08 abril 2018

denise levertov


To the reader

As you read, a white bear leisurely
pees, dyeing the snow
saffron,

and as you read, many gods
lie among lianas: eyes of obsidian
are watching the generations of leaves,

and as you read
the sea is turning its dark pages,
turning
its dark pages.

Ao leitor

Enquanto lês, um urso polar placidamente
mija e tinge
a neve de açafrão;

enquanto lês, alguns deuses
recostam-se entre lianas: os seus olhos de obsidiana
estão a olhar as gerações de folhas;

enquanto lês, o mar
está a virar as suas páginas escuras
a virar
as suas páginas escuras.



05 abril 2018

sarah howe


Relativity

for Stephen Hawking


When we wake up brushed by panic in the dark
our pupils grope for the shape of things we know.

Photons loosed from slits like greyhounds at the track
reveal light’s doubleness in their cast shadows

that stripe a dimmed lab’s wall – particles no more –
and with a wave bid all certainties goodbye.

For what’s sure in a universe that dopplers
away like a siren’s midnight cry? They say

a flash seen from on and off a hurtling train
will explain why time dilates like a perfect

afternoon; predicts black holes where parallel lines
will meet, whose stark horizon even starlight,

bent in its tracks, can’t resist. If we can think
this far, might not our eyes adjust to the dark?

Relatividade

para Stephen Hawking

Ao acordar, pulsionados pelo pânico, na escuridão
as nossas pupilas aferram-se à forma das coisas conhecidas.

Os fotões soltos das suas fendas como perdigueiros olfativos
revelam a dupla natureza da luz em suas sombras contidas

que enchem de riscos um laboratório sem luz, e já não são partículas,
antes ondulam para dizer adeus a todas as certezas.

Porque, o que será certeiro num universo que faz efeito doppler
como se fosse o grito de uma sereia à meia noite? Dir-se-ia

que uma luz vista de cima ou de baixo quando se move o comboio
explica certeiramente porque o tempo de dilata como uma tarde

Perfeita : prediz buracos negros onde se entrecruzarão as linhas
retas, cujos horizontes pesados nem sequer serão conhecidos

pela luz das estrelas. Se podemos chegar a tanta abstração,
poderão os nossos olhos alguma vez habituar-se à escuridão?


02 abril 2018

mónica ojeda


[*]


El tórrido aliento de un órice despierta la montaña,
te despierta con ella y despierta a los viejos leones:


es hora de almorzar.


Todos los días en tu mente habrá un desierto sepultando la calavera de la poesía;
la llevarás contigo al exilio para defenderte de la inclemencia de tu sombra
siempre extendiéndose con movimientos de astros oscuros sobre los senderos.


Tu sombra es el reflejo más antiguo de tu cuerpo.


Pero cada mañana la calavera de la poesía pesará un poco más que ayer.


La arrastrarás hacia la cima de la montaña como una constante de vapor
nublando los sentidos de los cazadores;
una amenaza que el viento cubre de arena y que barres con tu única ala.


Sus cuencas libres empañarán tu interior
y escaparás manchando de sombra un dolor antes temido:
una fiebre que reblandece los picos y tiñe la hierba con moscardones.


A pesar del fracaso no soltarás la cabeza del misterio:
la subirás a la montaña
con el peso de su mandíbula empujándote a los cuernos en manada.

Descansarás con ella en un nido improvisado.

Retozarás con sus cuencas abiertas a la noche.

No te curará la carne, pero al día siguiente será tu casa.



[*]


O tórrido fôlego de um orix acorda a montanha,
com ela te acorda e acorda os velhos leões:

é hora de comer.

Todos os dias na tua mente haverá um deserto sepultando a caveira da poesia;
levá-la-ás contigo para o exílio para te defender da inclemência da tua sombra
estendendo-se sempre com movimentos de astros escuros sobre os caminhos.

A tua sombra é o reflexo mais antigo do teu corpo.

Mas todas as manhãs a caveira da poesia pesará um pouco mais que ontem.

Arrastá-la-ás até ao cimo da montanha como um vapor constante
enevoando os sentidos dos caçadores;
uma ameaça que o vento cobre de areia que tu varres com a tua única asa.

As suas bacias livres enevoarão o teu interior
e fugirás manchando de sombra uma dor antes temida :
uma febre que suaviza os picos e tinge a erva com varejeiras.

Apesar do fracasso não soltarás a cabeça do mistério :
levá-la-ás à montanha
com o peso da sua mandíbula empurrando-te os cornos em manada.

Descansarás com ela num ninho improvisado.

Brincarás com as suas bacias abertas à noite.

Não te curará a carne mas no dia seguinte será a tua casa.



30 março 2018

yrsa daley-ward


untitled 1

If you’re afraid to write it,
that’s a good sign.
I suppose you know you’re writing the
truth when you’re terrified.

sem título 1

Se tens medo de escrever
é bom sinal.
Suponho que sabes que escreves
a verdade quando estás aterrorizada.


27 março 2018

veronika dintinjana


Vrabec, skoz bolnišnično okno

Videl sem smrt,
kako je prisedla na posteljo in si sezula copate.
Pritisk mu je padel,
obraz je postal bel, ko je legla.
Oči prestrašene.
Odletel sem ven. Ker nisem imel
deleža pri njegovem življenju,
je bilo edino prav, da nimam deleža
pri njegovi smrti.
Čez pol ure sem se vrnil
po krušne drobtine,
ki so ostale od kosila.

Um corvo através de uma janela de hospital

Vi a morte
sentar-se ao lado dele na cama e tirar os chinelos.
A sua pressão sanguínea baixou.
o seu empalideceu enquanto ela se deitava.
Os seus olhos estavam assustados.
Voei para fora. Como eu não
tinha proximidade com ele
era justo não participar
na sua morte.
Meia hora mais tarde regressei
para buscar as migalhas de pão
que estavam sobre a comida.

24 março 2018

carina rita medina


de culo al mundo
así vine
así me quedo
y así me iré
con esa foto de mi culo
sobre el cajón
lo único que por unanimidad
se ha elogiado de mi persona
digo

de cu para o mundo
assim vim
assim fico
e assim irei
com essa foto do meu cu
sobre o caixão
a única coisa que por unanimidade
foi elogiada de mim
digo


18 março 2018

marija andrijašević



moj je pogled amfetaminski susretljiv i vjeruje kako je farmacija bogomdana
znanost.
jutrima, dok još ne razmišljam, rukom prelazim preko stomaka i nadam se bedrima.
čudan osjećaj.
ustat ću, bit ću i znat ćeš me.
ne znam s obećanjima, ne volim ih, a sklona sam obećavati s nonšalantnošću.
život klizi kad ga ja kontroliram. ide polako i ide svejedno. i nikad se ne obraća nikom. nema granica.
pazi, ja sam ti jednom vidjela svog starog da plače i to je bila jako nezgodna situacija.
on je imao loš vid i ja bih mu obično govorila koje je svjetlo na semaforu.
a taj dan kad je zaplakao vozili smo se na selo. on i ja.
bilo je zeleno. plakao je.
ja sam samo razmišljala: pa koji je tebi vrag, jebo ti sebe? šta sad ti tu meni plačeš? pa nisam ja tebe ošamarila.
sivo nije moja omiljena boja, ali meni nebo nikada nije plavo.
uvijek je sivo. sunce je crveno, a ceste su krvave.
vise na tridesetcentimetarskoj uzici. k’o njegovo tijelo.
moje ime je previše sveto za život kakvim živim.
i sad, on ti je plakao. plakao je, bogami, 20 kilometara. a ja sam samo razmišljala hoćemo li stati na benzinskoj i hoće li mi kupiti sladoled i snalazi li se ostatak obitelji bez nas kod kuće.
kad bi barem prestao plakati.
nikada se ne brinem o sutra. puštam vrijeme neka ide od trenutka do trenutka.
lice krijem. isprekidano je zarezima i točkama. neshvatljivo je.
moje oči imaju crnu točku u sredini. mrak koji dolazi iznutra.
govorio je da nas voli. brata i mene. mi smo njegov život. nitko nikada nije mislio da će on napraviti nešto dobro. obitelj. svima je bio crn. tad sam počela shvaćati i nametati pitanje iznutra: ali zašto nas onda uništavaš? ti si nas stvorio, nemoj nas i uništiti. i obriši te suze da se ne nađemo pod cisternom ispred nas.
ne znam voljeti dok ne vole mene.
moje nebo je uvijek sive boje.
taj dan se brat zaključao u sobu. stari je zvao policiju. kasnije je došao stric i molio brata da izađe. ja sam plakala u svojoj sobi. nisam shvaćala. imala sam jedanaest  godina i nisam znala zašto se svijet zove svijet i zašto nas otac ne voli ili zašto nas voli na taj jako čudan način. ja sam molila starog da idemo van. sjeli smo u auto i krenuli smo na selo. onda je on počeo plakati i ja više nisam znala tko je krivac u našim pričama.
hodam sigurna u sebe. u mom životu ne postoji loše.
želim da to znaš.
par dana kasnije sve je opet bilo u redu. zaboravili smo. potrajalo je dovoljno dugo da nas sljedeći udarac razlomi na još veće dijelove. stari više nikada nije zaplakao.

o meu velhote suicidou-se.
foi para o trabalho à uma da manhã com uma corda no bolso.
foi visto pela última vez às 5h e 45 m da manhã a caminho da estação de autocarros.
O meu velhote estava louco e era temerário.
gostarei? o que pensas? esta noite, sabes, não haverá mais evasivas nem mais esses longos olhares. olha-me. o que dizes? é tudo?
apanhou o autocarro até ao campo e pendurou-se numa espécie de matagal.
prudente filho de uma cadela. desceu do autocarro uma paragem antes e atravessou o rio descalço para que não seguíssemos as suas pisadas.
procuramo-lo durante um mês e cinco dias
queríamos acreditar que estava vivo e louco em algum lugar lá fora, queríamos acreditar que vivia em algum lugar.
hediondo, sujo, inconsciente, vivo.
o carro de bombeiros desci a rua quando me perguntaste pela primeira vez se te amava.
claro que te amo
mas como podia saber o que o meu velhote nos guardara para amanhã.
um mês e cinco dias de agonia.
tentamos todos os truques, procuramos mesmo debaixo da cama.
quase desconstruimos a televisão. talvez se tivesse escondido nos cátodos.
uma manhã, a minha mãe acordou e acordou os seus irmãos. e também o meu irmão.
enviou-os ao matagal e disse-lhes : esta é a última vez. mais uma vez e acabou-se.
o meu irmão cheirou, a sua morte.
tocou o telefone e eu sabia do que se tratava
disse-lhe : está bem. encontramo-lo. era a única coisa que precisávamos.
a mamã chorou, bem sei, não merecias, mas … já passou.
lamento porque te deixei há um mês e cinco dias e desculpa não ter sido suficiente para ti.
choro quando me lembro do meu irmão que o encontrou.
a sua cabeça, separada do corpo. e esse cheiro.
tinha a samarra do meu irmão e o meu relógio.
três dias depois devolveram-me o relógio, coberto de vermes, estudei-o na casa de banho.
o meu velhote vivia dentro desses vermes e podia falar com ele.
era enfermiço, nunca tinha estado mais branco, tinha-se convertido num verme.
disse-lhe: está tudo bem, disse-lhe: estás louco.
disse-lhe: esquecer-te-ei. logo. disse-lhe: lamento mas tenho de fazer isso
esmaguei todos esses vermes, fervilhei o relógio por longo tempo.
chorei.
o meu velhote suicidou-se. Perdeu o controlo da sua própria vida.
o meu irmão encontrou-o e eu flagelei a porta gritando que não iria ao seu funeral.
o meu irmão esteve ao pé de mim durante a procissão fúnebre. nunca o amei tanto como nesse momento.
a mamã disse: que se foda e que descanse em paz.
não passa um dia em que não pense como teriam sido as coisas para nós um mês e seis dias depois.



15 março 2018

elvira roca rey


Me levanté para orinar en el jardín
cuando vi la noche tan cuajada de estrellas
me quedé iluminada cual una luciérnaga
no debí nunca moverme de aquel centímetro de tierra
donde se posaron mis azules patas
donde mi orina fluía armoniosa
silbo dorado sobre el pasto
en la noche embalsamada de floripondios
las blancas campánulas cayendo en cascada cerca de mi cuello
su ardoroso perfume perturbando mis sentidos
y una viuda negra tejiendo sigilosa la trama de nuestro destino
deslizándose por las constelaciones
entre las ramas del sueño.

Levantei-me para mijar no jardim
quando vi a noite coalhada de estrelas
fiquei iluminada como um pirilampo
não me devo ter movido nunca desse centímetro de terra
onde pousaram as minhas patas azuis
onde a minha urina fluía harmoniosa
silvo dourado sobre o pasto
na noite embalsamada de floripôndios
as brancas campânulas caindo em cascata ao pé do meu pescoço
o seu ardente perfume perturbando os meus sentidos
e uma viúva negra tecendo silente a trama do nosso destino
deslizando pelas constelações
entre a ramagem do sonho.


12 março 2018

renate aichinger


Seelenstill : er

füllst du meinen akku auf
wenn mir die welt mal wieder aus den ohren
mit weißen kabeln

füllst du meine stille auf
wenn ich mein bauchgefühl nicht hör
mit weißen bässen zugedröhnt

füllst du meine leere auf
wenn ich mein schneckenhaus zugestöpselt
mit meinen weißen kabeln

die längst grau

paz da cabeça : ele

carregarás a minha bateria
quando o mundo desaparecer dos meus ouvidos
através dos meus auriculares brancos

preencherás o meu silêncio
quando não puder escutar o meu instinto
afogado pelo ruido branco

preencherás o meu vazio
quando tiver fechado a minha concha de caracol
com os meus auriculares brancos

há muito tempo cinzentos