19 junho 2018

irizelma robles álvarez


Horchata

Secas por el centro
recogen a sus hijos en la falda
como granos de arroz
de sus pechos envanecidos sale
un hilo de leche sin espumar
agua de horchata
las crías se arrebolan en su pecho
en las sayas del hambre

Junco

Secas ao meio
recolhem os seus filhos no colo
como grãos de arroz
dos seus peitos vaidosos sai
um fio de leite sem espuma
água de junco
as crias enrubescem no seu peito
nas saias de fome


13 junho 2018

laura garcía del castaño


Cautiverio

Esta cueva es mi casa
esta lentitud y esta métrica
para caminar entre las cáscaras
es mi diálogo con el bosque
mi forma de no olvidar el regreso.
El sendero original estará lleno de maleza
Habrán levantado una fábrica, un templo
una antena provisoria
que baje el mundo a las alturas
Soy la bestia en un rectángulo
que podría ser la habitación de un hombre
donde entran él y su cama
y con suerte una silla
Dar el zarpazo a la mosca atraída
por la corpulenta pasividad y el encanto
de la antigua destreza
Pensar en ella como en el salmón
que se entrega manso
lejos del chorro
Pero es tan solo una mosca
disputándome el azúcar
que un niño nos arroja.
Llueve en esta jaula
comida por los hormigueros
El agua del hipopótamo se ha llenado de hojas
Una tortuga ha quedado suspendida
en un alto del cemento
Quien dice que los animales no sufren senilidad
extrañeza, estreñimiento?
Qué hace a este lugar distinto a un hospital
o a una cárcel?
Quien puede asegurar
que esa tortuga a la orilla del piletón
como ese viejo recostado en el arco del geriátrico
no esperan
a costa de ahogarse
la corriente milagrosa
que los devuelva al mar.


Cativeiro

Esta cova é a minha casa
esta lentidão e esta métrica
para caminhar entre as cascas
é o meu diálogo com o bosque
a minha forma de não esquecer o regresso.
O trilho original estará cheio de mato
Terão erguido uma fábrica, um templo
uma antena provisória
que desça o mundo às alturas
Sou a besta num retângulo
que podia ser o quarto de um homem
onde cabem ele e a sua cama
e com sorte uma cadeira
Esbofetear a mosca atraída
pela corpulenta passividade e o encanto
da antiga destreza
Pensar nela como no salmão
que se entrega manso
longe da corrente
Porém é apenas uma mosca
disputando o açúcar
que uma criança nos atira
Chove nesta jaula
comida pelos formigueiros
A água do hipopótamo encheu-se de folhas
Uma tartaruga ficou suspensa
no alto do cimento
Quem diz que os animais não sofrem de senilidade,
estranheza, prisão de ventre?
O que torna este lugar diferente de um hospital
ou de uma prisão?
Quem pode garantir
que esta tartaruga na margem da poça
como este velho reclinado no arco da geriatria
não esperam
às custas do afogamento
a corrente milagrosa
que os devolva ao mar.


10 junho 2018

nicole vera


Gracia

Sería bueno que me visitaras hoy
porque se está lavando el sabor de la lenteja
y mis historias gastándose.
Ayer por ejemplo llovió y las gotas estuvieron desafinadas,
flojas.
La lluvia es miserable en piloto automático.
Para llamarte preparé mi tina incompleta con aceite de tomillo y agua de naranja,
de soundtrack escogí rock y de compañía al perro
que me anda diciendo que le caigo mejor con vos.

Graça

Era bom que me viesses ver hoje
porque está-se a lavar o sabor da lentilha
e as minhas histórias estão a gastar-se.
Ontem por exemplo choveu e as gotas estavam desafinadas,
frouxas
A chuva é miserável em piloto automático.
Para te chamar preparei a minha banheira incompleta com azeite de tomilho e água de laranja,
de soundtrack escolhi rock e para companhia ao cão
que me anda a dizer que gosta mais de mim convosco.



07 junho 2018

albanella chávez turello


apuntes frente al espejo

supe de la neblina
y salí al mundo
Odette Alonso

mi nombre me fue dado como frontera.
mi cuerpo es una casa redonda y vacía de muebles en tránsito, pronta a devenir ceniza.
mi lengua fue, es y será el espacio incólume que ni la muerte ni el silencio ni el delirium tremens podrán rematar.
aquello que me saca de ser letra, marca, columna tachada o narrativa abstracta, es una forma larga y carnívora, que restriega su nariz húmeda en rojas palabras, como intuyendo mi tránsito al espacio inhabitable que distancia mi columna cóncava de mi respiración cortada.

Apontamentos perante o espelho

soube da neblina
e saí para o mundo
Odette Alonso

o meu nome foi-me dado como fronteira.
o meu corpo é uma casa redonda e vazia de móveis em trânsito, prestes a tornar-se cinza.
a minha língua foi, é e será o espaço incólume que nem a morte, nem o silêncio nem o delirium tremens conseguirão acabar.
aquilo que faz com que deixe de ser letra, marca, coluna riscada ou narrativa abstrata, é uma forma longa e carnívora que esfrega o seu nariz húmido em vermelhas palavras, como se intuísse o meu trânsito no espaço inabitável que distancia a minha coluna côncava da minha respiração cortada.



04 junho 2018

lily sánchez


Comensal

Una cuchara caliente
atraviesa los labios de una niña
una lengua se incendia
un comensal mira.
Todos somos
esperma moviendo la cabeza
en un océano mundano.

Comensal

Uma colher quente
atravessa os lábios de uma criança
incendeia-se uma língua
um comensal olha.
Todos somos
esperma a mover a cabeça
num oceano mundano



01 junho 2018

laura forchetti


8 Estándar

como un par de guantes deshechos
S. Plath

fuimos a ver el cadáver
en la playa
ese gran objeto azul
carne casi negro
que arrojó el mar
con un gesto de maestro
de ceremonias
su gran reverencia
a nuestros pies

el olor era el único pensamiento

imaginaba que quedaría ahí
para siempre
en la arena
no habría forma
de quitarla devolverla
tal vez cortar en trozos
la grasa
el cuero oscuro
los huesos cúbicos
los arcos perfectos
y el cráneo largo donde hubo
olfato mirada orientación

un extravío que el mar
bañaría en cada marea

pero no quedó nada
estuvo para nosotras
una sola tarde
bajo el sol

llegamos en excursión
por el entusiasmo de mi padre
de llevar a las nenas a ver
una ballena
de cerca

un cachalote –dijo

no me gustó esa palabra
me gustaba llamarla
ballena azul ballena
ondulaba alrededor de mi boca

la gente subía al cuerpo desnudo
lo recuerdo-
como si no hubiera estado
vivo

hubo que lavar las zapatillas después
también las nuestras
aunque no intentamos subir

toda la playa estaba llena
de su materia derramada
canales en la arena
que el mar no alcanzaba
a lavar

mi padre hacía fotografías
pero ninguna quería detenerse
posar frente a esa cosa
pudriéndose en medio de la
fiesta

nadie se daba cuenta
que ya no respiraba
su gran pulmón de flores
de agua
árboles de oxígeno brillante
vuelto una bolsa arrojada
en la orilla
secándose como una cáscara

el revuelo de las aves
hambrientas
en medio de las cabezas
de los hombres
como recién creadas para esa
avidez

¿qué vimos esa tarde?


8 Padrão

como um par de luvas desfeitas
S. Plath

fomos ver o cadáver
na praia
esse grande objeto azul
de carne quase preta
que lançou o mar
com um gesto de mestre
de cerimónias
sua grande reverência
a nossos pés

o cheiro era o único pensamento

julgava que ficaria aí
para sempre
na areia
não forma
de tirá-la de a devolver
talvez cortar em pedaços
a gordura
o couro escuro
os ossos cúbicos
os arcos perfeitos
e o crânio longo onde existiu
olfato olhar orientação

um extravio que o mar
banharia em cada maré

mas não ficou nada
esteve para nós
uma só tarde
sob o sol

chegamos em excursão
pelo entusiasmo do meu pai
em levar as meninas a ver
uma baleia
de perto

um cachalote –disse

não gostei dessa palavra
gostava de a chamar
baleia azul baleia
ondulava à volta da minha boca

as pessoas subiam ao corpo nu
lembro -
como se não estivesse estado
vivo

tivemos que lavar as sapatilhas depois
também as nossas
embora não tentássemos subir
toda a praia estava cheia
da sua matéria derramada
canais na areia
que o mar não conseguia
lavar

o meu pai tirava fotografias
mas nenhuma queria deter-se
posar diante dessa coisa
apodrecendo no meio da
festa

ninguém dava conta
que já não respirava
o seu grande pulmão de flores
de água
árvores de oxigénio brilhante
devolvido em saco lançado
na margem
secando-se como uma casca

a comoção dos pássaros
famintas
no meio das cabeças
dos homens
como recém-criadas para essa
avidez

que vimos nessa tarde?



29 maio 2018

margaret randall


Preface

Nineteen-thirty-six. I hurried as always
but was late. Eight centuries
or ten thousand years,
my small story fixed to my back.
Food came weighed and wrapped,
shelter engorged as surplus.

My own, my own, my own
was a mantra I could sing
in any season.
I could be who I was
and also anyone else.

I was late and also much too early,
came to justice
before its time.
Unprepared to receive me,
its rough grasp hurt my hand,
embedded its promises in my flesh.

Juggling gender
I was early and also late.
Juggling children, service,
my explosion of words
on stone, parchment,
or floating cyber cloud.

Only poetry and love met me
where we laughed.
After so many false starts
they came in whole and sure
before the finish line.

My hand fit the ancient print,
a radius of living settled
on my shoulders.
I am lunar standstill now,
calendar of hope.

It is 2018, and I discover
I am perfectly on time.
Soon I will disappear
together with all my kind,
and the earth
with its synchronized clock
will wake some blue-green morning
its rhythms safe for a while.


Prólogo

Mil novecentos e trinta e seis. Apressei-me como sempre
mas era tarde. Oito séculos
ou dez mil anos
a minha pequena história sujeita ao meu redor.
A comida vinha bem embrulhada e peso certo,
a proteção e o refúgio engolidos como excesso.

A minha parte, a minha parte, a minha parte
era um mantra que eu podia cantar
em qualquer estação.
Podia ser quem era
e também outra pessoa.

Chegava tarde e igualmente demasiado cedo,
Vinda à justiça
antes de tempo,
impreparada para me receber
a sua rude maneira de me agarrar, magoava-me a mão
cravava as suas promessas na minha carne.

Prestidigitando o género
Chegava cedo e também tarde.
Crianças malabares, o serviço aos outros,
a explosão das minhas palavras
em pedra, em pergaminho
ou flutuando numa ciber-nuvem.

Só a poesia e o amor se encontravam comigo
onde nos podíamos rir.
Depois de tantos começos falsos
vinham inteiros e certos
antes da meta.

A minha mão ajustou a impressão antiga
um raio de viver estabelecido
que descansa nos meus ombros.
Agora sou a convergência lunar,
um calendário de esperanças

É 2018 e descubro
que estou exatamente a tempo.
Em breve desaparecerei
com toda a minha espécie
e a terra
com o seu relógio sincronizado
acordará numa manhã verde azul
os seus ritmos
seguros durante algum tempo

26 maio 2018

sujata bhatt


Ve a Ahmedabad

Ve y camina por las calles de Beroda,
ve a Ahmedabad,
ve y respira el polvo
hasta que te ahogues y te enfermes
con una fiebre que el doctor no conoce.
No me preguntes
porque no te diré nada
sobre el hambre y el sufrimiento.

Cuando era niña aprendí
a nunca correr a alguien
de nuestra puerta. Madre me dijo
que diera agua fresca, buena comida,
nada que yo no comiera.
El hambre es cuando tu madre
te dice años después
que en América un doctor dice
que ella está desnutrida,
sus huesos débiles
porque nunca hubo suficiente
comida para los niños,
ella y las mujeres que venían
a nuestra puerta con los suyos.
Los niños siempre deben estar alimentados.
El hambre es que tu madre esté enferma
en América porque ella quería
que comieras bien. El hambre es
cuando caminas las calles de Ahmedabad
y en lugar de repartir
monedas para todos
les das tomates, pepinos,
e ir a tu casa con la boca
saboreando hojas de eucalipto quemadas
porque has perdido
el apetito.
Y sin embargo, no digo nada
sobre el hambre, nada.

Tengo amigos por todas partes.
Esta vez nos encontramos después de diez años.
Alguien murió.
Alguien se casó.
Alguien acaba de tener un bebé.
Y cargo al bebé
porque está llorando,
porque hay una extraña erupción
por todo su pecho
y mi amigo pregunta
si tengo un hijo y por qué no
y cuándo me voy a casar.
Y el autobús llega
lleno de gente colgada
por fuera, en las puertas y ventanas.
Y su bebé llora
en mis brazos, sigue llorando
y un anciano se despierta
y me grita: ¿Cómo pude dejar
que mi hijo se enfermara?
Afortunadamente, en ese momento
alguien cuenta un buen chiste.

Tengo amigos por todas partes.
Esta vez nos encontramos después de diez años.
Y el sufrimiento es
cuando camino por Ahmedabad
porque este es el lugar
que siempre amé
este es el lugar
que siempre odié
porque este es el lugar
donde nunca podré estar en casa
este es el lugar
donde siempre estaré en casa.
El sufrimiento es
cuando estoy en Ahmedabad
después de diez años
y aprendo por primera vez
que nunca escogeré
vivir aquí. El sufrimiento es
vivir en América
y no poder
escribir una maldita cosa
al respecto. El sufrimiento no es
para que te lo cuente.

Ve y camina por las calles de Baroda,
ve a Ahmedabad
y camina por el estiércol de vaca
pero no olvides
mirar al cielo.
Es especial en enero,
nunca más verás cometas como estos.
Ve y conoce a la gente si puedes
y si quieres saber
sobre el hambre, sobre el sufrimiento,
ve y vívelo por ti mismo.
Cuando hay una epidemia,
cuando el doctor dice
que tu hermano puede morir pronto,
que tu padre puede morir pronto
no me preguntes cómo se siente.
No se siente bien.
Por eso hacemos
té con hojas de tulsi,
por eso siempre hay alguien
que sabe una buena historia.

Olha para Ahmedabad

Olha e caminha pelas ruas de Beroda,
olha para Ahmedabad,
vê e respira o pó
até te afogares e adoeceres
com uma febre que o médico não conhece.
Não me perguntes
porque não te direi nada
sobre a fome e o sofrimento.

Quando era miúda aprendi
a nunca expulsar ninguém
da nossa porta. A mãe disse-me
para dar água fresca, boa comida,
nada que eu não comesse.
A fome é quando a tua mãe
te diz após anos
que na América um médico disse
que ela está subnutrida,
de ossos débeis
porque nunca houve suficiente
comida para as crianças,
ela e as mulheres que vinham
à nossa porta com os seus.
As crianças devem estar sempre alimentadas.
A fome é a tua mãe estar doente
na América porque ela queria
que comesses bem. A fome é
quando andas pelas ruas de Ahmedabad
e em vez de partilhares
moedas com todos
lhes dás tomates, pepinos,
e ir a tua casa com a boca
a saborear folhas queimadas de eucalipto
porque perdeste
o apetite.
E no entanto não digo nada
sobre a fome, nada.

Tenho amigos em todas as partes.
Desta vez encontramo-nos ao fim de dez anos.
Alguém morreu.
Alguém se casou.
Alguém acaba de ter um bebé.
E carrego o bebé
porque está a chorar,
porque há uma estranha erupção
em todo o seu peito
e o meu amigo pergunta
se tenho um filho e porque não
e quando me vou casar.
E o autocarro chega
cheio de gente pendurada
por fora, nas portas e janelas.
E o seu bebé chora
nos meus braços, continua a chorar
e um velho acorda
e grita-me : Como pôde deixar
que o meu filho adoecesse?
Felizmente, nesse momento
alguém conta uma boa anedota.

Tenho amigos em todas as partes.
Desta vez encontramo-nos ao fim de dez anos.
E o sofrimento é
quando ando por Ahmedabad
porque este é o lugar
que sempre amei
este é o lugar
que sempre odiei
porque este é o lugar
onde nunca poderei estar em casa
este é o lugar
onde sempre estarei em casa.
O sofrimento é
quando estou em Ahmedabad
ao fim de dez anos
e aprendo pela primeira vez
que nunca escolherei
viver aqui. O sofrimento é
viver na América
e não conseguir
escrever uma maldita coisa
a esse respeito. O sofrimento não é
para te ser dito.
Olha e caminha pelas ruas de Baroda,
olha para Ahmedabad
e caminha pela bosta de vaca
mas não te esqueças
de olhar para o céu.
É especial em janeiro,
nunca mais verás cometas como estes.
Olha e conhece as pessoas se conseguires
e se quiseres saber
sobre a fome, sobre o sofrimento,
olha e vive-o em ti mesmo.
Quando há uma epidemia
quando o médico diz
que o teu irmão pode estar prestes a morrer,
que o teu pai pode estar prestes a morrer,
não me perguntes como se sente.
Não se sente bem.
Por isso fazemos
chá com folhas de manjericão,
por isso há sempre alguém
que sabe uma boa história.