13 outubro 2020

elizabeth torres


Pronóstico

Al otro lado de la puerta
hay una mujer desnuda.
La herida permanece invisible
desde la esquina derecha de su hombro
y va bajando vertiginosamente
hacia su ombligo
donde ahora
empiezan a brotar magnolias
los capullos se van mutando a mariposas
las piedras toman forma de caracol
y se deslizan hacia el centro de su vientre.
Sus ojos siguen cerrados pero sus párpados
conservan el temblor
el sueño del hombre alado
los secretos se le han posado en la boca
yacen así, inexplorados, en su corteza de seda.
Lozano momento de calma
recreado en falso ritual
para su pronto exterminio.
A los pies de la cama
los lobos se alimentan de pasto y de semillas
las ramas enredándose en sus patas
(todo un teatro en cámara lenta)
los pájaros despliegan sus alas rumbo sur
las piedras fosforescentes en el fondo
a la orilla las sombras
se llevan tu recuerdo a la boca.


Prognóstico

Do outro lado da porta
está uma mulher nua.
A ferida permanece invisível
a partir do canto direito do seu ombro
e vai descendo vertiginosamente
até ao seu umbigo
onde agora
começam a brotar magnólias
os casulos transformam-se em borboletas
as pedras ganham forma de caracol
e deslizam até ao centro do seu ventre.
Os seus olhos continuam fechados mas as suas pálpebras
conservam o tremor
o sonho do homem alado
os segredos pousaram-se na boca
assim jazem, inexplorados, na sua cortiça de seda.
Salutar momento de calma
recreado em falso ritual
para o seu pronto extermínio.
Ao pé da cama
os lobos alimentam-se de pasto e de sementes
os ramos enredando-se nas suas patas
(todo um teatro em câmara lenta)
os pássaros abrem as suas asas em direção ao sul
as pedras fosforescentes no fundo
na margem as sombras
levam a tua lembrança à boca.


10 outubro 2020

teresa calderón


Un elefante sabe lo que sabe
está en su código ancestral
forma parte de sus derechos humanos.

Un humano no revela enigmas.
Los guarda en su hermético egoísmo.
No respeta siquiera la ley de la selva.


Um elefante sabe o que sabe
está no seu código ancestral
faz parte dos seus direitos humanos.

Um humano não revela enigmas.
Guarda-os no seu hermético egoísmo.
Nem sequer respeita a lei da selva.

07 outubro 2020

sinéad morrissey


Genetics

My father’s in my fingers, but my mother’s in my palms.
I lift them up and look at them with pleasure –
I know my parents made me by my hands.

They may have been repelled to separate lands,
to separate hemispheres, may sleep with other lovers,
but in me they touch where fingers link to palms.

With nothing left of their togetherness but friends
who quarry for their image by a river,
at least I know their marriage by my hands.

I shape a chapel where a steeple stands.
And when I turn it over,
my father’s by my fingers, my mother’s by my palms

demure before a priest reciting psalms.
My body is their marriage register.
I re-enact their wedding with my hands.

So take me with you, take up the skin’s demands
for mirroring in bodies of the future.
I’ll bequeath my fingers, if you bequeath your palms.
We know our parents make us by our hands.


Genes

Está o meu pai nos meus dedos estando a minha mãe nas minhas palmas,
ponho-os ao alto e olho-os com prazer:
sei que os meus pais me fizeram pelas minhas mãos.

Podem ter sido separados em terras isoladas
por diferentes hemisférios, talvez maquinando com vários amantes
mas em mim tocam-se onde os dedos se unem com as palmas.

Sem outra coisa da sua união que não os amigos
que procuram tirar a sua imagem de um rio,
conheço, pelo menos, o seu matrimónio pelas minhas mãos.

Dou forma a uma capela alteada por um campanário.
E quando a rotativo
está meu pai nos meus dedos e a minha mãe nas minhas palmas

recatada perante um sacerdote que recita salmos.
O meu corpo é o registo do seu casamento.
Volto a representar a sua boda com as minhas mãos.

Assim sendo leva-me contigo, tira o que a pele exige
para se refletir em corpos futuro.
Farei legado dos meus dedos se o fizeres com as tuas palmas.
Sabemos que os nos pais nossos fazem pelas nossas mãos.

04 outubro 2020

lisbeth curay


NN

I
Lijamos una silla sobre tu cabeza
Y tu cara se hizo barro
¿Qué hacer?
Deslizar un dedo sobre tu boca
Que ya no es boca
O ponerle un lunar a tu ojo
Que ya no es ojo
Sembré un diente en la maceta
Para darte otra lengua
Y aún
No dices mi nombre

II
¿Cómo debemos nombrarte
antes de sumergirte en la tierra?
Salmón, grulla o erizo

III
La espesura del paisaje
No cabe sobre tus nalgas
–Salmón–
Sigue lamiendo lo que el viento lame
Aguza el filo de tus dientes
Cuando la tierra
Te toque
Abre la boca
Grande
Abre la Boca

IV
Los muertos que (no) son de uno
Gritan:
Quemaremos nuestra carne
¡No más cáscara humana!


NN

I
Lixamos uma cadeira
E a tua cara fez-se barro
Que fazer?
Deslizar um dedo na tua boca
Que já não é boca
Ou inscrever uma verruga no teu olho
Que já não é olho
Plantei um dente no vaso
Para te dar outra língua
E mesmo assim
Não dizes o meu nome

II
Que nome te devemos dar
antes de submergires na terra?
Salmão, garça ou ouriço?

III
A espessura da paisagem
Não cabe nas tuas nádegas
Salmão
Continua a lamber o que o vento lambe
Aguça o fio dos teus dentes
Quando a terra
Te tocar
Abre a boca
Grande
Abre a Boca

IV
O mortos que (não) são de alguém
Gritam:
Queimaremos a nossa carne
Casca humana nunca mais!

Considerar las sábilas, las paltas y las mujeres

Deberíamos escribir sobre la suavidad de pasar la mano sobre la sábila. A menudo ese olor pegajoso me despierta y hace pensar en compuestos químicos: admirar los bordes, es una manía de encenderme entre los cactus, que a veces llamo poesía. Observé esa pintura, donde la mujer está sentada sobre el hombre, así, me gusta hacer el amor, solo me falta la pared ocre y la silla azul de los amantes, un paisaje nocturno, un par de manos ásperas. Había una mujer que vivía frente a un colegio, con ella caminé mucho para encontrar paltas, siempre envueltas en un periódico, a menudo puestas sobre una mesa, untadas sobre un pan o una tostada. Las paltas nunca se comen verdes.


Considerar os aloés, os abacates e as mulheres

Devíamos escrever sobre a suavidade de passar a mão pelo aloé. Muitas vezes esse odor pegajoso acorda-me e faz-me pensar em compostos químicos : admirar as bordas é uma mania de me acender entre os cactos a que às vezes chamo poesia. Observei essa pintura, a mulher está sentada em cima do homem, assim, gosto de fazer amor, só me falta a parede ocre e a cadeira azul dos amantes, uma paisagem noturna, um par de mãos ásperas. Havia uma mulher que vivia diante de um colégio, com ela andei muito para encontrar abacates, sempre embrulhados num jornal, muitas vezes postos sobre uma mesa untados num pão ou numa tosta. Os abacates nunca se comem verdes.


01 outubro 2020

mia lecomte


INTIMITÀ

La figlia maggiore stamani ha parlato col diavolo
nella stanza rosa pallido rovesciata nel sole lui
le si è presentato da dentro e le ha detto con la sua
propria voce che il santissimo è l’iddio dei perdenti
mentre un patto efficace assicura la vittoria suprema
la certezza del piacere per sempre in assenza d’eterno

la minore nel suo letto intanto sognava un vampiro
e anche un mostro tricefalo ed alcuni fantasmi
che giocavano tutti a dadi sul lenzuolo di marmo
si facevano belli della loro toilette le spiegavano
dei morti viventi e d’altre semplici questioni di sesso

poggiata all’idea di se stessa la madre scuciva le balze
del suo giorno perfetto lo riempiva di asole a caso
bottoni di più dimensioni ricordava che quel giorno
aveva amato un licantropo lui l’aveva spogliata fino
al punto dove luccica ancora un rammendo d’argento


INTIMIDADE

Esta manhã a filha mais velha conversou com o diabo
no quarto de pálido de rosa virado para o sol ele
apresentou-se a ela em dentro e disse-lhe com a sua
própria voz que o santíssimo é o deus dos perdedores
enquanto um pacto eficaz garante a vitória suprema
a certeza do prazer para sempre na ausência do eterno

a mais pequena na sua cama entretanto sonhava com um vampiro
e também com um monstro tricéfalo e com alguns fantasmas
que jogavam aos dados no lençol de mármore
faziam-se bonitas com os seus make-ups e preleccionavam
sobre mortos vivos e outras meras questões de sexo

apoiada na ideia de si, a mãe desembaraçava os folhos
do seu dia perfeito, enchia-o de aleatório
botões de mais dimensões lembrava-se que naquele dia
tinha amado um lobisomem, ele tinha-a despido até
ao ponto onde ainda brilha um remendo de prata

28 setembro 2020

hala alyan


Honeymoon

Of this room remember heat. A fight with my father and
glass evil eyes. The television sparking like a glamorous fish.

We’ve turned off every lightbulb, fan each other with foreign
magazines. I take photographs of stray dogs. In the car,

the Turkish driver listens to horse races on the radio.
I won, he tells us. I dress like a pillar. I want to burn the verbs

I mispronounce to the Egyptian waiter. My uterus bleeds from Athens
to Istanbul and the moon is a spider tracking its white mud

across the sky. Orange blossoms open like pepper in the courtyard.
Everywhere, blue rooftops. Antibiotics for my infected jaw.

We take Rome with us to Rome. At the passport control line,
you tell me to let you speak. You tell them I’m with you.



Lua de mel

Deste quarto lembro o calor. Uma discussão com o meu pai e
malignos olhos vidrados. A televisão a lançar raios como um peixe glamoroso.

Desligámos todas as luzes, abanámo-nos um ao outro com revistas
estrangeiras. Tiro fotografias aos cães perdidos. No carro,

o taxista turco ouve na rádio as corridas de cavalos.
Ganhei, disse-nos. Visto-me como um pilar. Quero queimar os verbos

dirigidos em má fonia ao empregado egípcio. O meu útero sangra de Atenas
a Istambul e a lua é uma aranha mapeando a sua lama branca

ao longo do céu. Flores de laranjeira abertas como pimenta no pátio.
Por todo o lado telhados azuis. Antibióticos para a minha mandíbula infetada.

Levamos Roma connosco até Roma. No ponto de controlo dos passaportes
pedes-me para te deixar falar. Dizes-lhes que estou contigo.



25 setembro 2020

fermina ponce


Me volví cenizas de un túnel que se deshace,
no hay nube sin trueno en su vértice,
las alas vuelan sin los pájaros,
me lancé a las baldosas incoherentes,
al día siguiente tengo que amanecer.


Tornei-me cinzas de um túnel que se desfaz
não há nuvem sem trono no seu vértice
as asas voam sem pássaros
atirei-me para os azulejos incoerentes
no dia seguinte tenho de amanhecer

22 setembro 2020

mercedes alvarez


Hay gente que envejece con furia
surcos en la cara que llegan
y se quedan ahí horadando la carne
devastando la nada. No sé por qué digo nada, pero no podría
poner otra palabra.
A mí la materia,
no me lleva a un significado.
Hay gente a quien los ojos le aparecen un día
como un fuego apagado con un vaso
y es poco
muy poco
lo que se pudo escandir del incendio inicial.
Otros no. Adquieren una mueca cómica
reparten su desdicha, rezan en su isla,
no se atreven.
Su filosofía hecha de caramelos y tristezas les aplana
el pecho y el recuerdo
hablan poco, o demasiado,
y no es porque estén cansados.
Es otra cosa.
Quisiera transformar
mi cara a los sesenta en un campo de batalla.


Há gente que envelhece com fúria
sulcos na cara que aparecem
e aí ficam furando a carne
devastando o nada. Não sei porque digo nada, mas não podia
por outra palavra.
Para mim a matéria
não me leva a um significado.
Há gente a quem os olhos lhe aparecem um dia
como um fogo apagado com um copo
e é pouco
muito pouco
o que consigo escandir do incêndio inicial.
Outros não. Adquirem uma careta cómica
partilham a sua desdita, rezam na sua ilha,
não ousam.
A sua filosofia feita de caramelos e tristezas achata-lhes
o peito e a lembrança
falam pouco, ou demasiado,
e não por estarem cansados
É outra coisa.
Gostaria de transformar
a minha cara aos sessenta num campo de batalha.


19 setembro 2020

maría auxiliadora balladares


Sudor

Siempre he querido ver cómo brota el sudor de tus poros
Me interesa menos su recorrido sobre tu piel
Éste es circunstancial
Aquello es de vida o muerte
He observado con detenimiento tus radiografías
Tus tomografías
Tus resonancias
He dado con la casi imperceptible desviación de tu columna
He concluido que tus órganos son pequeños
Durante días repetí el gesto de medir el tamaño del hematoma
Observé el cambio de color
Anoté el tiempo que toma pasar del verde al morado
Del morado al negro
Del negro al color de tu piel
Mirar hacia dentro como si no fueses tú
Me parece bastante ridículo
Tengo que familiarizarme con tus venas
Con tus nervios
Con las capas subcutáneas
He visto una y otra vez en video tus pólipos
Los he contado
Los reconozco
Son mis hermanos
He imaginado la intervención en tu útero
De aquello no quedan registros
Por eso me vuelvo un poco loca
Me desespero
Y en esas circunstancias prefiero no tener nada al alcance de las manos
He mirado tantas veces tu sangre
Conservé en el carro por más de un año
El sombrero y el chal que llevabas
El día del accidente de caballo
Verlos me recordaba que no soportaría tu muerte
Imagino el estado de tu cerebro entonces
Camino del hospital
Te pedía que no te durmieras
Conversaba contigo para mantenerte despierta
Hacías preguntas que me llenaban de terror
Preguntas simples que me llenaban de terror
He revisado tus medicinas
Memorizado sus componentes
Sus efectos secundarios
Te he visto sonrojarte efecto de la alegría y de la vergüenza
He apoyado mi cabeza en tu vientre
Reconozco todos los lenguajes de tu cuerpo

Soy una vidente
Puedes preguntarme cualquier cosa
Te responderé presto
Porque soy la lama que crece en los bordes de tus piernas


Suor

Sempre quis ver como brota o suor dos teus poros
Interessa-me menos o seu deslizar pela tua pele
Este último é circunstancial
O outro é de vida ou morte
Observei com atenção as tuas radiografias
As tua tomografias
As tuas ressonâncias
Detetei o quase impercetível desvio da tua coluna
Concluí que os teus órgãos são pequenos
Durante dias repeti o gesto de medir o tamanho do hematoma
Observei a mudança de cor
Anotei o tempo que leva passar do verde para o avermelhado
Do avermelhado ao negro
Do negro à cor da tua pele
Olhar para dentro como se não fosses tu
Parece-me bastante ridículo
Tenho de me familiarizar com as tuas veias
Com os teus nervos
Com as camadas subcutâneas
Vi e voltei a ver em vídeo os teus pólipos
Contei-os
Reconheço-os
São meus irmãos
Imaginei a intervenção no teu útero
Disso não ficam registos
Por isso me torno um pouco louca
Desespero
E nessas circunstâncias prefiro não ter nada ao alcance das mãos
Vi muitas vezes o teu sangue
Mantive no carro mais de um ano
O guarda-sol e o xaile que trazias
No dia do acidente com o cavalo.
Vê-los fazia-me lembrar que não suportaria a tua morte
Imagino o estado do teu cérebro então
A caminho do hospital
Pedia-te que não dormisses
Conversava contigo para te manter acordada
Fazias perguntas que me enchiam de pavor
Perguntas simples que me enchiam de pavor
Revi os teus medicamentos
Memorizei os seus componentes
Os seus efeitos secundários
Vi-te corar efeito da alegria e da vergonha
Apoiei a minha cabeça no teu ventre
Reconheço todas as linguagens do teu corpo

Sou uma vidente
Pode perguntar-me qualquer coisa
Responder-te-ei imediatamente
Porque sou o barro que cresce nas margens das tuas pernas

16 setembro 2020

sabrina usach


lithops

te recuerdo niña:
desde que nos engendraron como peñascos
cincelados por la fuerza monstruosa de la vida
tirábamos roquitas al agua les dábamos un nombre
porque nos parecía cruel desprenderlas del suelo
y cambiar sus destinos seguramente ahora
que sólo te importa hablar con tus plantas a media mañana
o pasarte horas urdiendo el i ching para hallarte
te olvidaste de la intuición por la que elegiste
aquella piedra ovalada color azulado entre las sombras
de una noche extraña la acunaste jugando a la mamá
y dijiste no sé si llamarla raíz o sangre
pienso que tu necesidad de nombrarla
era quizá la urgencia por encontrar el origen
de la especie escrita sin querer remordíamos antepasados
para modular por primera vez el sentido de estar juntas
con los pies desnudos mojados a la orilla de aquel lago
ocupadas en ablandar con una sola palabra
lo que otros llamaron lava mineral tierra
memoria niña:
de pronto te nacerán huesos y deberás tallar
las cuerdas vocales para definir las manos
que te arrojarán al embalse de tus vibraciones ocultas


lithops

lembro-te de ti menina:
desde que nos engendraram como penhascos
cinzelados pela força monstruosa da vida
atirávamos pedrinhas à água dávamos-lhes um nome
porque nos parecia cruel desalojá-las do chão
e mudar os seus destinos claro que agora
só te importa falar com as tuas plantas a meio da manhã
ou passar horas a urdir o i ching para te encontrares
esqueceste a intuição que te fez escolher
aquela pedra oval azulada entre as sombras
de uma noite esquisita embalaste-a fazendo de mamã
e disseste não sei se a chame raiz ou sangue
acho que a tua necessidade de lhe por um nome
era talvez a urgência de encontrar a origem
da espécie escrita sem querer remordíamos antepassados
para modular pela primeira vez o sentido de estarmos juntas
com os pés nus molhados na margem desse lago
ocupadas em amolecer com uma só palavra
aquilo que os outros chamaram lava mineral terra
memória menina :
depressa te nascerão ossos e terás de talhar
as cordas vocais para definir as mãos
que te lançarão ao açude das tuas vibrações ocultas


13 setembro 2020

wendy cope


Flowers.

Some men never think of it.
You did. You’d come along
And say you’d nearly brought me flowers
But something had gone wrong.

The shop was closed. Or you had doubts -
The sort that minds like ours
Dream up incessantly. You thought
I might not want your flowers.

It made me smile and hug you then.
Now I can only smile.
But look, the flowers you nearly brought
Have lasted all this while.


Flores.

Há alguns homens que nunca pensam nisso.
Tu sim. Chegaste ao pé de mim
e disseste que quase me tinhas comprado flores
mas que alguma coisa tinha corrido mal.

A loja estava fechada. Ou tinhas dúvidas -
o tipo de dúvidas que mentes como as nossas
estão sempre a congeminar. Pensaste
que eu podia não querer as tuas flores.

Isso fez-me sorrir e depois abraçar-te.
Agora só consigo sorrir.
Mas repara: as flores que quase me compraste
sobreviveram este tempo todo.


10 setembro 2020

nikki giovanni


Allowables

I killed a spider
Not a murderous brown recluse
Nor even a black widow
And if the truth were told this
Was only a small
Sort of papery spider
Who should have run
When I picked up the book
But she didn’t
And she scared me
And I smashed her

I don’t think
I’m allowed

To kill something

Because I am

Frightened



Admissíveis

Matei uma aranha
Não uma assassina aranha-violinista
Nem sequer uma viúva negra
Se a verdade tivesse de ser dita
Tratava-se apenas de uma pequena
Espécie de aranha de papel,
Que devia ser fugido
Quando peguei no livro
Mas não o fez
E assustou-me
E esmaguei-a

Não penso
que seja admissível

Matar qualquer coisa

Só por estar

assustada


07 setembro 2020

mary ruefle





Penso que as sereias da Odisseia cantavam A Odisseia,
porque não há nada más sedutor, mais terrível,
que a historia das nossas próprias vidas, essa que não
queremos ouvir mas que daríamos qualquer coisa para escutar.

04 setembro 2020

alice oswald


Body

This is what happened
the dead were settling in under their mud roof
and something was shuffling overhead

it was a badger treading on the thin partition

bewildered were the dead
going about their days and nights in the dark
putting their feet down carefully and finding themselves floating
but that badger

still with the simple heavy box of his body needing to be lifted
was shuffling away alive

hard at work
with the living shovel of himself
into the lane he dropped
not once looking up

and missed the sight of his own corpse falling like a suitcase towards him
with the grin like an opened zip
(as I found it this morning)

and went on running with that bindweed will of his
went on running along the hedge and into the earth again
trembling
as if in a broken jug for one backwards moment
water might keep its shape


Corpo

Eis o que se passou
os mortos punham-se debaixo dos seus telhados de lama
e qualquer coisa se arrastava em cima

era um texugo movendo-se pela estreita fenda

confusos os mortos, iam
passando os dias e as noites na mesma escuridão
descendo os pés com cuidado e flutuando
mas o tal texugo

ainda com a simples e pesada caixa do seu corpo a precisar de ser levantada
movia-se cheio de vida

trabalhando duramente
com a pá viva de si mesmo
atirou-se do alto para a rua
sem olhar para cima uma única vez

perdeu assim a imagem do seu próprio cadáver caindo em cima dele como uma mala
com o sorriso como um fecho aberto
(tal como constatei esta manhã)

e saiu a correr na sua vontade de trepadeira
saiu a correr ao longo da sebe e para dentro da terra novamente
tremendo
como se numa jarra quebrada, voltando um momento atrás
a água pudesse conservar a sua forma.



01 setembro 2020

lü yue


诗歌不知道自己已经死了

诗歌不知道自己已经死了
在一千个洞的高尔夫球场上为它举行了国葬
眼皮上撒上花瓣,花瓣上洒上几滴眼泪
一滴来自希腊人,一滴来自印第安人
一滴来自海豹
墓志铭由拉丁文和甲骨文写成
所有长着两条腿的人都看到它终于死了
身穿黑色和金色织成的寿衣
嘴角似笑非笑

草履虫活着,蜥蜴活着,蝴蝶活着
所有爬行和飞行的东西都活着
恐龙正和小学生一起去动物园春游
挺着喝饱了奶的小肚子
教皇活着,正坐飞机去非洲
非洲活着
第九代机器人也将活着
诗歌不知道自己已经死了
它梦见自己带着所有的死者,孩子和孕妇
在天堂跳伞
在地狱发射火箭
在第三世界的大街上穿着防弹背心跑马拉松

葬礼上,一个孩子发现它的眼睛还在眼皮下转动
但它捐出了自己的眼角膜
所以它将永远看不见自己的死亡


A poesia desconhece que morreu

A poesia desconhece que morreu.
Faz-se um funeral de Estado num campo de golfe com mil buracos,
suas pálpebras são polvilhadas com pétalas
e as pétalas transportam umas certas lágrimas
uma do grego, outra do latino
e as restantes, dos crocodilos.
O seu epitáfio é uma inscrição oracular chinesa.
Todo aquele que tenha duas pernas foi testemunha da sua morte,
finalmente morreu
envolta em preto e ouro,
com a boca levemente a sorrir.

Os gafanhotos estão vivos,
é por isso que agora são lagartos e borboletas.
Todos os que se arrastam estão vivos.
Os dinossauros chegam ao jardim zoológico juntamente com as crianças
para uma excursão de primavera,
têm os seus pequenos ventres inchados de leite fresco.
O Papa está vivo, no seu caminho para África pelo ar.
África está viva.
Os robôs de nona geração estarão vivos também.
Só a poesia está morta, mas ainda não sabe.
Ainda sonha com paraquedas no céu com todos os viventes,
pequena ou prenhe
Ainda sonha em lançar foguetes.
Correr maratonas nas ruas do Terceiro Mundo
Com um colete anti-bala

No funeral
uma criança vê a poesia mexendo os olhos
por dentro das pálpebras.
Doou as suas córneas,
Nunca verá a sua própria morte.



29 agosto 2020

souad labbize



يداكِ وعاءُ
حلوى طريّة
و أنا الطفلة
خلفَ واجهةِ المتجر


As tuas mãos são um pote
de bombons porosos
sou a criança
atrás da montra