25 abril 2020

raquel jaduszliwer


Padre habla
dice
cuida de los rebaños hija
hasta tu último día

ese es nuestro legado somos tribus de exilio
dispersiones en tiempos de nevada

cuida de los rebaños
las pasturas
atrás quedaron las casas incendiadas
todo lo abandoné para que un día nacieras

ah cómo arrancarme hija
esa bala de plata que sigue disparándose

así hablaba mi padre
quedó escrito:

todos los sobrevivientes somos huérfanos
todo el tiempo del mundo sigo viendo las casas incendiadas.


O pai fala
diz
cuida dos rebanhos filha
até ao teu último dia

Esse é o nosso legado somos tribos de exílio
dispersões em tempos de nevão

cuida dos rebanhos
das forragens
para trás ficaram as casas incendiadas
abandonei tudo para que um dia nascesses

ah como arrancar de mim filha
essa bala de prata que continua a disparar

assim falava o meu pai
ficou escrito:

todos os sobreviventes são órfãos
durante todo o tempo do mundo continuo a ver as casas incendiadas

19 abril 2020

agustina lescano


La botella y yo
transpiramos en la vereda
el aire está casi tan espeso
como la calle
y deja a todos en el barrio
mirando hacia el fondo de la avenida
como si fuera a pasar algo.
A la hora de siempre
aparece el loco
corriendo con la camisa abierta
y en la mano una bolsa de mercado
vacía y con los bordes descosidos
donada por alguna familia
que ahora usa bolsas de plástico
para comprar cosas y después tirarlas.

Yo era chica y un tipo en la tele
hablaba sobre el tema: linyeras
salí a la puerta y le pregunté a mamá
qué era.
Apareció el loco a la misma hora
y mi mamá señaló con la cabeza
yo lo quedé mirando y él me gritó
y siguió corriendo
qué pasa, nena
nunca viste un hombre.


A garrafa e eu
transpiramos na calçada
o ar está quase tão espesso
como a rua
e põe todos no bairro
a olhar para o fundo da avenida
como se estivesse para se passar alguma coisa.
À hora de sempre
aparece o maluco
a correr com a camisa aberta
levando na mão um saco de compras
vazia e com as pontas descosidas
doado por alguma família
que agora utiliza sacos de plástico
para comprar coisas e depois tirá-las.

Eu era miúda e um tipo na tv
falava sobre o assunto: vadios
fui à porta e perguntei à minha mãe
o que era isso
Apareceu o maluco à mesma hora
e a minha mãe apontou-o com a cabeça
eu fiquei a olhar para ele e ele gritou-me
e continuou a correr
que se passa, miúda
nunca viste um homem?



16 abril 2020

marge piercy


The cat song

Mine, says the cat, putting out his paw of darkness.
My lover, my friend, my slave, my toy, says
the cat making on your chest his gesture of drawing
milk from his mother’s forgotten breasts.

Let us walk in the woods, says the cat.
I’ll teach you to read the tabloid of scents,
to fade into shadow, wait like a trap, to hunt.
Now I lay this plump warm mouse on your mat.

You feed me, I try to feed you, we are friends,
says the cat, although I am more equal than you.
Can you leap twenty times the height of your body?
Can you run up and down trees? Jump between roofs?

Let us rub our bodies together and talk of touch.
My emotions are pure as salt crystals and as hard.
My lusts glow like my eyes. I sing to you in the mornings
walking round and round your bed and into your face.

Come I will teach you to dance as naturally
as falling asleep and waking and stretching long, long.
I speak greed with my paws and fear with my whiskers.
Envy lashes my tail. Love speaks me entire, a word

of fur. I will teach you to be still as an egg
and to slip like the ghost of wind through the grass.


Cantiga do gato

Minha, diz o gato, pondo a sua pata fora do escuro.
Minha amante, minha amiga, minha escrava, meu brinquedo, diz
o gato, performando no teu peito o seu passo de
leite das tetas esquecidas da mãe.

Vamos andar pelos bosques, diz o gato.
Vou ensinar-te a ler o manual dos aromas,
a camuflares-te nas sombras, a esperar como uma armadilha, a caçar.
Agora deixo-te este bojudo rato quente no teu tapete.

Alimentas-me, eu tento alimentar-se, somos amigos,
diz o gato, embora eu seja mais igual que tu.
Consegues saltar vinte vezes mais do que a altura do teu corpo?
Consegues subir e descer árvores a correr? Saltar entre telhados?

Vamos esfregar os nossos corpos juntos e falar de toque.
As minhas emoções são como cristais de sal, puras e duras.
O meu desejo brilha como os meus olhos. De manhã canto para ti
passeando vezes sem conta na tua cama e no teu rosto.

Vem, vou ensinar-te a dançar com a mesma naturalidade
de adormecer e acordar e espreguiçar longo, longo.
Digo ganância com as minhas patas e medo com os meus bigodes.
Inveja chicoteia minha cauda. O amor fala-me inteiro, uma palavra

de pelo. Vou ensinar-te a ficar imóvel como um ovo
e a caminhares em silêncio como o fantasma do vento pela relva


13 abril 2020

triin soomets



Ma näen su käsi
mis on mulle laulnud
söötmas linde võõra linna väljakul.
Näen omagi verd kandmas suuri laevu,
näen neid uppumas ja ärkamas
sadamas, mis on saatnud kaile oma ilusamad tüdrukud.
Näen sind väljumas kõrtsist, sa ei ole kaotanud midagi.
Näen kõrtsi kokku varisemas.
Näen linde ehmatamas lendu su silmi.

Vejo as tuas mãos
que me cantaram
ao dar de comer aos pássaros numa cidade alheia.
Vejo barcos enormes flutuando no meu próprio sangue,
Vejo como naufragam, vejo como emergem
No porto que mandou as suas raparigas mais bonitas para o molhe.
Vejo-te a sair da taberna, não perdeste nada.
Vejo a taberna a esboroar-se.
Vejo os pássaros a voar assustados nos teus olhos.

10 abril 2020

anna orlítskaya


наш кинотеатр

поле тонет в тумане
вспыхивают васильки
и ни одна птица
не нарушит тишины
прерывистым криком

в следующем кадре
мы идем по пустыне
несем кувшин молока
ты отвечаешь на все вопросы кивком головы
у меня неделю назад сломались часы
в следующем кадре мы идем назад

мы доходим до осени
перелистываем календарь
отмечаем дату красным карандашом
мы еще вернемся и в эту комнату, и к этим карандашам
пыльный подоконник протрем

поседевшие васильки в пол-литровой банке стоят на окне
за окном – река
до краев полна молока
и смерти нет



o nosso filme

o campo naufraga no nevoeiro
brilham as centáureas
e não existe pássaro
que quebre o silêncio
com o seu grito descontínuo

no próximo fotograma
caminhamos no deserto
levamos uma garrafa de leite
com movimentos de cabeça respondes a todas as perguntas
o meu relógio avariou-se há uma semana
no fotograma seguinte voltamos

chegamos até ao outono
damos a volta ao calendário
marcamos a vermelho a data
regressaremos e estes lápis a este quarto
limparemos o peitoril coberto de pó

na janela centáureas encanecidas num frasco de meio litro
depois da janela, um rio
repleto de leite até à borda
e de morte já não mais

07 abril 2020

odette alonso


Hormigas en el muro

La guerra empezó allí
tras la verja del patio de la abuela
en las tardes ardientes del verano.
Mezclábamos el alimento
escaso
en mesas que no tuvieron serpentinas
en copas que después ya nunca vimos.
Eran extrañas ciertas frutas en el trópico
hormigas en el muro sí
y lagartos verdecidos
lanzándonos preguntas sin respuesta.
Endeble como el recuerdo
humo y polvo se confunden.
En cuál esquina se agazapan los dolores
adónde el miedo.
Algo cruzó la mesa
una polilla acaso
un resplandor
tal vez la luz de aquel verano.


Formigas na parede

A guerra começou ali
atrás da cancela do pátio da avó
nas tardes ardentes do verão.
Misturávamos o alimento
escasso
em mesas que não tiveram serpentinas
em copos que depois não voltámos a ver.
Eram esquisitas algumas frutas no trópico
formigas na parede sim
e lagartos esverdeados
lançando-nos perguntas sem resposta.
Frágil como a lembrança
fumo e pó se confundem.
Em que esquina se agacham as dores
lugar do medo.
Qualquer coisa atravessou a mesa
uma mosca talvez
um esplendor
quem sabe a luz desse verão.


04 abril 2020

patricia garcía-rojo



cuando yo no sabía lo que era amor,
amaba.
y cuando no sabía lo que era penar,
esparcía lágrimas terribles
en las escaleras.
porque esgrimía
la fuerza invencible de la inexperiencia.
ojalá el yo sólo sé
que no nada fuera
impulso para crear y no parálisis
de la conciencia.


Quando eu não sabia o que era amor,
amava.
e quando não sabia o que era penar,
espargia lágrimas terríveis
nas escadas.
porque esgrimia
a força invencível da inexperiência.
oxalá o eu só sei
que nada sei fosse
impulso para criar e não paralisia
da consciência


01 abril 2020

kim jensen


To have loved

To have wanted the whole fruit
and to have received such a thin slice.
To have nursed two orphans on my chest
nourished their flesh to fullness
and still
the milk streaming forth
as if from an endless wound.

To have thrown the grenade
and watched it roll
as if wasn’t me
who’d thrown it at all.
The shadow of my hand
in the quiet of my lap. The unreadable
stations of my poems.

To have tossed the grenade and watched it
changing positions. There
on the marble steps. Now
tumbling across the courtyard.
Now, turning of its own accord
and rolling
toward me.


Ter Amado

Ter querido a fruta toda
e ter recebido um naco tão fino.
Ter amamentado dois órfãos com o peito
nutriu as suas carnes em pleno
e mesmo assim
o leite flui
como de uma ferida interminável.

Ter lançado uma granada
e tê-la visto rolar
como se não tivesse sido eu
quem a tivesse lançado.
A sombra da minha mão
na quietude do regaço. As estações
ilegíveis dos meus poemas.

Ter abanado a granada e vê-la
mudar de posição. Ali
nos degraus de mármore. Agora
cai no pátio.
Agora, gira por si própria
e rola
até mim.


29 março 2020

américa merino


Y no exige libertad
esta ciudad de cielo negro y estrellas negras.

En ella habitan insectos que
desprendiéndose de sus alas
a propia voluntad
busca una muerte rápida:

la incapacidad del vuelo crea cadáveres.


E não exige liberdade
esta cidade de céu negro e estrelas negras.

Nela vivem insetos em que
desprendendo-se das suas asas
a própria vontade
procura uma morte rápida :

a incapacidade do voo cria cadáveres.


26 março 2020

nadia sol



por las noches mi gato y yo
compartimos los mismos rituales
a él le gusta comer su comida
en la oscuridad
y salir
yo agarro un cigarrillo
y salgo al patio
trago el humo en silencio
mientras todos duermen
le rendimos culto a la oscuridad
merodeamos silenciosos
él, en la calle
yo, con mis pensamientos
nos abrazamos a la oscuridad
porque solo ahí
somos dueños de algo
más esencial
que nosotros mismos


à noite o meu gato e eu
temos os mesmos rituais
ele gosta de comer as suas coisas
na escuridão
e sair
eu pego num cigarro
e saio para o pátio
engulo o fumo em silêncio
enquanto todos dormem
prestamos culto à escuridão
erramos silenciosos
ele, na rua
eu, com os meus pensamentos
abraçamo-nos na escuridão
porque só aí
somos donos de alguma coisa
mais essencial
que nós próprios.



23 março 2020

valentina ghelfi


Il Signore Sconosciuto

L’ho incontrato
Una notte in cui Volevo
Non capire niente
Non ricordare niente
Esagerare tutto

Ci siamo incrociati
E abbiamo deciso
Che saremmo stati
Per sempre sconosciuti

Così abbiamo ballato
Ci siamo, meglio, sorretti a vicenda
Crollando l’uno tra le labbra dell’altro
Ballando
Per dimenticare tutto l’ora dopo

A cavallo tra il giorno e la notte
Ci siamo finti grandi e spudorati
Siamo andati oltre la rete
Senza ben capire nulla
Correndo alla cieca
Sperando di trovare la perla
Tra le cosce dell’altro.


O Senhor Desconhecido

Dei com ele
Numa noite em que queria
não compreender nada
não lembrar nada
exagerar tudo.

Encontrámo-nos
e decidimos
que seríamos
para sempre desconhecidos.

De modo que dançámos
Agarrámo-nos, melhor, um ao outro
Caindo entre os lábios um do outro
Dançando
Para esquecer tudo o que vinha

A cavalo entre o dia e a noite
Fingimos ser grandes e descarados
Atravessámos a rede
sem bem compreender nada
Correndo às cegas
Esperando encontrar a pérola
entre as coxas do outro.




20 março 2020

andrea paola hernández


Negligencia

dejé que las pestañas me crecieran hasta las rodillas
esperando que regresaras
que recordaras dónde estaba la última vez que me viste
navegando mis túneles con precisión nocturna
como un felino en el bosque percibiendo lo inefable
estas lágrimas son un grifo dañado
una vez abierto no puede ser contenido
ahora mi bata de baño está roída
del día que me apuñalaste
y arranqué hebra por hebra
porque no podía quitarme
cabello por cabello

no dejaste ni uno

lo sé
sé que no te interesan las apariencias


Negligência

Deixei que os cílios me crescessem até aos joelhos
à espera que regressasses
que recordasses onde estava na última vez que me viste
navegando os meus túneis com precisão noturna
como um felino no bosque percebendo o inefável
estas lágrimas  são uma torneira danificada
uma vez aberta não pode ser contida
agora o meu roupão de banho está rasgado
pelo dia em que me apunhalaste                    
e que arranquei fio por fio
porque não podia arrancar
cabelo por cabelo

não deixaste nem um

ben sei
sei que não te interessam as aparências