03 novembro 2021

mirna coreliel

 

Pecera


De mi miel es territorio

me carcome fresca

se pudre en las entrañas.


Isla diminuta y sobrepoblada

casa triste de aquellos

que se han quedado sin aliento.

No hay más agua

que el salivar de los perros,

hambrientos

gotas corroídas y tormentas de sangre

para no secarnos, vida.


Peces tiernos,

diminutos

que se están ahogando.



Aquário


Do meu mel é território

carcome-me fresca

apodrece nas entranhas.


Ilha diminuta e sobre-lotada

casa triste daqueles

que ficaram sem fôlego.


Não há outra água

que o salivar dos cães,

famintos

gotas corroídas e tempestades de sangue

para não secarmos, vida.

Peixes tenros,

diminutos

que se estão a afogar.



01 novembro 2021

irene solà


Si l’euga pastura al jardí

embrutarà els vidres de baves.

Però és que el sol és calent!

Podríem fer moltes coses:

pujar a la teulada,

el pare té una escopeta,

l’euga té el pèl suau.

Si neva ens tornarem bojos!

Fes-me un petó a la boca, cavall!



Se a égua pastar no jardim

manchará os vidros com baba.

Mas o  sol está quente!

Podíamos fazer muitas coisas:

subir ao telhado,

o pai tem uma caçadeira,

a égua tem um pelo suave.

Se nevar entraremos na loucura!

Dá-me um beijo na boca, cavalo!


30 outubro 2021

araceli amador vázquez


Platino amanecer

Como si fuese una dulce naranja, el burro acerca el hocico al sol y se lo come a gajos. Cada mañana recuerda el camino hacia el atardecer, se detiene a buscar más naranjas sobre la colina. Qué travieso borrico; se ha llevado el día entre los dientes. Se lo come, hasta que la noche tiene una mordida y cuando lo devora sale la luna. Entonces las ramas se convierten en mecates y la noche pasea a este burro. Qué bella mujer lo acompaña; negras olas son sus cabellos. Se mueve al trote del tierno animal, lleva en la mano un globo de plata.

Qué bella mujer; tan blanca en la oscuridad, con sus largos dedos busca en el pelaje del asno, entonces, encuentra palabras y las teje, una a una forma un collar; dice que tiene por oficio el de poeta. En sus menesteres no se da cuenta que aspira el sol lentamente, un gas amarillo se le filtra en la blancura, pero está tan concentrada que no se contamina.

Los primeros pájaros tapizan el helio, ahora son negros como la poesía. El gallo que canta ahora es azabache y de su canto salen notas negras y redondas. La mujer sigue haciendo collares con ahínco, como si de sus dedos dependiera el deseable día plateado. ¡Por fin!, ya no huele a soledad, ahora los lirios surgen de la tierra.



Alba de platina

Como se fosse uma doce laranja, o burro aproxima o focinho do sol e come-o aos gomos. Todas as manhãs lembra-se do caminho para o entardecer, detém-se a procurar mais laranjas sobre a colina. Que burrinho malandro, levou o dia entre os dentes. Come-o, até que a noite tem uma mordida e quando o devora sai a lua. Então os galhos transformam-se em sistemas de rédeas e a noite passeia este burro. Que bela mulher o acompanha; negras ondas são seus cabelos. Move-se ao trote do tenro animal, leva na mão um globo de prata.

Que bela mulher; tão branca na escuridão, com seus longos dedos procura na pelagem do jumento, então, encontra palavras e tece-as, uma a uma forma um colar; diz que tem por ofício ser poeta. No seu mister não se dá conta que aspira o sol lentamente, um gás amarelo se lhe filtra na brancura, mas está tão concentrada que não se contamina.

Os primeiros pássaros atapetam o hélio, agora são negros como a poesia. O galo que canta agora é azeviche e do seu canto saem notas negras e redondas. A mulher continua a fazer colares com afinco, como se dos seus dedos dependesse o desejável dia prateado. Finalmente! Já não cheira a solidão, agora os lírios surgem da terra.


28 outubro 2021

paloma sheherezade

 

Equilibrio


Creo en el empuje dorsal

hacia el talante de mis pechos

casi

como un credo somático

y en el arqueamiento de la vertebra

hasta acabar

en la curvatura del empeine

como un solo arco de hueso


y un poco

de pulmón elástico.

Prefiero tener pegada al paladar

la palabra equilibrio


clavar en la hendidura

de la boca misma

la lírica anatómica


y en su cantata dominguera

consagrar la voz

a la pulsante arquitectura

de otro cuerpo en equilibrio


jugar al tango

entre músculos adormilados

y volver

para madurar las horas

con los ojos cerrados.



Equilíbrio


Acredito no impulso dorsal

para o ânimo dos meus seios

quase

como um credo somático


e no arqueamento da vértebra

até acabar

na curvatura do peito do pé

como um único arco de osso


e um pouco

de pulmão elástico.


Prefiro ter colada ao paladar

a palavra equilíbrio

cravar na fenda

da própria boca

a lírica anatómica


e na sua cantata domingueira

consagrar a voz

à pulsante arquitetura

de outro corpo em equilíbrio


brincar ao tango

entre músculos sonolentos

e voltar

para amadurecer as horas

com os olhos fechados.


26 outubro 2021

rosario troncoso


El único dolor es el hueco. Esta suma implacable de desaparecidos.

A única dor é o buraco. Essa soma implacável de desaparecidos.


Hay lugares y personas en los que no se puede entrar.

Há lugares e pessoas em que não se pode entrar.


Hay personas y lugares de los que no se puede salir.

Há lugares e pessoas dos quais não se pode sair.


El matrimonio es la unión de dos egoísmos.

O casamento é a união de dois egoismos.


Detrás de cada vicio hay un intento feroz de huida.

Por trás de cada vício há uma tentativa feroz de fuga.


No ocultar nada no es mostrarlo todo.

Não ocultar nada não é mostrar tudo.


Si hieres a quien amas sangras tú.

Se magoares quem amas, és tu quem sangra.


24 outubro 2021

sabrina benaim

 

Explaining my depression to my mother: a conversation


Mom, my depression is a shapeshifter

One day it's as small as a firefly in the palm of a bear

The next it's the bear

On those days I play dead until the bear leaves me alone

I call the bad days "the Dark Days"

Mom says, "try lighting candles"

But when I see a candle, I see the flesh of a church

The flicker of a flame

Sparks of a memory younger than noon

I am standing beside her open casket

It is the moment I learn every person I ever come to know will someday die

Besides Mom, I'm not afraid of the dark, perhaps that's part of the problem

Mom says, "I thought the problem was that you can't get out of bed"

I can't, anxiety holds me a hostage inside of my house, inside of my head

Mom says, "Where did anxiety come from?"

Anxiety is the cousin visiting from out of town that depression felt obligated to invite to the party

Mom, I am the party, only I am a party I don't want to be at

Mom says, "Why don't you try going to actual parties, see your friends"

Sure I make plans, I make plans but I don't want to go

I make plans because I know I should want to go; I know sometimes I would have wanted to go

It's just not that fun having fun when you don't want to have fun, Mom

You see, Mom, each night Insomnia sweeps me up in his arms, dips me in the kitchen in the small glow of the stove-light

Insomnia has this romantic way of making the moon feel like perfect company

Mom says, "Try counting sheep"

But my mind can only count reasons to stay awake

So I go for walks, but my stuttering kneecaps clank like silver spoons held in strong arms with loose wrists

They ring in my ears like clumsy church bells, reminding me I am sleepwalking on an ocean of happiness that I cannot baptize myself in

Mom says, "Happy is a decision"

But my happy is as hollow as a pin pricked egg

My happy is a high fever that will break

Mom says, I am so good at making something out of nothing and then flat out asks me if I am afraid of dying

No Mom I am afraid of living

Mom I am lonely

I think I learned that when Dad left how to turn the anger into lonely the lonely into busy

So when I say I've been super busy lately I mean I've been falling asleep watching SportsCenter on the couch

To avoid confronting the empty side of my bed

But my depression always drags me back to my bed

Until my bones are the forgotten fossils of a skeleton sunken city

My mouth a boneyard of teeth broken from biting down on themselves

The hollow auditorium of my chest swoons with echoes of a heartbeat

But I am just a careless tourist here


I will never truly know everywhere I have been

Mom still doesn't understand

Mom, can't you see

That neither can I



Explicando a minha depressão à minha mãe: Uma conversa


Mãe, a minha depressão é uma metamorfose.

Um dia é um pequeno pirilampo na palma de um urso,

No outro é o urso.

Nesses dias faço-me de morta até o urso me deixar em paz.

Chamo aos dias maus: "os Dias Escuros."

A minha mãe diz “ Tenta acender umas velas. “

Quando vejo uma vela, vejo a carne de uma igreja, a cintilação de uma chama,

Faíscas de uma memória mais jovem que o meio-dia.

Estou ao lado do seu caixão aberto.

É esse o momento em que aprendo que cada pessoa que conheço morrerá um dia.

Além disso, mãe, não me preocupo com a escuridão.

Talvez isso seja parte do problema.

A mãe diz, "Eu pensava que o problema era que não podias sair da cama."

Não posso.

A ansiedade mantém-me refém dentro da minha casa, dentro da minha cabeça.

A mãe diz, “Donde vem essa ansiedade?”

A ansiedade é o gajo que a depressão se sentiu obrigada a trazer para a festa.

Mãe, eu sou a festa.

Acontece que sou uma festa onde não quero estar.

A mãe diz, “Porque não tentas ir a festas a sério, estar com os teus amigos?”

Claro, faço planos. Faço planos mas não quero ir.

Faço planos por saber que devia querer ir. Às vezes sei que teria gostado de ir.

Não é muito divertido curtir, quando não queres curtir, mãe.

Já sabe, mãe, todas as noites a insónia me recolhe no seus braço, mete-me na cozinha ao pé da

fraca luz do fogão.

A insónia tem essa maneira romântica de fazer que a lua pareça a melhor companhia,

A mãe diz, “Tenta contar carneiros”

Mas a minha mente só pode contar razões para estar acordada;

Por isso, vou dar um passeio, mas as minhas rótulas gagas parecem colheres de prata, presas em braços fortes com pulsos abertos.

Soam nos meus ouvidos como escangalhados sinos de igreja a lembrar-me que sou uma sonâmbula num oceano de felicidade em que não posso ser batizada.

A mãe diz, "Ser feliz é uma escolha."

Mas a minha felicidade está tão vazia como um ovo espetado por um alfinete.

A minha felicidade é uma febre alta prestes a rachar.

A mãe diz que eu sou muito boa a fazer uma coisa de nada e, sem hesitar, pergunta-me se tenho medo de morrer.

Não.

Tenho medo de viver.

Estou sozinha.

Acho que aprendi, quando o pai se foi, como fazer da raiva solidão

A estar sozinha estando ocupada;

Então, se eu te disser, "Tenho estado super ocupada ultimamente," quero dizer que fiquei a

dormir a ver o Sports Center no sofá

Para evitar enfrentar o lado vazio da minha cama.

Mas minha depressão sempre me arrasta de volta para a minha cama

Até que os meus ossos são os fósseis esquecidos de uma cidade esqueleto afundada,

A minha boca um campo de ossos de dentes partidos por a si mesmos se morderem.

O vazio auditório do meu peito desvanece-se com os ecos de um pulsar do meu coração,

Mas eu sou uma turista despreocupada aqui.

Nunca conhecerei realmente todos os lugares onde estive.

A mãe ainda não percebeu.

Mãe! Não vês que eu também não?


22 outubro 2021

tatiana lipkes

 

todos los cisnes eran blancos hasta la primera aparición una simple mirada suprime miles de años de una sola idea una sola ave negra explica casi todo nuestro mundo el golpe impredecible una abeja pica la palma de la mano a una niña mientras come helado rojo sentada en el pasto su hermano llora y grita más fuerte sacar el aguijón respira a pesar de todo

todos os cisnes eram brancos até à primeira aparição um simples olhar suprime milhares de anos de uma única ideia uma única ave negra explica quase todo o nosso mundo o golpe imprevisível uma abelha pica a palma da mão a uma menina enquanto come sorvete vermelho sentada no pasto o seu irmão chora e grita mais forte tirar o ferrão respira apesar de tudo

cuando el destino nos alcance es el título de una película al que el traductor le borró la palabra verde en el siglo diecinueve hubo un verde venenoso se dice un accidente hecho de arsénico en este jardín durante julio y agosto todo tiene un tono distinto de verde el veneno era brillante y duraba más pero se ennegrecía con el tiempo quién somos para juzgar un color

quando o destino nos alcançar é o título de um filme do qual o tradutor apagou a palavra verde no século dezanove houve um verde venenoso diz-se um acidente feito de arsénico neste jardim durante julho e agosto tudo tem um tom diferente de verde o veneno era brilhante e durava mais mas enegrecia-se com o tempo quem somos para julgar uma cor


20 outubro 2021

andrea muriel

 

Cómo saber si un cactus ha muerto


Primero habría que fijarse en la rigidez de sus espinas,

luego en la consistencia de su cuerpo

que debe ser firme y robusto,

más tarde habría que pensar en el clima

o en cada cuánto se le puso agua.

Un cactus muere tres meses antes de que nos demos cuenta

y es imposible saber si las pequeñas señales:

los bordes amarillos, el encogimiento,

son indicios de la muerte o tan sólo parásitos.

Los expertos dicen que sólo existe un signo

inequívoco de la putrefacción:

hay que pinchar su carne

para ver si brota algo y confirmar

que el hedor ha comenzado a formarse

desde dentro.

Dicen que el amor es de todos los días

pero yo no sabía que los cactus pueden llegar a ahogarse.

Pensé que cuidarlo era ponerle más agua.

Siempre me ha costado entender cuánto es suficiente.



Como saber se um cacto morreu


Primeiro, devemos atentar na rigidez dos seus espinhos,

em seguida, na consistência do seu corpo

que deve ser firme e robusto,

mais tarde seria necessário pensar no clima

ou na quantidade que lhe pusemos de água.

Um cacto morre três meses antes que percebamos

e é impossível saber se os pequenos sinais:

as bordas amarelas, o encolhimento,

serão indícios de morte ou apenas parasitas.

Os especialistas dizem que só existe um sinal

inequívoco da putrefação:

É preciso espetar a sua carne

para ver se aparece alguma coisa e confirmar

que o fedor se começou a formar

a partir de dentro.

Dizem que o amor é para todos os dias

mas eu não sabia que os cactos se podiam afogar.

Pensei que tratar dele era adicionar mais água.

Sempre me custou entender a quantidade suficiente.


18 outubro 2021

elena shvarts

 

Мне моя отдельность надоела.


Мне моя отдельность надоела.

Раствориться б шипучей таблеткой в воде!

Бросить нелепо — двуногое тело,

Быть везде и нигде,


Всем и никем — а не одной из этих,

Похожих на корешки мандрагор,

И не лететь, тормозя, как дети

Ногой, с невысоких гор.


Не смотреть из костяного шара в зеленые щели,

Не любиться с воздухом через ноздрю,

Не крутиться на огненной карусели:

То закатом в затылок, то мордой в зарю.



Estou farta de estar isolada


Estou farta de estar isolada

Pudesse dissolver-me como pastilha efervescente na água

Pudesse abandonar absurdamente as minhas duas pernas

Estar em todo o lado e em lado nenhum


Ser tudo e ninguém. E nada

ter a forma de raízes de mandrágora

e voar, mas não como as crianças quando se atiram de uma ravina

travando com os pés.


Pudesse não contemplar através das fendas verdes deste saco de ossos,

Não amar o ar que me penetra pelas narinas

Nem o pôr-do-sol nas minhas costas, ou o nascer do sol na minha cara.

Não andar às voltas neste carrossel de fogo.


16 outubro 2021

carolina cárdenas jiménez

 

III

En la rugosidad del universo busco a mis ancestros para transformarme, persigo todos sus espíritus levantándose crueles con su puñal en el alba, pero se esconden en mí, al caer la oscuridad y se hacen sombras. Veo en sus pupilas el deseo de hundirme la daga en el pecho. Los antecesores de mis abuelos, todos abren la boca y expulsan una carcajada en la distancia de la mar que me rodea, de las olas luchando por ahogarme.

Conocen los abismos que ahorcan, los diluvios de quienes huyo para no asfixiarme en sus espejos que persiguen desde siempre mi espíritu. En esa ventisca rompen contra mis arrecifes y temo ser desterrada de mi propia nada.


Na rugosidade do universo, procuro os meus antepassados para me transformar, persigo todos os seus espíritos, levantando-se cruéis com o seu punhal ao amanhecer, mas escondem-se em mim, ao cair a escuridão e tornam-se sombras. Vejo nas suas pupilas o desejo de me enfiar a adaga no peito. Os ancestrais dos meus avós, todos abrem a boca e expulsam uma gargalhada na distância do mar que me rodeia, das ondas que lutam para me afogar.

Conhecem os abismos que enforcam, os dilúvios de que fujo para não me asfixiar nos seus espelhos que perseguem desde sempre o meu espírito. Nessa nevasca rompem contra os meus recifes e temo ser desterrada do meu próprio nada.


14 outubro 2021

elizabeth siddal

 

I care not for my Lady’s soul

Though I worship before her smile;

I care not where be my Lady’s goal

When her beauty shall lose its wile.


Low sit I down at my Lady’s feet

Gazing through her wild eyes

Smiling to think how my love will fleet

When their starlike beauty dies.


I care not if my Lady pray

To our Father which is in Heaven

But for joy my heart’s quick pulses play

For to me her love is given.


Then who shall close my Lady’s eyes

And who shall fold her hands?

Will any hearken if she cries

Up to the unknown lands?



Não me preocupo com a anima da minha senhora,

embora noutros tempos tivesse idolatrado o seu sorriso;

Não me importo com o seu término

mesmo quando a sua beleza perder potência.


Deposito-me aos pés da minha senhora

alucinado olhar através dos seus olhos de fora

Sorrindo ao pensamento de quão o meu amor será fuga

no momento da morte da sua reverberante beleza.


Não quero saber se a minha Senhora reza

Ao nosso Pai que está no Céu

Mas por alegria pulsam as rápidas sístoles do meu coração

Para mim o amor dela é adquirido.


Quem fechará então os olhos da minha senhora

E quem lhe cruzará as mãos?

Haverá algum escutador

Até às terras desconhecidas?


12 outubro 2021

carmen ollé

 

Suburbio


Aquélla, la más perversa nunca amó.

Se enredó en mis brazos entre sábanas. Sabia,

los pies hacia la puerta…


Irascible, su único defecto era su única virtud,

al placer amó más que al dinero,

a una cicatriz

que a un collar de perlas.

Yo que frecuento las tabernas cerca al mar

sé que ella piensa en Lautréamont

—nombre desconocido—

y en la melancolía de un atardecer gracioso

como un ojo vaciado.



Subúrbio


Essa, a mais perversa nunca amou.

Enrolou-se nos meus braços entre lençóis. Sabia,

os pés para a porta...


Irascível, o seu único defeito era a sua única virtude,

ao prazer amou mais do que ao dinheiro,

a uma cicatriz

mais do que a um colar de pérolas.

Eu que frequento as tascas ao pé do mar

sei que ela pensa em Lautréamont

nome desconhecido—

e na melancolia de um entardecer gracioso

como um olho vazio.


10 outubro 2021

annie le brun

 

J’ai été un automne décisif de figues et de rousseurs éclatées dans l’or morose des scarabées enamourés. La mer s’ouvrait enfin servile sous le fouet de l’instant pour que nous avancions superbes et distraits entre les débris de la lumière. En équilibre sur le poignard que je plongeais entre les senteurs de la nuit, je croyais que le monde tournait comme une pomme brodée dans le jardin de mes vêtements. De tous les travestis, je possédais la science dédaigneuse des cambrures champagne. Je ne redoutais pas le passage des motocyclettes du matin sur les peausseries noires du cerveau, je m’espérais subtilement fardée de perversité candide et de soie grise. J’allais me heurter de plein front contre le miroir qui coupait ma vie en deux. 


Eu estive um outono decisivo de figos e sardas estilhaçados no ouro sombrio dos escaravelhos enamorados. O mar abria-se por fim servil sob o chicote do momento para que avançássemos soberbos e distraídos entre os detritos da luz. Em equilíbrio sobre o punhal que mergulhei entre os aromas da noite, eu acreditava que o mundo fosse como uma maçã bordada no jardim das minhas roupas. De todos os travestis, eu possuía a ciência desdenhosa das cavas champanhe. Não temia a passagem das motoretas da manhã sobre o sortido de peles negras do cérebro, esperava-me subtilmente ser maquilhada de perversidade cândida e de seda cinzenta. Ia chocar de frente contra o espelho que me cortava a vida a meio.



08 outubro 2021

isabel de los ángeles ruano

 

Mis manos


Estas manos mías conocen la ascención suprema

y la más burda ignominia.


Son como dos relámpagos audaces

o como dos humildes golondrinas cautivas.


Se entrecruzan en una plegaria o aman

con santidad o con delirio

y se asustan del fuego

y chocan contra un rostro.


Estas manos mías saben mentir

y son urgentes. Me han dado la pasión sublime

y la ternura de un ángel de luz.


Tienen reminiscencias de ala desteñida

y saben de los surcos del vuelo

Conocen todas las fiebres.



As minhas mãos


Estas minhas mãos conhecem a ascensão suprema

e a mais grosseira ignomínia.


São como dois relâmpagos audazes

ou duas humildes andorinhas cativas.


Entrelaçam-se numa prece ou amam

com santidade ou delírio

assustam-se com o fogo

e chocam contra um rosto.


Estas minhas mãos sabem mentir

e são urgentes. Deram-me a paixão sublime

e a ternura de um anjo de luz.


Têm reminiscências de asa desbotada

e conhecem os sulcos do voo

Conhecem todas as febres.


06 outubro 2021

yuliana ortiz ruano


Madre,

sueño con mi cadáver todas las noches.

De mi vientre cuelgan dos seres que no quisieron nacer.

He renunciado a todo lo que me hacía infeliz.

He renunciado a todo.

He renunciado.

Solo hasta que te arrancan a dos manos el esternón

abres los párpados

y barres las costras secas

que tapizan el piso de tu cuarto.

Solo hasta que alguien mete su mano en tu ombligo

y extrae una víscera sangrante

que late caliente al aire

conviertes en arcilla la casa

y la intentas moldear

o la aplastas de una vez.

Madre,

tengo veinte y tres años

y parece un siglo.


Sueño con mi cuerpo tieso

todos los días.

He renunciado a tanto y

¿por qué

estas ganas de llorar?

¿Por qué las heridas

suturadas se abren y sangran otra vez?

¿Por qué el silencio

que diseca mis huesos?

¿Por qué la puerta sigue cerrada

frente a mi rostro?

He renunciado a mí.

He renunciado.

Me abandoné cada tarde.

Yuliana espera por mí

en alguna estación lejana.

Impaciente;

se come las uñas,

los dedos.

Yuliana se come.


Madre,

sigo hablando de mí

a la gente

como si esto importara.

Como si la manta se levantara

y me dijeran

que deje de llorar

que todo fue una broma de mal gusto,

que ahora puedo reírme

a carcajadas de mí

y de mi vientre.


Que todo ha sido una broma

de muy mal gusto.

Que esto no soy yo

que afuera de la manta

hay vida en serio.

Madre

he renunciado a todo lo que me hacía infeliz.

¿por qué la muralla sigue creciendo?

Madre,

no debí salir de tu vientre.

Mira mis huesos.

Mira su fragilidad.

Mira los días

que se posan lilas

bajo mis ojos.

Mira mis manos

transparentes.

La muralla tiene vida.

A mi alrededor todo exhala más vida que yo.



Mãe,

sonho com o meu cadáver todas as noites.

Do meu ventre pendem dois seres que não quiseram nascer.

Renunciei a tudo o que me fazia infeliz.

Renunciei a tudo.

Renunciei.

Só até o esterno por duas mãos ser arrancado

abres as pálpebras

e varres as crostas secas

que atapetam o chão do teu quarto.

Só até que alguém meta a sua mão no teu umbigo

e extraia uma víscera a sangrar

que lateja quente ao ar

convertes em argila a casa

e tentas moldá-la

ou esmagá-la de uma vez.

Mãe,

tenho vinte e três anos

e parece um século.


Sonho com meu corpo rígido

todos os dias.

Renunciei a tanto e

por quê

estas compulsões de chorar?

Porque é que as feridas

suturadas se abrem e sangram outra vez?

Porquê o silêncio

que disseca os meus ossos?

Porque é que a porta continua fechada

diante do meu rosto?

Renunciei a mim.

Renunciei.

Abandonei-me todas as tardes.

Yuliana espera por mim

nalguma estação longínqua.

Impaciente;

Rói as unhas,

os dedos.

Yuliana come-se.


Mãe,

continuo a falar de mim

às pessoas

como se isso importasse.

Como se a manta se levantasse

e me dissessem

para deixar de chorar

que tudo foi uma brincadeira de mau gosto,

que agora posso rir-me

às gargalhadas de mim

e do meu ventre.


Que tudo foi uma brincadeira

de muito mau gosto.

Que isto não sou eu

que fora da manta

há vida de verdade.

Mãe,

não devia ter saído do teu ventre.

Olha para os meus ossos.

Vê a sua fragilidade.

Vê os dias

que se hospedam em lilás

debaixo dos meus olhos.

Olha para as minhas mãos

transparentes.

A muralha tem vida.

Ao meu redor tudo exala mais vida do que eu.


04 outubro 2021

sheila maldonado

 

Poet in a shade of jade


I am so jealous of how poor you are

of how you are poor

your particular stilo pobre

The way you put no cash and

no money together is uncanny

This aesthetic

lack of change combined

with lack of dollars

is very difficult to duplicate

and I hate you for that


I was gonna go hear you read

from your new collection of

unpaid bills

just the other day

but you get readings

all the time

you have your pick

of not being paid

or being unpaid

You get to ride

the subway back and forth

on your own dime

and you buy your own

performance alcohol


I’ll make it one of these days

give you dirty looks

as you read and rake in

your air bucks


What I look forward to most

is not tolerating

how you hoard your poverty

tell no one your secret

you must have some malefactor

mentor

mentiroso

who further mystifies

the acquisition of wealth

and points you in the direction

of the dead end



Poeta em sombra de jade


Tenho tanta inveja do pobre que és

de quão pobre és

o teu estilo de pobre tão particular

A forma como arrecadas zero dólares e

nenhum dinheiro é assombrosa.


Esta estética

escassez de câmbio combinada

com escassez de dólares

é muito difícil de replicar

e detesto-te por isso

Ia ouvir a tua leitura

da tua nova coleção de

contas por pagar

no outro dia precisamente

mas tens recitais

tens por onde escolher

que não te paguem

Até te acontecer um passeio

pelo metro de ida e volta

do teu próprio bolso

e compras o teu próprio

álcool para recitar.


Vou ver-te um dia destes

Vou-te deitar um olhar de pistola

enquanto lês e eu recolho

os teus dólares de ar


O que mais me arromba

é não tolerar

o modo como acumulas a tua pobreza

não digas a ninguém o teu segredo

deves ter algum malfeitor

mentor

mentiroso

que mistifica adicionalmente

a aquisição da riqueza

e te indica a direção

do beco sem saída.