26 agosto 2020

lorena isuani


Adolescencia

La niña que
desde la iglesia, vencida ya su timidez,
limitándose a suplicar
con un collar de cuentas azules,
pudo hacer perder la cabeza a un santo
hasta sacarle del cuerpo
una erupción volcánica.


Adolescência

A menina que
na igreja, superada já a timidez,
limitando-se a suplicar
por um colar de contas azuis,
conseguiu fazer perder a cabeça a um santo
até lhe tirar do corpo
uma erupção vulcânica.

23 agosto 2020

gabriela vargas aguirre


Hospitales 1

Todos los que están por morir saben tu nombre. Caminar dentro de un hospital debe ser lo más parecido a caminar al cielo. Niña de zapatos azules, no avances que no te gustará lo que hay dentro, no escuches esas voces que te llaman, que te ofrecen dulces, no jugarán contigo.

Todos los que están por morir saben tu nombre. Niña de zapatos azules, no brinques, no grites, no llames la atención que todos aquí quieren de ti un pedazo de vida, un riñón, un diente sano. No respires que la muerte se prenderá en tu nariz para convertirte en polvo y eso que llamas sombra, que es tu yo malo o tu yo noche, se meterá en tus huesos y te hará llorar.

Todos los que están por morir saben tu nombre. Poseen la cualidad de la piedra. De ahí mismo tu palidez, tu semejanza a la muerte, tu amparo a lo que se dice en voz baja, a jugar en la mitad más amarga del silencio. Quizás más tarde puedas ir a ver cómo sobre el agua van cayendo los cuerpos y, entonces, sabrás que desde ya estás moldeando un muerto.


Hospitais 1

Todos que estão prestes a morrer sabem o teu nome. Andar dentro de um hospital deve ser a coisa mais parecida a caminhar para o céu. Menina de sapatos azuis, não entres que não irás gostar do que está dentro, não ouças essas vozes que te chamam, que te oferecem doces, não vão brincar contigo.

Todos que estão prestes a morrer sabem o teu nome. Menina de sapatos azuis, não brinques, não grites, não chames a atenção que todos aqui querem de ti um pedaço da vida, um rim, um dente são. Não respires que a morte acender-se-á no teu nariz para transformar-te em pó e isso a que chamas sombra, que é o teu eu mau ou o teu eu noite, entrará no teus ossos e far-te-á chorar.

Todos que estão prestes a morrer sabem o teu nome. Possuem a qualidade da pedra. Daí a tua palidez, a tua semelhança com a morte, o teu abrigo do que se diz em voz baixa, para tocar na mais amarga metade do silêncio. Talvez mais tarde possas ir ver como sobre a água vão caindo os corpos e, então, saberás que já estás a moldar um morto.



20 agosto 2020

lorena saucedo


Sangre

Mi madre, vestida aún de negro, me mira desde el centro de la habitación. Sus ojos, olvidados de sí mismos. Su rostro, incapaz de elaborar gestos.
Sobre el sofá yace un oso de peluche que le pertenecía a mi abuela. Pienso entonces en el cadáver de mi abuela, enorme y aún blando. Un objeto, ahora, imposible de explicar.
Dejé de ver a mi abuela hace más de diez años. Para llegar a su casa había que atravesar el desierto y ella siempre estaba de mal humor y tenía hambre.
De mi abuelo recuerdo que olía a alcohol y cebollas, le gustaban los juegos de palabras, y como perdió todo en la inundación del 56, no le quedó más que vivir sin apresurarse.
Mi abuela, en cambio, es una forma perdidiza, como aquellos papeles que insertamos entre las páginas de un libro y jamás volvemos a ver.
“¿Qué es la sangre?”, siento urgencia de preguntarle a mi madre quien odia responder preguntas. Pero las palabras se me quedan en la garganta, como una llama extinguida.
Mi madre, mujer que nunca ha sabido qué hacer con sus manos, se sienta en el sofá y acaricia el muñeco distraídamente. Sus dedos, buscando entre el peluche los fantasmas del tacto de mi abuela.


Sangue

Minha mãe, vestida ainda de preto, olha-me do centro do quarto. Os seus olhos, esquecidos de si próprios. Seu rosto, incapaz de elaborar gestos.
No sofá jaz um urso de peluche que pertencia à minha avó. Penso então no cadáver da minha avó, enorme e ainda macio. Um objeto, agora, impossível de explicar.
Deixei de ver a minha avó há mais de dez anos. Para chegar à sua casa tinha de atravessar o deserto e ela estava sempre de mau humor e tinha fome.
Do meu avô lembro que cheirava a álcool e cebolas, gostava de jogos de palavras, e tendo perdido tudo na inundação de 56, só lhe restou viver sem correrias.
A minha avó, por sua vez, é uma forma perdidiça como aqueles papéis que inserimos entre as páginas de um livro e nunca voltamos a ver.
Que é o sangue?” Sinto urgência em perguntar à minha mãe que odeia responder a perguntas.
Mas as palavras ficam-me na garganta, como chama extinta.
A minha mãe, mulher que nunca soube o que fazer com as mãos, senta-se no sofá e acaricia o boneco distraidamente. Seus dedos procurando entre o peluche os fantasmas do tato da minha avó.


17 agosto 2020

maya angelou


Communication I

She wished of him a lover’s kiss and
nights of coupled twining
They laced themselves
between the trees
and to the water’s edge.
Reminding her
the cratered moon lay light years away
he spoke of Greece, the Parthenon
and Cleopatra’s barge.

She splayed her foot
up to the shin
within the ocean brine.

He quoted Pope and Bernard Shaw
and Catcher in the Rye.

Her sandal lost
she dried her toe
and then she mopped her brow.

Dry-eyed
she walked into her room and frankly told her mother
“Of all he said I understood,
he said he loved another.”


Comunicação I

Dele desejava ela um beijo amante e
noites de fusão.
Amplexaram-se
debaixo das árvores
à beira da água.
Lembrando-lhe
estar o brilho da lua e suas crateras a anos-luz de distância
ele falou da Grécia, do Pártenon
e da barcaça de Cleópatra.

Ela pôs o pé
e depois os joelhos
dentro da salmoura do oceano

Ele citou Pope e Bernard Shaw
e o Catcher in the Rye.

Ela perdeu a sandália
secou os pés
e limpou a testa

Com os olhos secos
foi para o seu quarto e sinceramente disse à mãe:
De tudo o que me disse,
a única coisa que percebi foi que amava outra”



14 agosto 2020

estefanía cabello


Única Zürn sobre fondo de primavera

He abrazado a Única Zürn en suelo extraño.
Me pareció una mariposa muerta
de la que se desprenden las alas poco a poco.

Yo sí habría sostenido tu miedo junto al umbral de la puerta, te
habría dicho ven, túmbate aquí
te dibujaré cruces en las palmas de las manos
para entender mejor las diferencias entre los sexos.

Sé que la soledad se nos antoja noble si estamos solas
pero se me antoja más noble cuando no dices nada
si, al menos, me devuelves la mirada
de animal asustado por la tormenta.

A todas mis historias le habría puesto tu nombre si te paras
aquí conmigo a mirarlas con tus ojos que saben cómo
nombrar la oscuridad.

Desde una edad tardía avisaste:
el mundo puede morir en un incendio,
arderé antes de que eso suceda.

Las cenizas hablarán de la vida más allá de la vida.
La vida no es suficiente para hablar de la vida.

A todos los críticos que decían que en ti no había locura, si no elección estética,
¿puede elegir la grieta no formarse
y el mudo, no hablar?


Única Zürn com a primavera em fundo

Abracei Única Zürn em terra estranha.
Pareceu-me uma borboleta morta
da qual se desprendem as asas aos poucos.

Eu sim teria mantido o teu medo junto ao limiar da porta, ter-te-ia
dito vem, cai aqui
desenhar-te-ei cruzes nas palmas das mãos
para compreender melhor as diferenças entre os sexos.

Sei que a solidão nos parece nobre se estivermos sós
mas parece-me mais nobre quando não dizes nada
se ao menos me devolvesses o olhar
de animal assustado pela tormenta.

Em todas as minhas histórias teria posto o teu nome se parasses
aqui comigo a vê-las com os teus olhos que sabem como
nomear a escuridão.

Foi de tardia idade que avisaste:
o mundo pode morrer num incêndio,
arderei antes que isso aconteça

As cinzas falarão da vida para além da vida
A vida não é suficiente para falar da vida.

A todos los críticos que diziam que em ti não havia loucura, mas escolha estética,
pode escolher a fenda não se formar
e o mudo não falar?

11 agosto 2020

violeta niebla


Santa Luisa

después de ir a un colegio de monjas
la culpa es lo que más pesa

mi relación con el dinero empieza ahí:
contando las monedas de la virgen

ha llegado el momento de manchar la poesía con dinero
con esa mugre que se queda en los dedos
después de contar muchos billetes
o después de contar el mismo muchas veces

todos los días miro mis cuentas bancarias
(antes me miraba más en el espejo)
ahora mis defectos están guardados en una cuenta nómina.


Santa Luísa

depois de ir a um colégio de freiras
a culpa é o que mais pesa

a minha relação com o dinheiro começa aí:
contando as moedas da virgem

chegou o momento de manchar a poesia com dinheiro
com esse sujo que fica nos dedos
depois de contar muitas notas
ou depois de contar o mesmo muitas vezes

Todos os dias vejo as minhas contas bancárias
(antes via-me mais ao espelho)
agora os meus defeitos estão guardados numa folha de pagamento.



08 agosto 2020

frida khalo


Recuerdo

Yo había sonreído. Nada más. Pero la claridad fue en mí, y en lo hondo de mi silencio.
Él me seguía. Como mi sombra, irreprochable y ligera.
En la noche, sollozó un canto…
Los indios se alargaban, sinuosos, por las callejas del pueblo.
Iban envueltos en sarapes, a la danza, después de beber mezcal.
Un arpa y una jarana eran la música, y la alegría eran las morenas sonrientes.
En el fondo, tras el Zócalo, brillaba el río. Y se iba, como los minutos de mi vida.
Él me seguía.
Yo terminé por llorar. Arrinconada en el atrio de la Parroquia, amparada por mi rebozo de bolita, que se empapó de lágrimas.


Lembrança

Eu tinha sorrido. Apenas isso. Mas a claridade foi em mim, e no fundo do meu silêncio.
Ele seguia-me. Como sombra minha irrepreensível e leve
À noite soluçou um canto …
Os índios estendiam-se, sinuosos, pelos becos da vila.
Estavam envoltos com ponchos, na dança, depois de beberem mescal.
Uma harpa e uma farra eram a música e a alegria estava nas morenas sorridentes.
Ao fundo, depois do pedestal, brilhava o rio. E fluía, como os minutos da minha vida.
Ele seguia-me.
Acabei a chorar. Encurralada no átrio da Paróquia, abrigada pelo meu surto de bolinha, que se encharcou de lágrimas.



05 agosto 2020

valeria list


Los árboles nunca se sientan
de vez en cuando alguno se apoya en el de al lado.

Los árboles lloran una vez al año
y dejan su testimonio de hojas sueltas.

No tienen refranes
son un testigo longevo de la cultura humana.

Un día Buda se iluminó bajo uno de ellos
otro día un hombre atropelló el último parado en Teneré.

Todos los brazos de los árboles sirven para detener el cielo
que a veces se cae.

Son una lección de vida y de muerte pero sobre todo de temporalidad.

Los árboles dan a luz muy lejos de sí mismos.


As árvores nunca se sentam
de vez em quando alguma se apoia na do lado.

As árvores choram uma vez por ano
deixando testemunho nas folhas caídas.

Não têm provérbios
são um testemunho longínquo da cultura humana.

Uma vez Buda ficou iluminado debaixo de uma delas
outra vez um homem atropelou a última parada em Teneré.

Todos os braços servem para deter o céu
que às vezes cai.

São uma lição de vida e morte mas sobretudo de temporalidade.

As árvores dão à luz muito longe de si mesmas.


02 agosto 2020

melinna guerrero


2.
Los ahogados son bellos y azules
Christian Peña

Esta noche te cuento que los ahogados son bellos y azules,
y juntos aprendemos el nombre del poeta que escribió este verso.
Tú en cambio piensas en aquellos ahogados que provienen de las piscinas, de cualquier alberca,
las bañeras o la corriente de ciertos ríos.
Tú, por ejemplo, entiendes que el mar de los acuarios
no es menos mar que el Pacífico,
que fue allí donde supiste cuánto duele regresar a la ciudad después de ver una ola como esta
y saber que su altura no es menor a la de un edificio,
a la de un puente,
donde también los ahogados son bellos y azules;
el chico que salta a la seis de la mañana y la hora pico
porque su movimiento, te parece,
tiene algo de nado,
de agua
y de pez ciego.


2.
Os afogados são belos e azuis
Christian Peña

Esta noite conto-te que os afogados são belos e azuis
e juntos aprendemos o nome do poeta que escreveu este verso.
Em vez disso pensas naqueles afogados que provêm das piscinas, de qualquer alverca,
das banheiras ou da corrente de certos rios.
Tu por exemplo achas que o mar dos aquários
não é menos mar que o Pacífico,
que foi aí que soubeste o quanto dói regressar à cidade depois de ver uma onda como esta
e saber que a sua altura não é menor que a de um edifício,
que a de uma ponte,
onde também os afogados são belos e azuis:
o rapaz que salta às seis da manhã na hora de ponta
porque o seu movimento, parece-te,
tem algo de nadar,
de água
e de peixe cego.





30 julho 2020

maite martí vallejo


Es el anillo de Waldeyer

Johann Lukas Schönlein vive con sus padres. Su madre muere, se queda solo con su padre y, simbólicamente, forma una pareja con él. Una amiga se lo hace notar y es un shock.
Se va a un monasterio, se levanta para orinar a menudo, incapaz de vaciar por completo la vejiga, ve a un perro que tiene una erección, coge un palo y golpea al perro hasta matarlo.
¿Limpio, no limpio, cruel?
Las metáforas son un argumento para la guerra, pero nadie aspira a tanto.
¿Normal, no normal, lógico?
El título quiere decir que las afirmaciones de este poema deben ser tomadas sin sentido místico alguno. Todos besamos sus pies y sabemos lo que significa. El lenguaje de los sueños es un lenguaje estúpido, dado que está saliéndose del tema debe ser comprendido de manera indirecta.
¿A quién le importa, a quién no le importa, importa?
La importancia de una laguna no está en relación con su superficie, sino con su profundidad. Si no sabe en qué día vive, el día no llegará.
No es un mensaje de esperanza, es evidente que Schönlein no lo hizo.
¿Cuántos de los pacientes advirtieron que “una vez tuve un sueño” ha sido siempre la premisa?


É o anel de Waldeyer

Johann Lukas Schönlein vive com os seus pais. A sua mãe morre, fica sozinho com o pai e, simbolicamente, forma um casal com ele. Uma sua amiga refere este facto e dá-se um choque.
Vai para um convento, levanta-se muitas vezes para urinar, incapaz de esvaziar por completo a bexiga, vê um cão com ereção, pega num pau e bate no cão até o matar.
Limpo, não limpo, cruel?
As metáforas são um argumento para a guerra, mas ninguém aspira a tanto.
Normal, não normal, lógico?
O título quer dizer que as afirmações deste poema devem ser apreendidas sem nenhum sentido místico. Todos beijamos os seus pés e sabemos o que significa. A linguagem dos sonhos é uma linguagem estúpida já que saindo do assunto terá de se compreender de maneira indireta.
A quem lhe importa, a quem não lhe importa, importa?
A importância de uma lagoa não está na relação com a sua superfície mas sim com a sua profundidade. Se não sabe em que dia vive, o dia não chegará.
Não é uma mensagem de esperança, é evidente que Schönlein não o fez.
Quantos pacientes avisaram que “uma vez tive um sonho” foi sempre a premissa?


27 julho 2020

vanina colagiovanni


Lugares donde dormí

Una cama es solo una cama, me dijo.
También puede ser algo más.
Un tendal de sueños blandos, una colección
de elasticos para distintos puntos
del tallo vertebral, un pozo,
un nido donde empollar algo
que tal vez respire, un pantano,
un hilo filoso
que corta lo viejo de lo nuevo, una estepa
donde el viento diseñe remolinos en mi pelo
y con sus brazos, un lugar de buenos momentos, creo.
Una cama es su cama o la mía, no es nuestra, ya no.
Si cierro los ojos estamos ahí juntos
y rechina.
Si los abro duermo sola y el vacío
me atrae. Como las mandíbulas abiertas de los tiburones
saliendo del mar.


Lugares onde dormi

Disse-me uma cama não passa de uma cama.
Também pode ser algo mais.
Um monte de sonhos macios, uma coleção
de elásticos para diferentes pontos
do galho vertebral, um poço,
um ninho onde chocar algo
que talvez respire, um pântano
um fio afiado
que corta o velho do novo, uma estepe
onde o vento desenha remoinhos nos meus cabelos
e com seus braços, um lugar de bons momentos, acho.
Uma cama é a cama dele ou a minha, não a nossa, já não.
Se fecho os olhos estamos lá juntos
e chia.
Se os abro durmo sozinha e o vazio
atrai-me. Como as mandíbulas abertas dos tubarões
saindo do mar.


24 julho 2020

véronique tadjo


Vous les fouilleurs de poubelles
les infirmes
aux moignons crasseux
les borgnes
les hommes rampants
vous les maraudeurs
les gamins des taudis
je vous salue.


Vós investigadores do lixo
os debilitados
de cotos sebentos
zarolhos
homens rastejantes
vós os recicladores
rapazinhos do pardieiro
eu vos saúdo.

donika kelly


A Dead Thing That, in Dying, Feeds the Living

I’ve been thinking about the anatomy
of the egg, about the two interior membranes,

the yolk held in place by the chalazae, gases
moving through the semipermeable shell.

A curious phrase, the anatomy of the egg,
as if an egg were a body, which it is,

as if the egg could be broken then mended,
which, depending on your faith, broken yes,

but mended? Well. Best to start
again, with a new body, voided

from a warmer one, brooded and turned.
Better to begin as if some small-handed

animal hadn’t knocked you against a rock,
licked clean the rich yolk and left

the albumen to dry in the sun — as if a hinged
jaw hadn’t swallowed you whole.

What I wanted: a practice that reassured
that what was cracked could be mended

or, at least, suspended so that it could not spread.
But now I wonder: better to be the egg or scaled

mandible? The small hand or the flies, bottle black
and green, spilling their bile onto whatever’s left,

sweeping the interior, drinking it clean?
I think, something might have grown there, though

I know it was always meant to be eaten,
it was always meant to spoil.


Uma coisa morta que, morrendo, alimenta o vivo

Tenho estado a pensar acerca da anatomia
do ovo, acerca das duas membranas interiores,

a gema sustida no seu lugar pela chalaza, gases
movendo-se através da casca semipermeável.

Uma frase curiosa, a anatomia do ovo,
como se um ovo fosse um corpo, e é,

como se o ovo pudesse partir-se e depois reconstruir-se
o que, dependendo da fé, partir-se sim

mas reconstruir-se? Pois. É melhor começar
de novo, com um corpo novo, esvaziado

de um mais tíbio, incubado e convertido.
Melhor começar como se algum animal

mesquinho, não te tivesse batido contra uma pedra,
chupado inteira a gema boa e deixado

a clara para se secar ao sol, como se uma mandíbula
articulada não te tivesse engolido inteiro.

O que queria: uma prática que me confirmasse
que o que se partiu se pode remediar

ou, pelo menos, ficar suspenso para que não se espalhe
Porém, agora pergunto-me: é melhor ser o ovo ou a mandíbula

escamosa? A mão pequena ou as moscas, garrafa preta
e verde, derramando a sua bílis no pouco que sobrou

varrendo o interior, ingerindo até o deixar limpo?
Penso, alguma coisa pode ter crescido ali, embora

saiba que sempre significou ser comido,
foi sempre para ser ditado a perder.


21 julho 2020

daisy odey


Naming

I call the water over my head roof.
Now the river is home,
And drowning is an art of living.
A girl opens her mouth . . .
I walk tongue first into myself.

I call her love, and pretend she will stay.
I call my mother life, now she will live forever.
I call my father water.
I call myself wind.
Even as he leaves,
he remains the fluid part of me.


Pondo nome

Chamo a água sobre o telhado da minha cabeça
Agora o rio está em casa,
E o afogamento é uma arte de viver
Uma rapariga abre a sua boca…
Passeio a língua primeiro dentro de mim.

Chamo-lhe amor e pretendo que fique.
Chamo à minha mãe vida, agora viverá para sempre.
Chamo ao meu pai água.
Chamo a mim própria vento
Mesmo quando desaparece
continua a ser a parte fluída de mim.

18 julho 2020

ama asantewa diaka


Sepia

My parents love in sepia
a thing brewed from the slow decay of a new sprout,
seasoned and mature enough to have a feeling named after it;
teaching me that decay is not always synonymous to rot—
only a point on the growth curve.
Because this brown has seen tender and folded,
this brown has been foolish and free,
this brown has feigned sufficiency to make way for enough;
this brown with its share of pain and scars,
knows how to love the glow out of any sun.


Sépia

Os meus pais amam em sépia
algo fabricado a partir da decadência lenta de um novo rebento
experiente e maduro o suficiente para ter um sentimento nomeado no seu após;
ensinando-me que a decomposição nem sempre é sinónimo de coisa putrefacta -
apenas sendo um ponto na curva de crescimento.
Porque este castanho viu ternura e fracassos,
este castanho foi tonto e livre,
este castanho fingiu bastante para fazer caminho;
este castanho com o seu lado de dor e cicatrizes,
sabe como amar o brilho de qualquer sol.

15 julho 2020

paz busquet


El viaje al pueblo a caballo

Fuimos al pueblo a caballo, a buscar
la casa en la que te concibieron.
Dijiste: Desde ese banco mi abuelo ciego
miraba las vías del tren.

La casa estaba en ruinas.
Recorrimos los presuntos cuartos.
Sacamos fotos a los espacios ausentes:
una cama allá, una mesa acá
y la bañadera al fondo.

Resultó que fotografiamos la casa de al lado.
Da igual, son relatos.

Y todo empieza con un error.


Viagem à aldeia a cavalo

Fomos à aldeia a cavalo, à procura
da casa onde foste concebido.
Disseste: Neste banco o meu avô cego
olhava para as linhas do comboio.

A casa estava em ruínas
Percorremos os alegados quartos.
Tirámos fotos aos espaços ausentes:
uma cama ali, uma mesa aqui
e a banheira ao fundo.

Acontece que fotografámos a casa do lado
É o mesmo, são narrativas.

E tudo começa com um erro.