24 fevereiro 2021

julia de burgos

 

Canción amarga


Nada turba mi ser, pero estoy triste.

Algo lento de sombra me golpea,

aunque casi detrás de esta agonía,

he tenido en mi mano las estrellas.


Debe ser la caricia de lo inútil,

la tristeza sin fin de ser poeta,

de cantar y cantar, sin que se rompa

la tragedia sin par de la existencia.


Ser y no querer ser… esa es la divisa,

la batalla que agota toda espera,

encontrarse, ya el alma moribunda,

que en el mísero cuerpo aún quedan fuerzas.


¡Perdóname, oh amor, si no te nombro!

Fuera de tu canción soy ala seca.

La muerte y yo dormimos juntamente…

Cantarte a ti, tan sólo, me despierta.



Canção amarga


Nada perturba o meu ser, mas estou triste.

Qualquer coisa lenta de sombra me bate,

embora quase por trás desta agonia,

tenha tido nas minhas mãos as estrelas.


Deve ser a carícia do inútil,

a tristeza sem fim de ser poeta,

de cantar e cantar, sem que se rompa

a tragédia sem par da existência.


Ser e não querer ser... essa é a divisa,

a batalha que esgota toda a espera,

encontrar-se, já de alma moribunda,

que no mísero corpo ainda restam forças.


Perdoa-me, ó amor, se não te nomeio!

Fora da tua canção, sou asa seca.

A morte e eu dormimos juntos...

Cantar-te, só isso, acorda-me.


22 fevereiro 2021

claire malroux

 

Froissements plis déchirures,

du temps on s’efforce en vain de saisir la trame

Le lisse (huilé de l’organique, de la pensée) glisse

comme le fil entre les mains des Parques,

mortelles déesses dont le nom plus ancien, Moires,

désigne aujourd’hui tout tissu aux reflets changeants

–du mohair à la soie – passé à la calandre


Certains noms, comme des êtres, ont la vie dure

Moires, par un phonétique hasard,

a ressurgi dans mémoire, du latin memoria

Outre sa funeste sonorité due à la syllabe mor

qui suit le pronom personnel me,

ce nom semble suggérer la présence d’un double


La main du scribe ne fait qu’effleurer l’étoffe :

le sens demeure prisonnier de la texture

Des lueurs du moi, feux follets, clignotent par endroits,

là où quelque fil en apparence plus résistant

est en danger de rompre si l’on s’obstine à le tirer



Contusões dobras rasgões,

do tempo em vão nos esforçamos para agarrar a trama.

O liso (oleado do orgânico, do pensamento) desliza

como o fio entre as mãos dos Parques,

mortais deusas cujo nome mais antigo, Moires,

designa hoje qualquer tecido com reflexos de mudanças

-do mohair à seda - passado na grelha


Alguns nomes, como seres, têm vida dura

Moires, por uma coincidência fonética,

ressurgiu na memória, do Latim Memoria

Para além do som sinistro da sílaba mor

que segue o pronome pessoal me,

este nome parece sugerir a presença de um duplo


A mão do escriba apenas roça o tecido :

o sentido permanece prisioneiro da textura


Luzes do eu, luzes loucas, piscam em alguns lugares,

aí onde um fio na aparência mais resistente

está em perigo de romper se alguém se obstina a puxá-lo.



20 fevereiro 2021

idea vilariño


Ya no


Ya no será

ya no

no viviremos juntos

no criaré a tu hijo

no coseré tu ropa

no te tendré de noche

no te besaré al irme

nunca sabrás quién fui

por qué me amaron otros.

No llegaré a saber

por qué ni cómo nunca

ni si era de verdad

lo que dijiste que era

ni quién fuiste

ni qué fui para ti

ni cómo hubiera sido

vivir juntos

querernos

esperarnos

estar.

Ya no soy más que yo

para siempre y tú

ya

no serás para mí

más que tú. Ya no estás

en un día futuro

no sabré dónde vives

con quién

ni si te acuerdas.

No me abrazarás nunca

como esa noche

nunca.

No volveré a tocarte.

No te veré morir.



não


Já não será

já não

não viveremos juntos

não criarei o teu filho

não coserei a tua roupa

não te terei de noite

não te beijarei ao sair

nunca saberás quem fui

porque outros me amaram.

Não chegarei a saber

o porquê nem como nunca

nem se era verdade

o que disseste que era

nem quem foste

nem o que fui para ti

nem como teria sido

viver juntos

querer-nos

esperar-nos

estar.

não sou mais que eu

para sempre e tu

não serás para mim

mais que tu. não estás

num dia futuro

não saberei onde vives

com quem

nem se te lembras.

Não me abraçarás nunca

como nessa noite

nunca.

Não voltarei a tocar-te.

Não te verei morrer.

18 fevereiro 2021

lena diaz pérez

 

La imagen más hermosa


Corrías por la arena con una malla verde hermosa

insegura de todo pero segura del agua

a la que te metiste de cabeza aunque hacía frío

y ninguno de nosotros te iba a acompañar

fue la imagen más linda de la tarde

vos insegura de todo pero segura del agua

para que te sale los pensamientos

y puedas comunicarte con nosotros aunque seamos medio tontos

no tenías toallón tenías un chal de colores

que te alcanzó para taparte un poco los hombros

no tengo frío, dijiste, me quiero secar con el sol

saldaste tu propia deuda de nadar un rato en otra estación

que no fuera verano

yo te miraba con un poco más de disimulo

el otro chico no

el otro chico esperaba que salgas ilesa o esperaba el momento

de tener que meterse él también de cabeza

y salvarte de una ola demasiado grande

que no pudieras abordar



A imagem mais linda


Corrias pela areia com um lindo fato de banho verde

insegura de tudo, mas segura da água

onde entraste de cabeça embora estivesse frio

e nenhum de nós te acompanhasse

tu insegura de tudo, mas segura da água

para que te saiam os pensamentos

e possas comunicar connosco ainda que sejamos meio tontos

não tinhas toalha, tinhas um xaile às cores

que te tapava um pouco os ombros

não tenho frio, disseste, quero secar-me ao sol

pagaste a tua própria dívida de nadar um pouco em outra estação

que não fosse o verão

Eu olhava-te com um pouco mais de dissimulação

o outro moço não

o outro moço esperava que saísses ilesa ou esperava o momento

de também ele se meter de cabeça

e salvar-te de uma onda demasiado grande

que não conseguisses embarcar


15 fevereiro 2021

ileana espinel

 Imagen de amor 


Podría renacer de las cenizas,

viva lumbre de sed desparramada.

Podría consumarse en el despojo

de todo lo tangible que perece.


Podría ser el tótem que somete

al exilio la sangre enajenada.

Podría ser la luz, mas es tan sólo

el madero que flota en el naufragio.



Imagem de amor 


Podia renascer das cinzas,

Viva luz de sede espalhada.

Podia consumar-se no despojo

de todo o tangível que perece.


Podia ser o totem que submete

ao exílio o sangue alienado.

Podia ser a luz, mas é apenas

o tronco que flutua no naufrágio.


09 fevereiro 2021

silvia goldman

 

el dedo


esto no se cierra

no es arbitrario esto


no es un signo lingüístico esto


esto es un dedo


y los muebles que palpa fácilmente

a veces sin saber corresponder


lo que toca con lo que desea

lo toca y entonces lo desea


ese hiato

es la razón por la que practicamos ahí


con la distancia que ponen los padres entre los juguetes

podemos decir muchas cosas

vos decías la aurora de rosados dedos y nos reíamos


lo que va a construir tu hijo con su dedo

no es tu asunto

lo que construís vos con tu dedo

no es asunto del dedo de tu hijo

un hijo que termina de mirarte y te señala

es una madre interminable



o dedo


isto não se fecha

não é arbitrário isto


não é um signo linguístico isto


isto é um dedo


e os móveis que apalpa facilmente

às vezes sem saber corresponder


o que toca com o que deseja

toca-o e então o deseja


esse hiato

é a razão pela qual praticamos lá


com a distância que os pais colocam entre os brinquedos

podemos dizer muitas coisas

dizias a aurora de dedos rosados e nós ríamos


o que o teu filho vai construir com o seu dedo

não é da tua conta

o que constróis com o teu dedo

não é assunto do dedo do teu filho

um filho que acaba de te olhar e para ti aponta

é uma mãe interminável


06 fevereiro 2021

elisa díaz castelo

 

Agujero Negro


Ahí estaba

el cadáver del perro

en el centro del jardín.

Nos esperó su muerte

las dos noches, brillando de sed

bajo la luz inútil de la luna.

Imagino la escena desde la ventana,

la lenta transformación del cuerpo

en materia, en hueso, en aire

venenoso. Mis ojos

sobre su lenta huida de sí mismo,

implosión de estrella diminuta,

agujero negro en el corazón

del pasto, a dos metros exactos

del ave del paraíso,

atada a su tallo y moribunda,

impedida para el vuelo, imposible

soltar amarras y convertirse

en ave carroñera y saciar su hambre.

Ahí, en el centro del jardín, empezó el mundo:

me mostró el perro su destiempo, su hundirse

en sí mismo y el acto a voz en cuello

de la muerte. Desde entonces

gira mi vida rigurosa, mis días en ciernes

espirales, en torno al sitio exacto

de su cuerpo. Y éste se traga mi pasado,

devora días y obras,

el jardín y su casa que hace años no existen,

las comidas de domingo,

el piano desdentado y la abuela

sentada al tocador con sus perfumes,

cada frasco, cada olor ennegrecido,

la vajilla suspendida, girando

ante la gravedad enorme de ese centro,

en el que se desliza sin luz toda mi vida

y las horas y días que se han ido

y los años que me faltan

para siempre.



Buraco Negro


Lá estava

o cadáver do cão

no centro do jardim.

A sua morte esperou-nos

as duas noites, brilhando de sede

sob a luz inútil da lua.

Imagino a cena da janela,

a lenta transformação do corpo

em matéria, em osso, em ar

venenoso. Os meus olhos

sobre a sua lenta fuga de si mesmo,

implosão de estrela diminuta,

buraco negro no coração

do pasto, a dois metros exatos

da ave do paraíso,

amarrada ao caule e moribunda,

impedida de voar, impossível

soltar amarras e converter-se

em ave necrófaga e saciar a sua fome.

Ali, no centro do jardim, começou o mundo:

mostrou-me o cão a sua desgraça, o seu afundar

em si mesmo e o ato de voz no pescoço

da morte. A partir daí

gira a minha vida rigorosa, os meus dias emergentes

espirais, em torno do local exato

do seu corpo. E este engole o meu passado,

devora dias e obras,

o jardim e a sua casa que há anos não existem,

as refeições de domingo,

o piano desdentado e a avó

sentada no toucador com seus perfumes,

cada frasco, cada odor enegrecido,

a cerâmica suspensa, girando

perante a gravidade enorme desse centro,

em que desliza sem luz toda a minha vida

e as horas e dias que se foram

e os anos que me faltam

para sempre.



03 fevereiro 2021

maría dayana fraile

 

III

En el jardín del bombillo roto, el jardín con palabras sin raíces, tenemos nubes inanes, clavadas en una brocheta de metal, algodones de frente desvanecida

renacen en una lámpara de papel

en una mampara para ocultar la rotura del bombillo en el jardín del bombillo roto, para ocultar las escaras del vidrio

el corte en la mano sangrante.

No entiendo el charm de lo militar, no entiendo sus expresiones, herramientas, movilidad y accesorios. Solo sospecho un destino entreverado con planos referenciales que se solapan, plátanos congelados y cerveza negra

como si los opuestos pudieran fundirse sobre un mantel de plástico

y, en medio de la noche, originar un resplandor gramatical.

Neutro roto.

Puedes contemplar tu nombre grabado en el lado oscuro de estos bombillos fluorescentes. Las luces de la razón disipan las tinieblas. Lo escribieron en el siglo XVIII mientras dormíamos. Enciclopedia de las luces. Marcas. Antiguo régimen de revelaciones, el panteísmo, la tierra mojada y los cassettes. ¿Recuerdas los cassettes? Esas cajas de plástico y las cintas girando, el acabado sintético de las voces y la grabación de una grabación. Esas canciones tangenciales afirmaban el lado más bucólico del suspenso. Suspenso de lo que está por venir suspenso de pendientes

y colgantes

de colgados

de ahorcados de tinta.




III

No jardim da lâmpada quebrada, o jardim com palavras sem raízes, temos nuvens inanes, cravadas em um espeto de metal, algodões de frente desvanecida

renascem numa lâmpada de papel

em uma divisória para esconder a rutura da lâmpada no jardim da lâmpada quebrada, para esconder as escaras do vidro

o corte na mão a sangrar.

Não percebo o charme do militar, não percebo as suas expressões, ferramentas, mobilidade e acessórios.

Só suspeito de um destino entremeado com planos referenciais que se sobrepõem, bananas congeladas e cerveja preta

como se os opostos pudessem fundir-se sobre uma toalha de plástico

e, a meio da noite, originar um brilho gramatical.

Neutro quebrado.

Podes contemplar o teu nome gravado no lado escuro destas lâmpadas fluorescentes. As luzes da razão dissipam as trevas. As luzes da razão dissipam as trevas. Assim escreveram no século XVIII enquanto estávamos a dormir. Marcas. Antigo regime de revelações, o panteísmo, a terra molhada e as cassetes. Lembras-te das cassetes? Essas caixas de plástico e as fitas girando, o acabamento sintético das vozes e a gravação de uma gravação. Essas canções tangenciais afirmavam o lado mais bucólico do suspenso. Suspenso do que está por vir suspenso de pendentes

e pingentes

de pendurados

de enforcados de tinta.


31 janeiro 2021

martha p. sánchez

 

Gogo No Eiko, carta a Mishima en seis capítulos


Capítulo I


El genio penetra la habitación de su madre

¿cuándo será justo asomarse por este agujero?

el genio Noboru ha decidido que asomarse al mundo de su madre

es la idónea venganza

sus ojos asomarán a la habitación cada vez que sienta odio

cada que su madre le riña

los días tranquilos no se asomará, tampoco en los melancólicos

en los que la madre llore la muerte de su esposo


Noboru no tiene nostalgia

la nostalgia es de los débiles

y él es un genio que imparte justa y perfecta venganza

es claro que no lo mueve el débil temperamento que aqueja a los humanos

la venganza en Noboru es veredicto del genio supremo que convierte a la muerte en belleza

alcanzar la gloria entre la sangre de los hombres de la raza cadáver

Noboru castiga a su madre espiándola, observa la corrupción en sus gestos

en sus dedos, caderas, senos y toda ella

Noboru, el joven japonés de trece años, observa cómo la sociedad

ha convertido a su madre en un ser humano

insignificante

pero hoy es diferente

la venganza que es destino

le ha traído a Noboru, un héroe

desde el orificio del mundo

observa a un marino penetrar a su madre

el instante de la caricia se convierte en el infinito desgarramiento

de la vía láctea sobre el mar

las estrellas desgarran el agua, la purifican

lo transmutan en lo único que importa sobre el mundo

sí, el mar y tal vez un barco


¿es posible otra forma

de belleza?


Capítulo II


El genuino oro de la carne se alcanza gracias a la muerte

no cualquier muerte

el genio tiene la capacidad de dar muerte

sólo la muerte puede liberar al hombre

seis genios, el número uno, el dos, el tres, cuatro, cinco y seis

seis genios japoneses de trece años

con el poder de la justicia

rodean a un gato

el gato destazado por las manos del genio sólo es un preámbulo

los seis genios japoneses odian y saben que la sociedad carece de sentido

sobre todo

saben que el origen de la corrupción humana

es la paternidad

no hay peor delito que ser padre


Del gato queda el hígado flácido

la conciencia suprema del genio

ha ejecutado su primera sentencia:


Capítulo III


La felicidad por cualidad intrínseca no puede ser descrita

el verso anterior no dice nada sobre la felicidad

es un residuo de letras inertes sin significado pero con alusiones

la camisa mojada de Ryuji Tsukazaki tampoco pudo ser descrita

no por esto deja de ser punible

Ryuji Tsukazaki miente ante Noboru

Ryuji Tsukazaki debe ser juzgado por la camisa mojada

pero principalmente

por permanecer en la tierra

dejar su sangre heroica

su olor a mar

abandonarlo por el color ocre de Fusako


Noboru, el joven de trece años

juzgará a Ryuji Tsukazaki

con cada palabra vendrá un recuerdo

y poco a poco los ojos de Ryuji Tsukazaki se llenarán de fantasmas

todos convocados por Noboru

Noboru disfrutará del espectáculo

se concertará el eco

de la muerte heroica

para Ryuji Tsukazaki:


Capítulo IV


Envenenado por Fusako

Ryuji Tsukazaki regresa al mar

Noboru lo envidia, se enorgullece de este hombre divino que deja la tierra

pero la luz de oriente ha cegado a Noboru

no alcanza a percibir que Ryuji Tsukazaki

vuelve al mar hecho un moribundo

destrozado por el enamoramiento de los cadáveres humanos

Ryuji Tsukazaki se despide amablemente

como todo moribundo que parte a una muerte vil

entre humanos

entre sociedad con trabajos normales

con familia

sin belleza, sin juicio


Fusako se oscurece al alejarse del divino marino

como la pulpa de una manzana al contacto con el aire

comienza su putrefacción

Ryuji Tsukazaki convirtió a Fusako en fruta de los dioses

ahora

Fusako será una manzana mordida que espera volver a la tierra

será basura

un humano de la época:


Capítulo V


Mirar furtivamente a los adultos

sólo el ritmo que canta la sangre

la libertad

el hombre divino juzgado por dejar caer sus aguas

sobre la tierra y querer habitarla

los genios juzgan y su juicio es una dádiva

que retorna a Ryuji Tsukazaki

al único lugar al que desde los veinte años

ha estado destinado

la gloria

la gloria del marino toca la fría mano de Noboru

recibe la taza de té

y el líquido

desciende por su esófago:


Capítulo VI


El hedor a humano no es tan desagradable

como el hedor a padre

seres mutilados que concentran sus anhelos

su falta de voluntad e ignorancia en

sus hijos


ser un padre significa

ser un constructor del sinsentido humano.



Gogo No Eiko, carta a Mishima em seis capítulos


Capítulo I


O génio penetra no quarto de sua mãe

quando será justo aparecer por este buraco?

O génio Noboru decidiu que aparecer no mundo de sua mãe

é a vingança certa

seus olhos vão aparecer no quarto sempre que sentir ódio

cada vez que sua mãe lhe ralha

nos dias tranquilos não aparecerá, tampouco nos melancólicos

em que a mãe chora a morte do marido


Noboru não tem nostalgia

a nostalgia é coisa dos débeis

e ele é um génio que transmite justa e perfeita vingança

é claro que não o move o fraco temperamento que aflige os humanos

a vingança em Noboru é veredicto do génio supremo que converte a morte em beleza

alcançar a glória entre o sangue dos homens da raça cadáver


Noboru castiga a sua mãe espiando-a, observa a corrupção nos seus gestos

nos sues dedos, ancas, seios e toda ela

Noboru, o jovem japonês de treze anos, observa como a sociedade

converteu a sua mãe num ser humano

insignificante

mas hoje é diferente

a vingança que é destino

traiu Noboru, um herói

a partir do orifício do mundo

observa um marinheiro penetrar sua mãe

o instante da carícia torna-se o infinito rasgo

da via láctea sobre o mar

as estrelas fendem a água, purificam-na

transmutam-no na única coisa que importa sobre o mundo

sim, o mar e talvez um barco


é possível outra forma

de beleza?


Capítulo II


O genuíno ouro da carne alcança-se graças à morte

não qualquer morte

o génio tem a capacidade de dar morte

só a morte pode libertar o homem

seis génios, o número um, o dois, o três, quatro, cinco e seis

seis génios japoneses de treze anos

com o poder da justiça

cercam um gato

o gato desfeito pelas mãos do génio é apenas um preâmbulo

os seis génios japoneses odeiam e sabem que a sociedade carece de sentido

sobretudo

sabem que a origem da corrupção humana

é a paternidade

não há pior crime do que ser pai



Do gato resta o fígado flácido

a consciência suprema do génio

executou a sua primeira sentencia:


Capítulo III


A felicidade por qualidade intrínseca não pode ser descrita

o verso anterior não diz nada sobre a felicidade

é um resíduo de letras inertes sem significado mas com alusões

a camisa molhada de Ryuji Tsukazaki tampouco pôde ser descrita

não por isso deixa de ser punível

Ryuji Tsukazaki mente diante de Noboru

Ryuji Tsukazaki deve ser julgado pela camisa molhada

mas principalmente

por permanecer na terra

deixar o seu sangue heróico

o seu cheiro a mar

abandoná-lo pela cor ocre de Fusako


Noboru, o jovem de treze anos

julgará Ryuji Tsukazaki

com cada palavra virá uma lembrança

e pouco a pouco os olhos de Ryuji Tsukazaki encher-se-ão de fantasmas

todos convocados por Noboru

Noboru desfrutará do espetáculo

concertará o eco

da morte heróica

para Ryuji Tsukazaki:


Capítulo IV


Envenenado por Fusako

Ryuji Tsukazaki regressa ao mar

Noboru inveja-o, orgulha-se deste homem divino que deixa a terra

mas a luz do oriente cegou Noboru

não consegue perceber que Ryuji Tsukazaki

volve ao mar feito moribundo

destroçado pelo enamoramento dos cadáveres humanos

Ryuji Tsukazaki despede-se amavelmente

como todo o moribundo que parte para uma morte vil

entre humanos

entre sociedade com trabalhos normais

com família

sem beleza, sem julgamento


Fusako escurece ao afastar-se do divino marinheiro

como a polpa de uma maçã em contacto com o ar

começa sua putrefação

Ryuji Tsukazaki converteu Fusako em fruta dos deuses

agora

Fusako será uma maçã mordida que espera voltar à terra

será lixo

um humano da época:


Capítulo V


Olhar furtivamente os adultos

o ritmo que canta o sangue

a liberdade

o homem divino julgado por deixar cair as suas águas

sobre a terra e querer habitá-la

os génios julgam e o seu julgamento é una dádiva

que retorna a Ryuji Tsukazaki

ao único lugar ao qual desde os vinte anos

esteve destinado

a glória

a glória do marinheiro toca a fria mão de Noboru

recebe a chávena de chá

e o líquido

desce pelo seu esófago:


Capítulo VI


O fedor a humano não é tão desagradável

como o fedor a pai

seres mutilados que concentram os seus desejos

a sua falta de vontade e ignorância em

seus filhos


ser um padre significa

ser um construtor do sem-sentido humano.


28 janeiro 2021

ariatna gámez soto

 

Piélago


La hinchazón y el agua con sal vivirán aquí,

en esto que agoniza en mi garganta;

porque he recogido el mar con los dientes y, ahora,

él es una muela gigante

y yo un monstruo demasiado pequeño para sus colmillos.


Mis huesos se deshacen en esta piel de arena manchada.

Los cabellos son olas que golpean mi destino

cubierto de piedras que danzan sobre el lodo cárdeno.


Seré profundidad oceánica que se pierde en su propio castigo,

con los labios de la marea azotada

que me ha arrastrado hasta aquí

y me deja para convertirme en nácar.



Pélago


O inchaço e a água salgada viverão aqui,

naquilo que agoniza em minha garganta;

porque recolhi o mar com os dentes e, agora,

ele é um molar gigante

e eu sou um monstro pequeno demais para os seus caninos.


Meus ossos desfazem-se nesta pele de areia manchada.

Os cabelos são ondas que batem no meu destino

coberto de pedras que dançam sobre o lodo cárdeo.


Serei profundidade oceânica que se perde em seu próprio castigo,

com os lábios da maré açoitada

que me arrastou até aqui

e me deixa para me converter em nácar.

25 janeiro 2021

idoia arbillaga

 

XX

Desbroza la cáscara en el jardín de nueces.

Atraviesa la corteza

de la nuez tuya.

Si estás lleno sólo de ti mismo,

nada podrá llenarte.

Haz paso a la luz,

atraviesa lo oscuro.

Crea el espacio, en ti.

Y espera.


III

Me asombra el imposible estado

en que el amor se instala

en las esquinas de la lluvia,

e incendia el agua.

Llega tu rostro, hoja en raro temblor,

protección de mis estambres.


XXIII

La muerte es un baño de mercurio

que te unge al nacer.

Funde en nieve tu esqueleto,

llena tu piel de sed azul.

La muerte es irreal

como la vida.



XX

Remove a casca no jardim de nozes.

Trespassa a crosta

da noz tua.

Se estiveres cheio só de ti próprio,

nada te poderá encher.

Dá passagem à luz

atravessa o escuro.

Cria o espaço, em ti.

E espera.


III

Espanta-me o impossível estado

em que o amor se instala

nas esquinas da chuva,

e incendeia a água.

Chega o teu rosto, folha em raro tremor,

proteção dos meus estames.


XXIII

A morte é um banho de mercúrio

que te unge ao nascer.

Derrete na neve o teu esqueleto,

enche a tua pele de sede azul.

A morte é irreal

como a vida.


22 janeiro 2021

marina casado

 

Toda la luz


No había conocido aún las espinas del mundo.

Dentro de aquella mano, grande como un tumulto

de golondrinas viejas,

fui una niña coleccionista de veranos,

tendente a la melancolía,

que soñaba con hadas y temía los años

en los que nadie pudiera protegerme.

Cuando miro mecerse las hojas de los árboles

en los columpios amarillos que levanta el otoño,

los escombros de una ciudad atardecida,

siento en mi mano todavía

la sombra de su mano,

regalándome, como entonces,

toda la luz.




Toda a luz


Ainda não tinha conhecido o farpado do mundo.

Dentro dessa mão, grande como tumulto

de andorinhas velhas,

fui uma menina colecionadora de verões,

tendente à melancolia,

que sonhava com fadas e temia os anos

em que ninguém me pudesse proteger.

Quando olho as folhas das árvores

nos balancés amarelos que o outono levanta,

os escombros de una cidade entardecida,

sinto na minha mão ainda

a sombra da sua mão,

oferecendo, como então,

toda a luz.


19 janeiro 2021

angélica santa olaya

 

En laberinto

viaja la necedad

del caracol


No labirinto

viaja a necedade

do caracol


Soñaba el árbol

desatar el cabello

claro del sol


Sonhava a árvore

desatar o cabelo

claro do sol


16 janeiro 2021

cristina rentería garita

 

Adiós, mamá


La niña mira por la ventana, se aleja de la clase de Geografía.

La semana pasada, la Muerte llegó a la hora de comer, se sentó en la silla junto a ella y ahí sigue, callada mientras hace la tarea y mamá plancha ropa ajena.

Los años pasan, la niña come a la misma hora, deja de merendar y empieza con los amores. Antes salir de casa, mira a la cocina: la Muerte ahí sigue, impávida en medio de alguna fiesta familiar o mientras mamá hornea pasteles para vender.

Una tarde de abril, con sus hijos crecidos, la niña devuelve la mirada a la Muerte. No va a rogar sino a establecer límites. Entonces, mamá besa sus nietos, la abraza fuerte y, tranquila, sale de la cocina.

-Vámonos -dice.

Y la Muerte, por fin, se levanta de la silla.


Adeus, mãe

A miúda olha pela janela, alheia-se da aula de geografia.

Na semana passada, a Morte chegou à hora da refeição, sentou-se na cadeira da mesa e lá continua, calada enquanto faz o trabalho e a mãe passa a ferro a roupa de outros.

Os anos passam, a miúda come à mesma hora, deixa de lanchar e começa com os amores. Antes de sair de casa, olha para a cozinha: a morte permanece lá, impávida no meio de alguma festa familiar ou enquanto a mãe faz tortas para vender.

Numa tarde de abril, com os seus filhos crescidos, a miúda devolve o olhar à Morte. Não para pedir mas para estabelecer limites. Então a mãe beija os seus netos, abraça-a com força e, tranquila, sai da cozinha.

- Vamos embora - disse

E a Morte, por fim, levanta-se da cadeira.