ve brought you, Mama—cracked

and hissing with bees.

Is that your hand? Good, I did

good: I swear I didn’t yank or glare.


If I rest my cheek on the curb, let it drain . . .


They say we bring it on ourselves

and trauma is what they feel

when they rage up flashing

in their spit-shined cars

shouting Who do you think you are?

until everybody’s hoarse.


I’m better now. Pounding’s nearly stopped.


Next time I promise I’ll watch my step.

I’ll disappear before they can’t

unsee me: better gone

than one more drop in a sea of red.



Naji, 14. Filadelfia

 

Num banco, sofá ou qualquer superfície plana -

deita-me apenas

nalgum lugar silencioso, por favor,

num colo desconhecido, sobre a relva. . .

Que refinada taça de miséria

te trouxe, Mãe - partida

e silvando com abelhas.

É essa a tua mão? Olha, eu fiz

o bem: juro-te que não andei a pressionar

nem a lançar maus olhados.

 

Se reclino a minha bochecha na calçada, deixa-a escorrer…

 

Dizem que andamos à procura

e que trauma é o que eles sofrem

quando se enfurecem e o mostram

berrando dos seus rutilantes veículos

Quem julgas que és?

até ficarem todos roucos.

 

Já me sinto melhor. A pancada acabou.

 

Prometo-te que da próxima vez terei cuidado.

Ir-me-ei embora antes que me possam

ver: é melhor sair a correr

do que ser mais uma gota no mar de sangue.


16 março 2022

sibylle bolli

  

I

ce n’est pas venu

l’absolue bonté du soir là-bas

sous le front digne de la falaise

 

les corbeaux les grands corbeaux de soif

ont emporté les mots d’été

je suis resté avec l’ombre

 

de plomb et de Pierre

 

não chegou

a absoluta bondade da noite ali

sob a frente digna da falésia

 

os corvos, os grandes corvos de sede

levaram as palavras estias

fiquei com a sombra


de chumbo e de Pedra

 

 

II

mère le ciel est parti

 

ton corps au souffle absenté

sur l’aile du cygne

en crosse de fougère

ta main sans caresse

 

fenaison des ombres

 

ici rien

 

mãe o céu desapareceu

 

o teu corpo ausente de fôlego

na asa do cisne

em coronha de feto

a tua mão sem carícia

 

ceifa das sombras

 

aqui nada

 

III

petite blessure chérie

que j’enrobe de mots

ô mon frisson d’épine

abruti de caresses

tu me laboures l’échine

visage de plaie contre ciel

quand moi je ravaude

toutes cendres fumantes

 

le temps d’auparavant

 

pequena ferida querida

acobertada de palavras

oh meu arrepiado espinho

embrutecido de carícias

dás cabo de mim

rosto de praga contra o céu

ao engolir

do fumo, todas as cinzas

 

IV

et encore tout petits et encore

insensiblement ils amenuisent

les noms vides des cœurs vides

qui tombent de soi

écailles mortes

 

mais de plus en plus

un lambeau de ciel

émergé des corps cheminant

des lèvres immensément soyeuses

 

m’arrive si pâle

son bleu de promesse

en l’absence de

 

e ainda muito pequenos e ainda

insensivelmente encolhem

os nomes vazios dos corações vazios

que caem de si

escamas mortas

 

mas cada vez mais

um pedaço de céu

emergido dos corpos caminhando

lábios imensamente sedosos

 

acontece-me tão pálida

a sua promessa azul

na ausência de

 

V

avec de l’oiseleur

la triste fièvre

on battra le rappel

on ramassera contre soi

ses membres compagnons

le scintillant le brisé

l’azuré et le vineux

tous ceux qui

se réclament de nous

firent substance

 

l’écume du peu

 

 

com o passarinho

a triste febre

ultrapassaremos o recorde

cairemos de bruços contra si

os seus membros companheiros

o cintilante o quebrado

o azulado e o bordeaux

todos os que

se reclamam de nós

fizeram substância

 

a espuma do pouco

 

VI

cette rose

porte une parole orpheline

à peine est-elle encore

rose

tant son verbe heurte la terre

foudroie les grappes oubliées

son parfum

 

le temps qui vient après la mort

 

esta rosa

incorpora uma palavra órfã

difícil dizer que ainda é

rosa

tanto o seu verbo atinge a terra

relampagando as uvas esquecidas

o seu perfume

 

o tempo que vem depois da morte

 

VII

d’où

ces traits de la vieille pluie

qui hachent qui pèsent

aux nuques

qui rêvent qui flambent

 

autant de froidure

à nos visages agenouillés

aucun ne laisse

passer le jour ni ne prend

parole

 

plus aucun

 

donde

estes traços da velha chuva

que picam que pesam

nos pescoços

que sonham que ardem

 

tanto frio

em nossos rostos ajoelhados

nenhum deixa

passar o dia nem tomar

palavra


15 março 2022

matilde cari

 

(Punto de ebullición u origen)

También me brotaron
orquídeas negras entre las clavículas,
y algún personaje emerge,
de la punta de mis extremidades.

Y creí
poder descolgarme de los ojos el abismo,
mientras me iba descosiendo…



(Ponto de ebulição ou origem)

também brotaram de mim
orquídeas negras entre as clavículas,
e uma personagem emerge,
das pontas das minhas extremidades.
 
E acreditei
poder desprender dos olhos o abismo,
enquanto me ia descosturando...

14 março 2022

andrea abello

 

voces


larga corre la espina

que fluye de tu nombre al mío,

aquello que zumba

entre flores de metal

o que ladra

como todas las horas

de todos los espejos.


lo que eres no se reduce a mis ojos.

hablas como la rama despellejada

de un sauce,

o como un murmullo de polen

que nunca grita

y nunca deja respirar.




vozes


longo corre o espinho

que flui do teu nome para o meu,

aquilo que zune

entre flores de metal

ou que ladra

como todas as horas

de todos os espelhos.


O que és não se reduz aos meus olhos.

falas como um ramo desfolhado

de um salgueiro,

ou como um murmúrio de pólen

que nunca grita

e nunca deixa respirar.

13 março 2022

maría ovelar

 

Ellas


Recuerdo su risa enlatada

laminando arroz

en el calabozo.


Las nubes acorralando cañonazos,

(marcha atrás).


El sol invadía la habitación

incluso con los postigos tapiados

y tú te desayunabas repantigada

sobre el vagido de la resaca.


Tu madre coceaba a la entrada

(siempre abriste por miedo a decepcionar)

mientras ellos traveseaban con las distancias

y los discos se tendían desnudos sobre agujas afiladas.


La sombra materna inhumada

en la yema de los dedos

ni siquiera se evaporó la tarde en que te ardió la mano.

(dijiste que era de tanto atisbarla).


Memorizaste henchidos nombres en el 98,

ya no eras una cría,

y Carlos te exhibía en el fondo,

con las piernas abiertas

y las bragas bajadas.


Los años de universidad no te creíste nada,

nunca te amoldaste a comulgar.

Así que cabriolaste los charcos

Con la zancada del éxtasis arracimada en la boca.


Te exiliaste del verano con la lengua podrida

de tanto drogarte ahogando la voz

(los chicos escudriñaban tus faldas

mientras entretejías salivas con las amigas).


David aguardó en el altar siete veces

durante setenta semanas

mientras caracoleabas madrugadas

sobre el invierno de un turulo.


Tirotearon tirachinas sobre tu sexo bravío,

carraspeaste bandadas de pájaros,

muertos fenecieron sobre el frío lecho.


Desaprendiste un océano de letras

por encajar,

Y aún así te repudiaron…


Por cierto,

el álamo se vence

mientras escribes versos necios.


Nadie conmovió tu placer inconmensurable

(ni el tuyo,

ni el de tu especie).


Así que hendiste la empuñadura

Y saltaste la verja.


Aunque esta

María,

siempre había estado abierta.



Elas


Lembro-me do seu riso enlatado

laminando arroz

na masmorra.


As nuvens, curral de canhonaços,

(marcha atrás).


O sol invadia o quarto

mesmo com as persianas fechadas

e tomavas o pequeno-almoço espapaçada

sobre o vagido da ressaca.


A tua mãe estava á coca na entrada

(abriste sempre com medo de decepcionar)

enquanto eles atravessavam com as distâncias

e os discos estendiam-se nus sobre agulhas afiadas.


A sombra materna inumada

na ponta dos dedos

nem sequer se evaporou na tarde em que a tua mão ardeu.

(disseste que era de tanto a olhar).


Memorizaste enchidos nomes em 98,

já não eras uma criança,

e Carlos exibia-te ao fundo,

com as pernas abertas

e as cuecas descidas.


Nos anos de faculdade não acreditaste em nada,

nunca te deixaste moldar pela comunhão.

Assim cabriolaste as poças

Com a estocada do ecstasy amontoado na boca.


Exilaste-te do verão com a língua podre

de tanto te drogares afogando a voz

(Os rapazes esquadrinhavam as tuas saias

enquanto entretecias saliva com as amigas).


David esperou no altar sete vezes

durante setenta semanas

enquanto caracoleavas madrugadas

sobre o inverno de um cachimbo.


Dispararam fisgas sobre teu sexo bravio,

pigarreaste bandos de pássaros,

mortos feneceram no frio leito.


Desaprendeste um oceano de letras

por encaixar,

E mesmo assim repudiaram-te...


Aliás,

o álamo é vencido

enquanto escreves versos néscios.


Ninguém comoveu o teu imenso prazer incomensurável

(nem o teu,

nem o da tua espécie).


Assim fendeste a empunhadura

E saltaste a cerca.


Embora esta

Maria,

sempre tenha estado aberta.


12 março 2022

romina funes

 
Una hoja de menta
silba el nombre que nos contiene


dentro del cubo negro
la hoja sorda todavía de piel   crece


somos la mitad de la visión te digo
mientras palidecen y mueren
alrededor de la maceta
aquellos que no pudieron con nosotros


muerdo tus labios y muerdo la hoja:
debajo brilla excesiva e inmune la raíz.
 

 
Uma folha de menta
assobia o nome que nos contém

dentro do cubo preto
a folha surda ainda de pele    cresce

somos a metade da visão digo-te
enquanto empalidecem e morrem
à volta do vaso
aqueles que não puderam connosco
 
mordo-te os lábios e mordo a folha:
por baixo brilha excessiva e imune a raiz.