29 abril 2021

louise moaty

Ta peau et sous ta peau tes muscles vaisseaux ta bouche ta lymphe ton sang synapses et sous tes doigts tissus la chair battements tes nerfs la faune et flore tes os et sous tes os iris phanères les poils tendons cellules noyau tes cernes circule et sous les larmes l’air le derme squelette cornée tes cils le rire organes ta fièvre enzymes la moelle viscères ta cage et sous le rire lobes substance cordes muqueuse artères pupilles les veines vertèbres ridules ton sperme et sous ton sperme côte bronchiole axones sérum tes lèvres globules influx luette cristaux des grains ton cœur pulpe osselets et sous ton cœur tympan l’aorte atlas ph coccyx marteau membrane ta voix gonades liquide souffle pulsent paroi nerf vague sel et sous ton souffle enveloppes mémoire plexus faisceaux lunule épine ondoient repli paupières baisers cortex ivoire tes rêves et sous tes rêves.


A tua pele e debaixo da tua pele os teus músculos vasos a tua boca a tua linfa o teu sangue sinapses e sob os teus dedos tecidos a carne palpitações os teus nervos a fauna e a flora os teus ossos íris fâneros os pelos tendões células núcleo as tuas olheiras circula e debaixo de lágrimas o ar a derme esqueleto córneas os teus cílios o rir órgãos a tua febre enzimas a medula vísceras a tua gaiola e sob o riso lóbulos substância cordas mucosa artérias pupilas as veias vértebras rugas o teu esperma e sob o teu esperma costela bronquíolo axónios soro os teus lábios glóbulos impulso úvula cristais grãos o teu coração polpa ossinhos e sob o teu coração tímpano a aorta atlas ph cóccix martelo membrana a tua voz gónadas líquido sopro pulsam parede nervo vago sal e debaixo do teu sopro invólucros memória plexus feixes lúnula espinho serpenteiam dobra pálpebras beijos marfim os teus sonhos e debaixo dos teus sonhos.


27 abril 2021

isabel bono

 

echo de menos la oportunidad de temblar


una taza se rompe

y de repente

el cráneo de un gato contra la acera

el esqueleto de un pájaro

las cien púas de un erizo

el aguijón de todas las avispas

vuelven a quebrarse ante mis ojos


agradecen mi compañía

con su obstinada sombra


no sé de qué hablan cuando dicen frío

no sé de qué hablan cuando dicen silencio



sinto falta da oportunidade de tremer


uma chávena parte-se

e de repente

o crânio de um gato contra o passeio

o esqueleto de um pássaro

as cem farpas de um ouriço

o ferrão de todas as vespas

voltam a partir-se diante dos meus olhos


agradecem a minha companhia

com a sua obstinada sombra


não sei do que falam quando dizem frio

não sei do que falam quando dizem silêncio

25 abril 2021

aurelia declercq

Quatre, actrice une

“4 murs, pas de théâtre au centre des 4 murs, Elsa. Elsa n’est pas une actrice. Elsa porte une robe narrative, elle n’est pas une actrice. Elle est coincée là. Coincée dans un lieu X. Pas de théâtre au centre des 4 murs, une table. Une longue table attend des invités. Ricanement, qui ? Un lieu X se promène, instaure, il se, délicatement jusqu’au Y, puisqu’il l’emmerde. Elsa crache sur les murs du lieu X, crachat promené, instauré, crachat se, délicatement jusqu’au Y puisqu’il l’emmerde, mur trempé du crachat d’Elsa : ta haine, est-ce un jeu d’acteur ?

Elsa, es-tu une actrice ?

Elsa, est-ce la tienne de salive ?

Elle pourrait ouvrir la bouche, à voir. Elle pourrait ouvrir la bouche, à dire. Non : elle ferme la bouche, annule le etc, « je vous emmerde, vous, je vous emmerde, invités absents ». Charabia constant face à la longue table, pourtant elle en rit. Quatre, les invités absents des 4 murs arrivent et s’installent. Quatre, les invités absents des 4 murs sont les scénaristes d’…”


Quatro, actriz uma

4 paredes, sem teatro no centro das 4 paredes, Elsa. Elsa não é uma atriz. Elsa usa um vestido narrativo, não é uma atriz. Ela está presa ali. Presa num lugar X. Sem teatro no centro das 4 paredes, uma mesa. Uma longa mesa à espera de convidados. Riso de contra-tenor, quem? Um lugar X percorre, instaura-se, delicadamente, até ao Y, porque ele põe-na na merda. Elsa cospe nas paredes do lugar X, escarro andado, instaurado, cospe se, delicadamente, até ao Y, porque ele põe-na na merda, parede encharcada com a bisga de Elsa: o teu ódio, é um jogo de ator?

Elsa, és uma atriz?

Elsa, é tua a saliva?

Ela podia abrir a boca, para ver. Ela podia abrir a boca, para dizer. Não: ela fecha a boca, anula o etc, “ Fodam-se, vocês, fodam-se, convidados ausentes”. Algaraviada constante diante da mesa longa, porém, ela ir. Quatro, os convidados ausentes das 4 paredes chegam e instalam-se. Quatro, os convidados ausentes das 4 paredes são os cenógrafos de … “


23 abril 2021

laura cancho

 

Angustia


Sobre la mesa siete mensajes hechos añicos,

desconcertantes sonidos de abismo en el móvil,

y un mechero con el nombre de algún bar que no recuerdo.

El móvil me cava una fosa como ninguna foto hizo.

Me pinto los labios, me salgo de los bordes.

La angustia de perder viene de pensar.


Subo la cabeza hacia el cielo, hacia su otra parte,

no duro mucho, hay que vencer al estómago.

Comeré hierba fresca como una vaca, aprenderé.



Angústia


Sobre a mesa sete mensagens em pedaços,

desconcertantes sons de abismo no telemóvel,

e um isqueiro com o nome de um bar de que não me lembro

O telemóvel cava-me um buraco como nenhuma foto fez.

Pinto os lábios, saio das margens.

A angústia de perder vem de pensar.


Subo a cabeça para o céu, para a sua outra parte,

não duro muito, há que vencer o estômago.

Comerei erva fresca como uma vaca, aprenderei.


21 abril 2021

yanetsy ariste

 

Circo


Una mujer sin ojos

camina sobre una cuerda floja

trae los pies azules

el aliento estrujado


sin brazos

hace acrobacias en el aire


con voz apagada

anuncia su acto.



Circo


Uma mulher sem olhos

anda em cima de uma corda frouxa

leva os pés azuis

o fôlego esmagado


sem braços

faz acrobacias no ar


em voz apagada

anuncia o seu ato.

19 abril 2021

carla nyman

 

De ti y de mí nada puede fugarse

Aquí

bajo este techo que asegura

quedarse como una viga

(un hombre pasea rozando las nubes)

yo sé de mi cuerpo

a veces se hace presente

de este lado del tuyo

como una navaja del revés

Pero siempre existe el riesgo

las grietas

y este puñado de piedras

que fueron de un cielo que sí

amenazaba con caerse

Allá

donde ya no es

ni tú

ni yo

el espacio del error

el área del nunca

todo acaba con alguien acodado

muy solo

(esto es para quienes miran solos)

al borde de una ventana



De ti e de mim nada consegue escapar

Aqui

sob este teto que garante

ficar como uma viga

(um homem passeia roçando as nuvens)

eu sei do meu corpo

às vezes torna-se presente

deste lado do que é teu

como uma navalha ao contrário

Mas há sempre o risco

as fendas

e este punhado de pedras

que foram de um céu que sim

ameaçava cair

onde já não és

nem tu

nem eu

o espaço do erro

a área do nunca

tudo acaba com alguém acotovelado

muito sozinho

(isto é para quem olha sozinho)

no beiral de uma janela


17 abril 2021

nicoleta crăete

 

vis răsturnat


iubirea e un eşafod pe care dormim

iar somnul nostru are ferestre cu vedere spre păsări


nu-ţi face leagăn din părul femeii îndoite cu apă

o pasăre şi-a făcut cuib în el

ca să moară


o vei planta a doua zi

şi vei şti

că nu ştii nimic din ce ştii

când cu mâinile oarbe pe trupuri citeşti


nu mai rămâne decât să legi copacii cu faţa în jos

să se oglindească pământul în ei când te cheamă

cu nume strain




sonho invertido


O amor é um andaime onde dormimos

enquanto o nosso sonho tem vista para os pássaros


não faças um berço com os cabelos molhados de uma mulher

um pássaro construiu um ninho nele

para poder morrer


vais plantá-lo no dia seguinte

e saberás que não sabes nada do que sabes

enquanto lês nos corpos

com as tuas mãos cegas


tudo o que te resta é ligar as árvores de cabeça para baixo.

para que a terra os reflita quando te chamarem

por um nome estranho



15 abril 2021

estefanía arista

 

No sé cuándo será mi carne

la siguiente desaparecida, mi cara,

una foto de ausencia que llenaría

todas las cruces en las manifestaciones

del ocho de marzo.


Mi ropa perdida sería amuleto de la suerte

para la próxima chica

con el conductor de Uber

equivocado.


Y mis mujeres protestarían

sobre un campo minado


antes que sentir otras manos

que estrangulen su cuello.



Não sei quando será a minha carne

a próxima desaparecida, o meu rosto,

uma foto de ausência que preencheria

todas as cruzes nas manifestações

do oito de março.


A minha roupa perdida seria amuleto da sorte

para a próxima rapariga

com o motorista da Uber

errado.


E as minhas mulheres protestariam

sobre um campo minado


antes de sentirem outras mãos

a estrangular o seu pescoço.


13 abril 2021

marie de quatrebarbes

5

On s’habitue aux écritures penchées où il n’y a plus d’enfants, lorsqu’ils sont devenus grands et que leurs yeux reculent dans le visage. Tu parles d’une image aux chaussettes tire-bouchonnées. La faïence n’a pas de pli. Le corps est celui des étapes précédentes, avec le rire qui fut le son qu’elle produisit. Il y a le scandale d’une possession, le choc invité à ma table. Puis, une autre partie commence. Nous nous occuperons du squelette, petit. Je ne suis plus celle que j’étais comme je fus l’enfant d’une seule fois. La ronde des chaises, assorties, vides, sur lesquelles le programme n’assoit rien, refait la disparition dont nous tenons les premiers rôles.


5

Habituamo-nos às escritas inclinadas de onde as crianças desapareceram ao crescerem, recuando os seus olhos no rosto. Falas de uma imagem com meias esburacadas. A faiança não tem dobra. O corpo é esse das etapas precedentes, com o riso que foi o som produzido por ela. Há o escândalo de uma possessão, o choque convidado à minha mesa. Depois, uma outra coisa começa. Trataremos do esqueleto, pequeno. Já não sou quem era quando fui criança de uma vez só. O círculo das cadeiras, a condizer, vazias, nas quais o programa nada senta, refaz a desaparição cujos principais papéis desempenhamos.


11 abril 2021

carmen rosa orozco


Las palabras no son de nadie, no tienen un significado para la mayoría, he recibido y obsequiado palabras, dudo de su efecto, mantienen mi figura atada a las piedras. Ninguna persona escribe un maleficio sin antes recitarlo con odio, lo maceran en botellas que viajan hacia el fondo de la tierra. La noche se columpia en mis dedos para martirizarme.

El árbol de aguacate en el patio de la casa de tía Mariela lo ha ocupado todo, allí cabría un edificio, pero el árbol se ramifica, sus ramas son tentáculos que el viento agita en los techos, se traga las paredes colindantes, el terreno; llega hasta la cocina queriendo entrar, me reta con su mirada, revienta lo que le rodea, quiero irme y no verlo más, pero su malignidad me sobrecoge. Ese árbol me observa, planea asesinarme cuando duerma en mi sombra. Sospecho de sus malas intenciones.


As palavras não são de ninguém, não têm um significado para a maioria, recebi e obsequiei palavras, duvido de seu efeito, mantêm a minha figura atada às pedras. Nenhuma pessoa escreve uma maldição sem antes a recitar com ódio, maceraram-na em garrafas que viajam para o fundo da terra. A noite balança-se nos meus dedos para me martirizar.

A árvore de abacate no pátio da casa da tia Mariela ocupou tudo, ali caberia um edifício, mas a árvore ramifica-se, seus ramos são tentáculos que o vento agita nos telhados, engole as paredes adjacentes, o terreno; chega até à cozinha querendo entrar, desafia-me com o seu olhar, rebenta o que a rodeia, quero ir embora e não a ver mais, mas sua malignidade subjuga-me. Essa árvore observa-me, planeia assassinar-me quando durma na minha sombra. Suspeito das suas más intenções.


09 abril 2021

fina birulés

 

Vivimos en sociedades donde todo parece estar destinado a ser consumido rápidamente y a mostrar, mientras dure, su funcionalidad. De ahí que las humanidades parezcan tener poco espacio, ya que el terreno en el que nacen y crecen es el liberado de la utilidad, de la inmediatez de las urgencias: su tiempo es el postergado, el diferido. Las humanidades y el pensamiento tienen que ver con aplazamientos e interrupciones de los procesos naturales, sociales e históricos. Por ello, la cultura es algo más que el fruto de individuos que se viven a sí mismos en una suerte de plenitud autosuficiente, a la que no cabe aportar nada y en que no se echa en falta nada: la cultura es expresión del deseo de añadir algo propio al mundo o de la voluntad de pasar cuentas con lo heredado.

Frente a la aspiración del conocimiento científico a obtener resultados y a llegar a verdades que se van revisando, el pensar trata de aclarar, desenredar, sin pretender determinar la decisión o la acción. Así, hay quien ha dicho que la filosofía es el arte de formar, inventar, de fabricar conceptos; los conceptos son centros de vibraciones de nuestra red discursiva y la tarea de quien se dedica al pensamiento es tratar de despertar un concepto dormido, representarlo de nuevo en un escenario inédito. Pensar es salir del círculo trazado, interesarnos por lo no dicho, atrevernos a ir más allá y, con ello, descubrimos una de las formas de movernos libremente en el mundo. De nuestra capacidad de pensar, de valorar afirmativa o negativamente lo que ocurre, de especular sobre lo desconocido o lo incognoscible.

Quizás es el momento de decir que, a la pregunta “¿para qué sirve el pensamiento filosófico?”, no cabe ya contestar con aquello de que su grandeza radica en el hecho de que no sirve para nada, porque esto sería una muestra de coquetería o directamente de mala fe. Quizás tratar de responder reflexivamente nos obliga a interrogarnos sobre el concepto de utilidad, su lugar en nuestras redes conceptuales y su estatuto de criterio único de valoración en nuestro mundo.


Vivemos em sociedades onde tudo parece estar destinado a ser consumido rapidamente e a mostrar, enquanto dure, a sua funcionalidade. Daí que as humanidades pareçam ter pouco espaço, já que o terreno em que nascem e crescem é o desencaixilhado da utilidade, da imediatez das urgências: o seu tempo é o postergado, o diferido.

As humanidades e o pensamento têm a ver com adiamentos e interrupções dos processos naturais, sociais e históricos. Por isso, a cultura é algo mais que o fruto de indivíduos que se vivem a si mesmos numa espécie de plenitude auto-suficiente, à qual nada se pode dar e em que de nada se sente falta: a cultura é expressão do desejo de acrescentar algo próprio ao mundo ou da vontade de transferir contas ao herdado.

Diante da aspiração do conhecimento científico em obter resultados e chegar a verdades que se vão revendo, o pensar trata de esclarecer, desembaraçar, sem pretender determinar a decisão ou a ação. Assim, há quem tenha dito que a filosofia é a arte de formar, inventar, de fabricar conceitos; os conceitos são centros de vibrações da nossa rede discursiva e a tarefa de quem se dedica ao pensamento é tentar despertar um conceito adormecido, representá-lo de novo num cenário inédito. Pensar é sair do círculo traçado, interessar-nos pelo não dito, ousar ir mais além e, com isso, descobrirmos uma das formas de nos mover livremente no mundo. Da nossa capacidade de pensar, de avaliar afirmativa ou negativamente o que ocorre, de especular sobre o desconhecido ou o incognoscível.

Talvez seja hora de responder que à pergunta: "Para que serve o pensamento filosófico?" já não é possível responder com a coisa de que a sua grandeza reside no fato de não servir para nada, porque tal seria uma demonstração de flirt ou diretamente de má-fé. Talvez tentar responder reflexivamente obrigue a interrogar-nos sobre o conceito de utilidade, o seu lugar nas nossas redes conceituais e o seu estatuto de critério único de avaliação em nosso mundo.


07 abril 2021

laure gauthier

 

RODEZ BLUES


Il pleut encore sur rodez

d’une pluie déjà vue

une pluie presque chaude

hors-saison

Il pleut toujours sur rodez

d’une pluie sans printemps

des gouttes qui tombent

avec rebond

comme du blues

nécessairement

Tu te souviens sans doute

des bonds et rebonds

de l’eau

près du granit rose

qui tombent

en chantant

qui tombent exactement

comme des notes

bleues

regardant


Il ne fait pas noir à rodez

mi-chien, mi-loup

en pleine lumière, il pleut

d’une pluie inutile

une pluie sans saison,

parlons-en !


Une pluie sans orage,

justement,

sans nuage,

Une pluie de lassitude, d’un paysage

qui n’essaie plus,

d’une nature qui n’a plus que l’humide à opposer

déraillée

C’est comme un poème mou et sucré,

un poème de salon, c’est la pluie hors saison

une pluie trempe-touriste

Même pas l’anti-mousson,

une pluie à rabats

qui rabat les touristes sous les vitrines,

une pluie cabas

Rattraper les invendus, du lèche vitrine impromptu

ça marche parfois

amasser, ramasser, et si on arrêtait ?


Je cherche le nuage qui a causé le bain,

cherche le nuage sans le trouver

je n’ai rien à y faire qu’à laisser pleuvoir

J’ai soif sous la pluie

la pluie de l’eau que l’on ne boit plus

On boit dans du plastik en stock

toute honte bue

J’ai soif sous la pluie

tout est dit d’aujourd’hui


Il pleut à rodez

tandis que partout ailleurs c’est le feu

le monde brûle bien quand il pleut

la preuve qu’il y a pluie et pluie

des contrefaçons

Ça ne sent pas la terre

sans orage ni nuage

Ça ne sent pas la terre,

pourtant

j’aimerais la gratter comme les chiens

la gratter pour déterrer

y voir un signe de l’après,

vert


«J’AI SOIF SOUS LA PLUIE»




RODEZ BLUES


Chove ainda em rodez

uma chuva já vista

uma chuva quase quente

fora de época


Chove sempre em rodez

uma chuva sem primavera

gotas que caem

em ressalto

como blues

necessariamente

Lembras-te sem dúvida

dos saltos e ressaltos

da água

perto do granito rosa

que caem

cantando

que caem exatamente

como notas

azuis

olhando


Não está breu em rodes

meio-cão, meio-lobo

em plena luz chove

uma chuva inútil

uma chuva sem estação,

falemos disso!


Uma chuva sem tempestade,

precisamente,

sem nuvens,

Uma chuva de cansaço, de uma paisagem

que já não tenta,

de uma natureza que só tem o húmido a contrastar

descarrilada


É como um poema mole e doce,

um poema de salão é a chuva fora de época

uma chuva molha-turista

Nem mesmo a anti-monção,

uma chuva com abas

que leva os turistas às montras,

uma chuva para consumo

Agarrar o que não foi vendido, ver as montras

às vezes funciona

açambarcar, acumular, e se parássemos?


Procuro a nuvem que causou a molha,

procuro a nuvem sem a encontrar

não tenho nada que fazer aqui a não ser deixar chover

À chuva, tenho sede

a chuva de águas que já não se bebe

Bebemos do plástico em stock

toda a vergonha bebida

À chuva, tenho sede

sobre hoje está tudo dito.


Chove em rodez

enquanto que em qualquer outro lugar é o fogo

o mundo arde bem quando chove

a prova de que há chuva e chuva

de contrafações

Isto não cheira a terra

Sem tempestades nem nuvens

Isto não cheira a terra,

no entanto

gostaria de a coçar como os cães,

arranhá-la para desenterrar

um sinal do que está para vir,

verde


À CHUVA, TENHO SEDE”

05 abril 2021

katia-sofia hakim

 

Je suis l’insecte

brûlant qui fume

sur une ampoule

pendant

que tes vertèbres se tassent

à écrire

je m’évapore

dans un drapé de métal.


Il te restera de moi

cette odeur

ocre au plafond

une odeur vive

et hurlante d’un temps

écroulé.



Sou o inseto

ardendo em fumo

numa lâmpada

enquanto

as tuas vértebras se esfarelam

a escrever

evaporo-me

num lençol de metal.


Ficar-te-á de mim

este odor

ocre no teto

um cheiro vivo

e gritante de um tempo

desmoronado.


03 abril 2021

ruperta bautista

 

Jts’ib


Yunenal jabilale sakch’ay batel te pojbail,

ilbajinel milel te yok sk’ob yabat jmilvanejetik

te’o nak’al te yo’nton kunenal.


Xchi’uk jts’ib jts’ibta li vokolile,

sko’oltasel li tuk’ te’o chpojvane,

sa’el slekilal kuts’kalal te sjelevel a’biletik.


Li sakil mutal lekilale k’atp’uj te ik’ yu’un li lo’laele,

va’al jlo’lavanejetik chkoltavan skuyoj sbaik,

snopbenal lekil koltael nochatik te tak’in.


Yantik pojbail te o’lol jkuxlejal

anta li’ to oyun xchi’uk sme’nal kuts’ kalal

xjiplajan te yut spechel jk’ob.


Yutsil slekilal sbe jch’ayeletik te o’ntonale’te

ts’ib xchi’uk snopbenal xchapaj chmeltsaj batel,

jmoton kak’oj yu’un jpojeltik.



A minha grafia


Minhas estações jovens esfumados no combate,

assaltos e armamentos do exército

depositados na memória da minha verdura.


Com minhas letras soletro o sofrimento,

símbolo do fuzil que resiste,

luta da minha estirpe durante séculos.


A deceção tornou negra a pomba da paz,

consciências simuladas reinam na contradição,

ideias de liberdade encarceradas nas moedas.


Na metade da minha vida outras batalhas

e continuo aqui com a pobreza dos meus irmãos

inscritos na palma da minha mão.


A harmonia no caminho dos relegados

constrói-se com tinta e pensamento,

o meu tributo à revolta.


01 abril 2021

frédérique cosnier

 

On était faits de matières changeantes et d’éléments épars

diffus

propagés ondes

et en lumière

jusqu’à faire de nos corps ces montagnes d’atomes

en colère


Certains jours rien ne nous distinguait

du fleuve

des feux de forêt à la lisère


On divaguait

savants comme des loutres

toujours en retard d’un dire


ou en avance



Fomos feitos de matérias em mudança e elementos esparsos

difusos

propagados ondas

e na luz

até fazer dos nossos corpos essas montanhas de átomos

em cólera


Nalguns dias nada nos distinguia

do rio

dos fogos florestais à volta


Divagávamos

sábios como lontras

sempre no atraso de um dizer


ou na antecipação


30 março 2021

marlon pv

 

No Future


La casa al igual que el tiempo

está agrietada,

detenida en una fotografía

eternamente expuesta,

mientras sus cimientos

se aferran a la inmovilidad,

la vida atraviesa sus caras

como proyectiles;

hay un movimiento perpetuo

al asomo de la ventana

y es tan seductor que,

en la embriaguez de un sueño,

deliro profecías del pasado;

eclipsan los tiempos,

y el futuro es hoy,

no puede romperse

ni alejarse dos pasos adelante,

el futuro me alcanzó

y yo, junto a la casa,

desapareceré.




No Future


A casa tal como o tempo

está rachada,

presa numa fotografia

eternamente exposta,

enquanto as suas fundações

se agarram à imobilidade,

a vida atravessa os seus rostos

como projéteis;

há um movimento perpétuo

no despontar da janela

e é tão sedutor que,

na embriaguez de um sonho,

deliro profecias do passado;

eclipsam os tempos,

e o futuro é hoje,

não pode ser quebrado

nem afastar-se dois passos à frente,

o futuro alcançou-me

e eu, junto com a casa,

desaparecerei.