30 março 2022

anne barbusse

 

Les mères sont trés faciles à tuer


(extrait)


donc je dormirai en veuve séparée et souffrante

j’allongerai mon corps sur la fraîcheur des draps et des soirs

je me souviendrai des comptines de Gabriel et j’aimerai à la

folie avec des fleurs

je ne serai qu’un souvenir de mère une lueur blanche qui

sent le lait et la peur

une participation amoureuse au monde futile et sourd

- par deux fois on m’a volé mon enfant par deux fois les lunes sont tombées des ciels et

les mémoires étaient flouées mais l’amour était mûr comme

une surprise –

avant les livres se lisaient au début de la nuit avec les

images gorgées de mots

on touchait la peau de l’enfant chaque jour on l’habillait on

le lavait on le nourrissait

la vie était évidente et simple elle acquiesçait à l’histoire de

la naissance elle arrondissait

les gestes premiers et accompagnait les pas fragiles et

confiants sur la terrasse en janvier –

lumière blanche et crue, chandail bleu et blanc tricoté par

l’arrière-grand-mère déjà morte -

avant les jours étaient remplis de significations obligatoires

et pleines

avant j’avais peu de temps pour pleurer

et les nuits étaient peuplées de cris - on gravitait en deçà du

langage –

on apprenait les mots et les réalités des mots – on établissait

des liens magiques –

avant j’étais essentielle

les arbres bruissaient avec certitude et les histoires avaient

une morale elliptique

les jardins abritaient de vieux cerisiers aux branches basses

et dans les herbes d’avril

le corps de l’enfant disparaissait de verdure riante – je

faisais, chaque année, la photo

près des fleurs blanches, juste avant l‘éclosion poisseuse et

verte des feuilles – les troncs

étaient noirs comme les nuits précieuses et pleines – on

dessinait une

famille confondue de solitude crue – on flirtait avec

l’immortalité et l’ombre des fruitiers

bienveillants, les cerises pointaient et l’enfant grandissait

sans le dire – on ne voyait pas

que les jardins sont mortels que le vieux cerisier était

malade que l’enfant partait

dans le peu à peu des jours que les paradis des villages sont

plus mensongers que l’aube fine

et que l’odeur sucrée du lait s’estompait – on rangeait des

jouets inutiles dans des

caisses, on remisait les vêtements trop petits et on s’adaptait

– les branches noires

du cerisier toutes tombées, le tronc éclaté envahi de ronces

– avant j’étais essentielle –

aucun enfant ne foule plus la jungle du jardin – je n’arrose

plus les plantes sacrées – nous

avons été chassés du paradis et le chiendent le dispute au

liseron et aux ronces – nous

ne faisons plus de tartes aux fruits cueillis d’été et

d’automne – l’enfant s’est évadé,

le jardin s’écroule, la porte de la maison est fermée à clef –

les granges se taisent et la

poussière assoit l’immobilité - je dormirai d’abandon, du

sommeil heurté des mères, et je

m’enfuirai

(..)



As mães são muito fáceis de matar


(extrato)


então dormirei como viúva separada e sofrida

alongarei o meu corpo sobre a frescura dos lençóis e das noites

lembrar-me-ei das rimas do Gabriel e amarei a

loucura com flores

serei apenas uma memória de mãe, uma luz branca a

sentir o leite e o medo

uma participação amorosa no mundo fútil e surdo

- por duas vezes me roubaram o meu filho por duas vezes as luas caíram dos céus e

as memórias estavam desfocadas mas o amor era maduro como

uma surpresa -

dantes os livros eram lidos no início da noite com as

imagens cheias de palavras

tocava-se na pele da criança todos os dias e vestíamo-la

lavávamo-la e alimentávamo-la

a vida era evidente e simples ela aquiesceu com a história de

o nascimento arredondado

os primeiros gestos e acompanhava os passos frágeis e

confiantes no terraço em janeiro -

luz branca e crua, camisola azul e branco de malha tricotado pela

bisavó já morta -

dantes os dias estavam preenchidos com notificações obrigatórias

e cheias

dantes tinha pouco tempo para chorar

e as noites eram cheias de gritos – gravitávamos abaixo da

linguagem -

aprendíamos as palavras e as realidades de palavras - estabelecíamos

ligações mágicas -

dantes eu era essencial

as árvores barulhavam com certeza e as histórias tinham

uma moral elíptica

os jardins abrigavam velhas cerejeiras com ramos baixos

e nas ervas de Abril

o corpo da criança desaparecia de verdes rindo - eu

fazia, todos os anos, a fotografia

perto das flores brancas, antes da eclosão pegajosa e

verde das folhas – os troncos

eram negros como as noites preciosas e cheias -

desenhava-se uma

família confusa de solidão crua – namoriscava-se com

a imortalidade e a sombra das fruteiras

benevolentes, as cerejas brilhavam e a criança crescia

sem dizer - não se via

que os jardins são mortais que a velha cerejeira estava

doente que a criança ia embora

no pouco a pouco dos dias que os paraísos das aldeias são

mais mentirosos do que a fina alvorada

e o cheiro açucarado do leite desaparecia - guardavam-se

brinquedos inúteis em

caixas, colocava-se a roupa demasiado pequena e adaptava-se

- os ramos negros

da cerejeira caída, o tronco rebentado invadido por amoras

- dantes eu era essencial -

já nenhuma criança pisa a selva do jardim - não rego

mais plantas sagradas - nós

fomos expulsos do céu e a relva disputa-o à

campainha e às sarças - nós

já não fazemos tortas de fruta colhidas no Verão, e

no outono - a criança evadiu-se,

o jardim derruba-se, a porta da casa está fechada à chave -

os celeiros calam-se e o

pó senta a imobilidade - dormirei de abandono, com

o sono entrecortado das mães, e

fugirei

(..)


29 março 2022

caren cordoba

 

Una mujer pelando papas


Le llevó algunos minutos limpiarles el tiempo.


La tierra de los pensamientos más profundos

se quedaba en las uñas de la mano que no escribe.


Sobre una tabla apoyó los cuerpos dóciles

y cargó una contracción en el cuchillo

que escarbó para encontrar el pulso.


No hubo vuelta atrás.


Extirpó sus pieles

hasta quitarles el sabor oscuro.


Más tarde, en la bolsa que desgarró

puso los restos de una belleza

que no supo aprovechar.



Mulher a descascar batatas


Precisou de alguns minutos para lhes limpar o tempo.


A terra dos pensamentos mais profundos

ficava nas unhas da mão que não escreve.


Sobre uma tábua apoiou os corpos dóceis

e carregou uma contração na faca

que escavou para encontrar o pulso.


Não houve volta atrás.


Extirpou as suas peles

até lhes tirar o sabor escuro.


Mais tarde, na bolsa que rasgou

colocou os restos de uma beleza

que não soube aproveitar.


28 março 2022

yolanda ortiz

 
Busco alimentos ricos en litio
para dejar de llorar.

Suena el despertador y acaricio
mi vientre, escucho
mis pezones, acepto
mi olor,
reconciliándome
con esta mañana, en la que
me odio un poquito menos,
tolero la vida un minuto más
y morir / supone una pérdida.

Aunque aún no
lo suficientemente grande.


Procuro alimentos ricos em lítio
para deixar de chorar.

Toca o despertador e acaricio
o meu ventre, escuto
os meus mamilos, aceito
o meu cheiro,
reconciliando-me
com esta manhã, na qual
me odeio um pouco menos,
tolero a vida mais um minuto
e morrer / supõe uma perda.

Embora ainda não
suficientemente grande.

27 março 2022

sasja janssen

 

Lege verzameling


Mijn verzameling leeg houden lukt alleen door

te verzamelen, natuurlijk werk ik aan de verzameling

van alle verzamelingen, dat is wat ze tegen me zeggen

alsof ik niet weet wat leegte is, ik drink graag absolutie

hou toch op

Niemand wil mij met nul ruilen, maar ik houd me aan

de regels, mag ik nu eens verdrinken wanneer ik dat wil?

Ik wil vallen onder hen die je kunt inwisselen

tegen leeg tarief, de kleermaker die zijn eigen pakken

meet, een tandarts die zijn kiezen trekt

Ontdoe elke dag je geest van de verzamelingen

die daar ongemerkt als mieren naar binnen sluipen

je kan ze geen ongelijk geven, zo zijn mieren

nu eenmaal, vooral die er een hard hoofd in hebben

maar met niets heeft het weinig van doen



Conjunto vazio


Só aglutinando consigo manter vazio o meu conjunto,

sim, tento forjar o conjunto de todos os

conjuntos, é o que me dizem como se eu não soubesse

o que é o vazio, adoro beber absolvição

já basta

Ninguém me quer trocar por zero, mas fico atinente

às regras, podem deixar-me sufocar quando eu quiser?

Quero fazer parte daqueles que podem mudar-se

por uma taxa vazia, o alfaiate que mede os seus próprios

fatos, um dentista que tira os dentes

Liberta todos os dias a tua mente dos conjuntos

que entram nela inadvertidamente como formigas

não lhes falta razão, as formigas

são assim, sobretudo as empedernidas

mas pouco tem a ver com o nada


26 março 2022

vilma vargas robles

 

Si soy negada


Si no me ves

si soy negada,

dame tierra para hacer mis dibujos.

Si no dan sombra mis manos

dame un sitio donde ponerlas.

Si no tengo oficio,

si este oficio me ha hecho transparente

un clavo bastaría;

trae el martillo y clava.


¿Qué me darás,

qué cosa semejante a los otros?

Si este jardín es inútil

dame otro

donde no necesite las palabras.



Se eu for negada


Se não me vires

se eu for negada,

dá-me terra para fazer os meus desenhos.

Se não dão sombra minhas mãos

dá-me um sítio para as pôr.

Se não tenho ofício,

se este ofício me tornou transparente

um prego seria suficiente;

Traz o martelo e prega.


O que me darás,

qual coisa semelhante aos outros?

Se este jardim é inútil

dá-me outro

onde não precise das palavras.


25 março 2022

fernanda sê’esàví

 

Râ ché


Nìxíta ra ìchì tìxin îxto

sàká’a yû’ú ra xáso’o si’i ra:

xa kua’ain, si’í”.

In chitú tìva

leka nú sòkò ra

na’a ka kua´an ra xa´a níma ra;

ichí nú kandú’ú tindó’o,

ka’ayú kua’a kaa tûxii nú ñu’ún,

kita níma ra ndáchia kua’an ña xi’in tìva vali,

in sísò xáku tina kua’an ri xi’in ndàtí ra.

Ndinnnnnn ndinnnn ndinnnn…

Xíkàn ini kampana xa’a níma ra nú ñu’ún,

nìkoyoo tìkui ì’ìvà nuú na

saku’úva rá yàvi.

Ini chiyo íchi’íma kee ì’ìmà

ñà xii nùú ita kùaán,

in nda’ayù ko’ó na xi’in ñu’un tíma,

mií kìví tata Aurelio Armenta,

nda tìva va kú ra kíxà ra kìví ndii.




O velho


Tirou o seu machete debaixo do bambu

e cantou para a sua esposa:

"Já me vou, mãe".

Em cima do ombro

o saco cheio de borboletas

e ao encontro do seu níma madrugou;

no trilho da tormenta

balázios salpicaram a terra de cor encarnada,

o seu espírito voou junto às velinhas;

os cães guardaram a sua sombra.

Ndinnnnnn ndinnnn ndinnnn…

Os sinos suspiraram sua alma terrena,

gotas ardentes nas bochechas murchas

salgaram as honras fúnebres.

O fumo emergiu do incensário

incinerou as flores de calêndula,

gritos acenderam o vazio,

um vazio cujo nome é Aurelio Armenta

e voa como mariposa em dia de mortos.


24 março 2022

maribel andrés llamero

 

De los yugos


Esta vida se les va llenando de vacíos.

Se han limpiado tantas veces de sangre

las almas y la boca, han resistido

la cencellada y los sabañones,

el peso de la pala enferrujada que cava

para sus propios difuntos, saben bien

que no hay lumbre para el niño que agoniza.

Esta vida se les va llenando de vacíos.


Me dice mi padre que en estos campos

mudos aprenda a acallar las palabras

porque todo lo que no es silencio, hija,

acaba por ser aullido.



Dos sucos


Esta vida vai enchendo-os de vazios.

Limparam-se tantas vezes de sangue

as almas e a boca, resistiram

ao sincelo e às frieiras,

o peso da pá enferrujada que cava

para os seus próprios defuntos, sabem bem

que não há lume para a criança que agoniza.


Esta vida vai-os enchendo de vazios.

Diz-me meu pai para nestes campos

mudos aprender a calar as palavras

porque tudo o que não é silêncio, filha,

acaba por ser uivo.


23 março 2022

nikki giovanni

 

When I Die

 

when i die i hope no one who ever hurt me cries

and if they cry i hope their eyes fall out

and a million maggots that had made up their brains

crawl from the empty holes and devour the flesh

that covered the evil that passed itself off as a person

that i probably tried

to love

 

when i die i hope every worker in the national security

council

the interpol the fbi cia foundation for the development

of black women gets

an extra bonus and maybe takes one day off

and maybe even asks why they didn’t work as hard for us

as they did

them

but it always seems to be that way

 

please don’t let them read “nikki-roasa” maybe just let

some black woman who called herself my friend go around

and collect

each and every book and let some black man who said it was

negative of me to want him to be a man collect every picture

and poster and let them burn -throw acid on them- shit

on them as

they did me while i tried

to live

 

and as soon as i die i hope everyone who loved me learns

the meaning

of my death which is a simple lesson

don’t do what you do very well very well and enjoy it it

scares white folk

and makes black ones truly mad

 

but i do hope someone tells my son

his mother liked little old ladies with

their blue dresses and hats and gloves that sittin’

by the window

to watch the dawn come up is valid that smiling at an old

man

and petting a dog don’t detract from manhood

do

somebody please

tell him i knew all along that what would be

is what will be but i wanted to be a new person

and my rebirth was stifled not by the master

but the slave

 

and if ever i touched a life i hope that life knows

that i know that touching was and still is and will always

be the true

revolution

 

 

Quando morrer

 

quando morrer espero que ninguém que me tenha magoado chore

e se chorar espero que os seus olhos se desprendam

e um milhão de vermes que antes constituíam o seu cérebro

se arrastem dos buracos vazios e devorem a carne

que cobriu aquele demónio que se fazia passar por alguém

a quem eu provavelmente tentei

amar

 

quando morrer, espero que todos os trabalhadores do Conselho Nacional

de segurança

da Interpol do fbi da cia da fundação para o desenvolvimento

das mulheres negras obtenha

um bónus extra e talvez tire o dia de folga

e talvez até se pergunte porque não trabalharam tão arduamente por nós

como costumavam fazer

por eles

embora pareça que sempre foi assim

 

por favor não deixem que eles leiam a "nikki-roasa" talvez deixem apenas

que uma mulher negra que se fazia chamar minha amiga de vá por aqui e ali

e recolha

todos e cada um de meus livros e deixem que algum homem negro que disse que era

negativo de minha parte querer que ele fosse um homem recolha cada fotografia

e poster e os faça arder - que os atire para o ácido - que lhes cague

em cima como

em mim quando tentei

viver

e assim que morrer espero que todos aqueles que me amaram aprendam

o significado

da minha morte que é uma lição simples

não faças o que fazes muito bem e demasiado bem e aproveita isto

assusta as pessoas brancas

e irrita muito as pessoas negras

 

mas de facto espero que alguém diga ao meu filho

que a sua mãe gostava das velhas e pequenas senhoras com

os seus vestidos azuis e chapéus e luvas de sentar

junto à janela

para ver como se levanta o amanhecer, é válido sorrir a um homem

velho

e acariciar um cão não te afasta da virilidade

alguém

por favor

lhe diga que sempre soube que o que poderia ser

é o que será mas eu quis ser uma pessoa nova

e o meu renascimento foi sufocado não pelo mestre

mas pelo escravo

 

e se alguma vez toquei uma vida espero que essa vida saiba

que eu sei que tocar tem sido e é ainda e será sempre

a verdadeira

revolução


22 março 2022

doireann ní ghríofa

 
In Albumen, In Pixels, In Bricks
 
I
In pregnancy, a woman carries
a baby’s ovaries like little fists
 
on fallopian wrists; inside each handful,
a million oocyte cells, microscopic pips.
 
In this, a mother is the eggshell
that carries her descendants.
 
II
Two weeks before Christmas, I am holding
a string of silver tinsel when the phone rings.
The landlord wants our home for his son.
I drop the tinsel. He gives us a month.
 
On supermarket shelves,
my fingers hover over freckled eggs
nestled in cardboard.
Within each shell,
 
chalazae threads, lustrous
filaments that grip each membrane
to its yellow orb, lifting each yoke
up, to hold it steady in a liquid glut.
 
III
I search websites for houses to rent
but everything is too expensive.
I distract myself with old photos instead,
clicking
Evicted family at Glenbeigh, 1888
to find a shattered cabin, a man, a woman,
four barefoot children. I peer at the girl’s
hands, but can’t quite discern what she holds,
a pale apron, perhaps, or a fistful of wool.
Her hand exists only in pixels now, this girl
who arrives by retina and optic nerve
to live a while in my mind. I realise,
then, what she holds in her hand.
I recognise its freckled skin.
I know its cargo of liquid, its chalazae grip.
I know the gold that floats within.
 
 
 
Nos brancos, nos pixéis, nos tijolos
 
I
Na gravidez, uma mulher leva na carga
os ovários de um bebé como pequenos pulsos
 
nas bonecas das trompas de Falópio; dentro de cada punho
um milhão de células de ovócitos, microscópicas pevides.
 
Nisto, a mãe é a casca do ovo
que protege os seus descendentes.
 
II
Duas semanas antes do Natal, afirmo
uma cadeia de ouropel prateada quando o telefone toca.
O arrendatário quer a nossa casa para o seu filho.
Deixo cair o ouropel. Dá-nos um mês.
 
Mas prateleiras do supermercado,
os meus dedos passeiam pelos ovos sardentos
encravados na embalagem.
Dentro de cada casquilho,
 
linhas do óvulo, filamentos
lustrosos que agarram cada membrana
em seu globo amarelo, levantando cada jugo
para o manter firme nesse excesso líquido.
 
III
Procuro sítios web onde aluguem casas
mas todas me parecem muito caras.
Então distraio-me com velhas fotografias,
fazendo click em
Família desalojada em Glenbeigh, 1888
para encontrar uma cabana destroçada, um homem, uma mulher,
quatro crianças descalças. Olho as mãos
da criança, mas não consigo distinguir o que tem,
um avental branco sujo, talvez, ou um punhado de lã.
Agora a sua mão só existe em pixéis, esta rapariga
que vem através da retina e do nervo ótico
para viver na minha cabeça. Percebo,
então, o que tem na sua mão.
Reconheço a sua pele sardenta.
Conheço o seu armazém líquido, seu desenvolvimento do óvulo
Conheço o ouro que flutua lá dentro.

21 março 2022

caitriona o’reilly

 

Suicides

 

They ask: the world gives them a stone,

revolving until the greater part of her is in darkness.

 

Out among the night-stations the signals falter,

the mechanism of the cell winds down.

 

We can do nothing now but watch, watch and wait,

leaving them to the winds, the drag of the tides,

 

who lately were apt to brood upon themselves and hatch

a rope, a hook, a chair, a bell, a solicitude:

 

rarely a kindness. To themselves they were least kind.

Like us, they were unable to believe

 

the frequencies of light concerned them:

they followed the logic of the particle down

 

to the sea floor, literalists who found a solution.

In this silence, in this immeasurable interval

 

between systole and dawn, we ask:

she gives us the snowdrop’s sidereal pallor.

 

 

Suicidas

 

Pedem : o mundo dá-lhes uma pedra

que rebola até a sua maior parte ficar na escuridão.

 

Lá fora entre as estações noturnas os sinais vacilam,

o mecanismo da célula fica sem energia.

 

Nada podemos fazer exceto observar, observar e esperar,

deixando-os ao vento, à corrente das marés,

 

quais, que ultimamente tendiam a ruminar sobre si mesmos e a eclodir

numa corda, um gancho, uma cadeira, um sino, um pedido:

 

dificilmente uma cortesia. Com eles próprios foram os menos gentis.

Tal como nós, incapazes de acreditar.

 

que as frequências da luz lhes diziam respeito:

seguiram a lógica da partícula na profundeza

 

do fundo do mar, literalistas que encontraram uma solução.

neste silêncio, neste intervalo incomensurável

 

entre a sístole e o amanhecer, pedimos:

Ela dá-nos a palidez sideral das folerpas.


20 março 2022

fiorella boucher

 

j’écris pour nourrir mon ventre vide du passé

le regard tendre que je n’ai pas eu

pour apprendre à coudre

les trous dans mon manteau d’hiver

à me repenser autrement qu’aux bordures

pour revenir à l’heure du constat de la mort

dans la prison aux barbelés

la mort des corps que personne ne pleure

tu sais

la mort des corps qui ne coûtent pas cher

 

 

Escrevo para alimentar o meu ventre vazio com o passado

o olhar terno que nunca tive

para aprender a costurar

os buracos no meu casaco de inverno

a repensar-me sem ser nas margens

para voltar à hora da constatação da morte

na prisão de arame farpado

a morte dos corpos que ninguém chora

bem sabes

a morte dos corpos que não são caros