18 agosto 2015

maría gómez lara



Astillas

Los verdaderos poemas son incendios
                                 Vicente Huidobro


voy frotando una astilla contra otra
y es inútil

no habrá fuego
en mis restos de madera

pude rescatar del naufragio
un trozo de leña

hueco de tormenta
atravesado por tanta agua salada

lo quebré
para inventar dos trizas que se juntan
dos chispas
que no estaban
el revés de un vacío un agujero

aquí sigo todavía estrellando mis astillas

nada que encender
y te haces humo

nada que apagar
y eres ceniza



Raspas

Los verdaderos poemas son incendios
                                 Vicente Huidobro


esfrego uma raspa contra outra
e é inútil

não haverá fogo
em meus restos de madeira

consegui resgatar do naufrágio
um pedaço de lenha

oco de tempestade
atravessado por tanta água salgada

parti-o
para inventar dois frangalhos que se juntam
duas chispas
que não estavam
o avesso de um vazio um buraco

aqui continuo ainda estrelendo as minhas raspas

nada para acender
e fazes-te fumo

nada para apagar
e está cinza


*

Nací el mismo día que Emily Dickinson
casi dos siglos después
y las cosas han cambiado un poco
desde entonces
 
no tuve
su entereza ante el dolor
ni su oído sutil para las revelaciones
 
vivo en un edificio alto
donde no llegan los pájaros
sólo un ruido de sirenas
que no canta
 
es una ciudad inmensa
aquí todos somos Nadie
pero no hemos aprendido
a guardar el secreto:
 
al caminar regamos
nuestra nada en las esquinas
 
Nací con la piel oscura
en un país del trópico
y vine a buscarla a este estruendo
tan lejano de su voz
que se enredaba en las praderas
 
la imagino callando en los ladrillos
veo sus manuscritos de letras apretadas
 
como ramas de tina negra
que se quiebran
en cualquier envoltura
en la lista de mercado
y se enlazan otra vez
para inventar el mundo
 
Nací un diez de diciembre como ella
y no traje ese silencio
 
sin embargo
 
gracias al conjuro
de repetir sus versos
mientras cambian los semáforos
 
estoy a flote
 
todavía
 
 
 
Nasci no mesmo dia que Emily Dickinson
quase dois séculos depois
e as coisas mudaram um pouco
desde então
 
não tive
a sua integridade perante a dor
nem o seu ouvido subtil para as revelações
 
vivo num edifício alto
onde não chegam os pássaros
só um ruido de sereias
que não canta
 
é uma cidade imensa
aqui todos somos Ninguém
mas não aprendemos
a guardar o secredo:
 
ao caminhar regamos
o nosso nada pelas esquinas
 
Nasci com a pele escura
num país do trópico
e vim buscá-la a neste estrondo
tão longe da sua voz
que se enredava nas pradarias
 
imagino-a calando nos tijolos
vejo os seus manuscritos de letras apertadas
 
como ramos de avareza negra
que se quebram
em qualquer envolvimento
na lista de mercado
e se enlaçam outra vez
para inventar o mundo
 
Nasci num dez de dezembro como ela
e não trouxe esse silêncio
 
no entanto
 
graças ao conjuro
de repetir os seus versos
enquanto mudam os semáforos
 
estou na onda
 
ainda