28 maio 2020

alondra berber


Puerta cerrada

una mano se desliza por el azulejo
infancia de onanismos y juguetes

aprendo a los cuatro años a masturbarme
y lo hago hasta que duele mucho

las piernas tiemblan mis dedos se cansan
pero no me detengo
un ruido desborda desde mi garganta
aprieto la boca

las caricias inician convulsiones
como conejos friéndose
y luego me miro en el espejo
con el cuerpo chiquito desnudo
y me digo puta
hasta arañarme los brazos
y me golpeo la cara
y se enrojecen mis ojos

globos borrosos caen al agua
corrientes violentas de champú flotan
hacia la coladera
y las heridas abiertas del recuerdo
anuncian la malicia
y mis ganas de no quererme nunca
mis ganas de no quererme nunca
de no quererme nunca


Porta fechada

uma mão desliza pelo azulejo
infância de onanismos e brinquedos

aprendo aos quatro anos a masturbar-me
e faço-o até doer muito

as pernas tremem os meus dedos cansam-se
mas não paro
um ruído transborda da minha garganta
aperto a boca

as caricias iniciam convulsões
como coelhos a serem fritados
e depois miro-me no espelho
com o corpinho nu
e chamo-me puta
até me arranhar os braços
e bato-me na cara
e avermelham-se os meus olhos

balões embaçados caem na água
correntes violentas de champô flutuam
até ao coador
e as feridas abertas da lembrança
anunciam a malícia
e as minhas pancas de não gostar de mim nunca
as minhas pancas de não gostar de mim nunca
de não gostar de mim nunca


25 maio 2020

roxana molinelli


Un volcán reincide

Desde este poro no puedo ver
aunque siento escucho respiro.

Mirar nada más que hacia adentro
puede traer sus problemas
tal vez llegue en un temblor
que abrace
todos los sonidos

como la atracción entre el aire y el fuego
pura consumación
pero mis fondos otra vez
se hacen roca
mi silencio un aviso.


Um vulcão reincide

A partir deste poro não consigo ver
embora sinta escute respire.

Olhar apenas para dentro
pode levantar questões
chegando talvez num tremor
que abrace
todos os sons

como a atração entre ar e fogo
pura consumação
mas os meus fundos de novo
se tornam pedra
o meu silêncio um aviso.



22 maio 2020

irène gayraud


1
Le lieu est hors de la cité. Là où les zones
périphériques ont la couleur des arbres. Où
parmi les feuilles, les vitres e le béton
s’ouvrent des seuils multiples.

Les êtres qui y vivent ont charge des pierres
et du temps. De leur langue irracontable se
détachent fissures, failles, magma. Dés l’abord
leur bruit de braise.

On peut, en ouvrant sa main, trouver au
creux de petits blocs volcaniques âpres,
transparents parfois et oubliés depuis long-
temps.

Il y aurait là, peut-être, un passé.


1
O sítio fica nos arrabaldes da cidade. Aí onde as zonas
periféricas têm a cor das árvores. Onde
no meio das folhas, os vidros e o betão
abrem múltiplos limiares.

Quem lá vive carrega pedras
e tempo. Da sua língua inenarrável
desprendem-se fissuras, falhas, magma. Desde o princípio
o seu ruído de brasa.

Podemos, abrindo a sua mão, encontrar no
ventre pequenos blocos vulcânicos ásperos
transparentes algumas vezes e esquecidos há muito
tempo

Haverá, ali, talvez, um passado.

19 maio 2020

eréndira vorona


Mimetismo

Inmutable el vaso en el buró
aguarda la mirada pertinente
que lo rescate del olvido casual
y lo restituya a la danza
de una realidad estridente.

Azuzo la tranquilidad de sus partículas
le tiendo una trampa con la mente
o es mi mente la que me tiende la trampa
al dilucidar lo que hay detrás
de su superficie llana y transparente.

Me enamoro de su simpleza,
de su frágil existencia
que se aferra vehemente
a una impredecible trascendencia.

Agoto los espacios aparentemente vacíos


Mimetismo

Imutável o copo na cómoda
aguarda o olhar pertinente
que o resgate do esquecimento casual
e o restitua à dança
de uma realidade estridente.

Atiço a tranquilidade das suas partículas
preparo-lhe uma armadilha com a mente
ou é a minha mente que me prepara a armadilha
ao elucidar o que está por trás
da sua superfície lisa e transparente.

Enamoro-me da sua simplicidade,
da sua frágil existência
que se agarra veementemente
a uma imprescindível transcendência.

Esgoto os espaços aparentemente vazios


16 maio 2020

paula martini


Una vez amé tanto que corrí hasta el río

Cuando llegué, pesada y desnuda, a la orilla,
con caracoles como dientes y dedos de arena
nadie me miró o tal vez
lo hicieron las piedras, que son infinitas

Después todo fue una confusión
y el viento era tanto que se me enredó el pelo
en esqueletos de pescados.
en camalotes con yuyos y culebras

tanto estaba amando que miré el horizonte
con los pezones erguidos y los ojos nublados

Pero el manso río marrón
me disolvió los dedos
y se llevó los caracoles.


Uma vez amei tanto que corri até ao rio

Quando cheguei, pesada e nua, à margem,
com caracóis como dentes e dedos de areia
ninguém olhou para mim ou talvez
o tenham feito as pedras, que são infinitas

Depois, foi tudo uma confusão
e o vento era tanto que enrolou o meu cabelo
em esqueletos de pescado.
em camalotes com ervas e cobras

estava a amar tanto que olhei para o horizonte
com os mamilos eretos e os olhos enevoados

Mas o manso rio castanho
dissolveu-me os dedos
e levou-me os caracóis.



13 maio 2020

dafne pidemunt


Si se pudiera pedir el sol como se pide un café.

Desayuno a solas con el tiempo
(implacable el tiempo, a la hora de respirar)

Te digo palabras para que dejes de creer en mí:
digo abejita succionando una flor,
luna en tu sombra,
agua que te quema,
digo canción.

Te entregaría mi sangre a cambio de tus miedos.

-A veces el amor
no es asunto de los muertos.


Se fosse possível pedir o sol como se pede um café.

Pequeno-almoço a sós com o tempo
(implacável o tempo na hora de respirar)

Digo palavras para que deixes de acreditar em mim:
digo abelhinha sugando uma flor
lua na tua sombra
água que te queima
digo canção.

Entregar-te-ia o meu sangue em troca dos teus medos.

- Às vezes o amor
não é assunto dos mortos.


10 maio 2020

mónica navarro


estalla un brote verde claro
erige una batalla mientras la fisura se extiende:
la corteza es lo de menos

cayó la semilla en esta localidad
mal escogida comunión de voces

las definiciones cercando su terreno
obstruyendo la ruta de su avance

las raíces fueron a parar bajo el cemento
de una casa pareada por tres de sus lados
construida en el noventa
en el desdén maquillado
trazado en un papel de servilleta
que rezaba la palabra comunidad

llegué yo veinticinco años después
abrí el ventanal hacia el cielo del ciruelo:
la sombra era lúcida y dejaba ver
aquello que nos estaba permitido

y en eso encontré la herida

en el suelo un accidente;
el estruendo del vidrio cada vez
que intentaba abrirse hacia el afuera
.la rotura paciente de los marcos
el desgaste de las manillas
terminó por clausurar una entrada
donde no había otra


deflagra um surto verde claro
erige uma batalha enquanto a fissura se estende:
a casca é o menos

caiu a semente nesta localidade
mal escolhida comunhão de vozes

as definições a cercar o seu terreno
obstruindo a rota da sua dinâmica

as raízes foram parar abaixo do cimento
de uma casa emparelhada por três dos seus lados
construída nos anos noventa
no desdém maquilhado
desenhado em papel de guardanapo
que rezava a palavra comunidade

cheguei eu vinte e cinco ano depois
abri a janela para o céu da ameixoeira:
a sombra estava lúcida e deixava ver
aquilo que não era permitido

e nisso encontrei a ferida

no chão um acidente;
o estrondo do vidro todas as vezes
que tentava abrir-se para fora
a rotura paciente dos caixilhos
o degaste das maçanetas
acabou por enclausurar uma entrada
onde não havia outra

07 maio 2020

erika martínez


Abolirse

Se podría afirmar: yo soy mi cuerpo.

Sin embargo, si perdiera la pierna derecha en una batalla o huyendo de la batalla o más bien en un estúpido accidente doméstico, seguiría siendo yo.

También seguiría siéndolo si perdiera las dos piernas, o incluso todos mis miembros.

¿Cuánto cuerpo tendría que perder para dejar de ser yo?

Quizás una mínima parte de mí representaría al resto por sinécdoque. O quizás mis restos me convertirían en otra.

Cortarte las uñas te modifica existencialmente.



Abolir-se

Poder-se-ia afirmar: eu sou o meu corpo.

Porém, se ficasse sem a perna direita numa batalha ou a fugir da batalha ou até num estúpido acidente doméstico, continuaria a ser eu.

Também continuaria a ser eu se perdesse as duas pernas ou mesmo todos os meus membros.

Que quantidade de corpo teria de perder para deixar de ser eu?

Talvez uma mínima parte de mim representasse o resto por sinédoque. Ou talvez os meus restos me convertessem em outra.

Cortar as unhas modifica-nos existencialmente.


04 maio 2020

rocío acebal



Hijos de la bonanza

Mi infancia son recuerdos de un piso a las afueras
y un huerto descuidado en la ventana;
mi juventud, veinte años de cuadernos de inglés.

Conseguirás —dijeron—
mucho más que tus padres y sus padres:
estudia cuatro años y tendrás un trabajo,
trabaja y vivirás siempre tranquila;
trabaja y serás digna de un futuro.
Asentí, como todos —hijos de la bonanza—.

No atendimos a aquel presentimiento
aquel olor a pólvora —aún distante—
que asomaba en voz baja
como un eco de angustia a puertas de palacio.

De aquel país ajeno a las fronteras
solo guardo el recuerdo de la luz
y una aversión a la palabra patria.


Filhos da bonança

A minha infância são lembranças de um apartamento nos subúrbios
e um horto negligenciado na janela;
a minha juventude, vinte anos de cadernos de inglês.

Conseguirás — diziam
muito mais que os teus pais e os pais deles:
estuda quatro anos e terás trabalho,
trabalha e viverás sempre tranquila;
trabalha e serás digna de um futuro.
Assenti, como todos — filhos da bonança —.

Não prestámos atenção àquele pressentimento
àquele cheiro a pólvora – ainda distante -
que assomava em voz baixa
como um eco de angústia às portas do palácio.

Daquele país alheio às fronteiras
só guardo a lembrança da luz
e uma aversão à palavra pátria.


01 maio 2020

daria menicanti


C'è gatta e gatta

Le mie cose le alliscio come fa
la gatta coi gattini che li lecca
a lungo e a lungo
e ne trae il pelo matto
Fin qui d'accordo. Ma se uno di quelli
è venuto infelice
lei se lo tiene vicino e con sé.
Cuore di ferro io mie cose nate
male le butto.

Há gatas e gatas

Achato as minhas coisas como
a gata com as crias lambendo-as
de ponta a ponta
tirando-lhes o pelo de borboto.
Até aqui tudo bem. Mas se uma delas
irrompe desgraçada
ela tem-na à sua volta e consigo.
Coração de ferro, eu às minhas coisas mal
nascidas, arranco-as.

28 abril 2020

angelina suyul


Milbail

K’unk’un xa tstots ak’obal li lumaltok,
Chjulav jun vinik svayijelinoj potslom,
chchapbe sk’oplal kuxlejal yan vinik xtok,
skuchoj xtal xbat, xmal sakub sti’etel sjol,
xjit’et xkulajet ik’al kantila
syak chchape ik’ osil sbik’taltak yo’nton.

Ta jun ch’en chik’ lok’eltal ik’ubel ta osil:
chamel ti buch’u k’opoj xchi’uke.
Xvinaj xa li jbeiltasvanej tana une,
slapoj syaxk’utan k’u’,
lek xvinaj kiletel chon schukinoj.

Paj xa yuk’umal satik li kantilaetik,
li ak’obale xts’ijlan, xi’el xa sba:
oy chabiej ch’ulelal ta jlikel;
Oy buch’u chanav batel ta lajebal tana.

Assassinato

Faz a névoa devagar o design da noite,
acorda um homem em animismo de pathos,
traça o destino de outro homem,
dia e noite, daqui para ali com o seu ódio insaciável,
velas negras em sulcos apressam-se em seu derreter
enquanto pratica o escuro pesadelos do coração.

Numa caverna invoca a nostalgia;
fez pacto com a morte.
A morte é agora tangível,
vestida com verde jade,
ressalta a sua cinta de serpente,
será um deus das montanhas.

Das velas cessou o seu rio de lágrimas,
a noite torna-se tranquila e temerosa:
haverá vigilantes de uma alma mais tarde;
depois alguém viajará ao Hades.


25 abril 2020

raquel jaduszliwer


Padre habla
dice
cuida de los rebaños hija
hasta tu último día

ese es nuestro legado somos tribus de exilio
dispersiones en tiempos de nevada

cuida de los rebaños
las pasturas
atrás quedaron las casas incendiadas
todo lo abandoné para que un día nacieras

ah cómo arrancarme hija
esa bala de plata que sigue disparándose

así hablaba mi padre
quedó escrito:

todos los sobrevivientes somos huérfanos
todo el tiempo del mundo sigo viendo las casas incendiadas.


O pai fala
diz
cuida dos rebanhos filha
até ao teu último dia

Esse é o nosso legado somos tribos de exílio
dispersões em tempos de nevão

cuida dos rebanhos
das forragens
para trás ficaram as casas incendiadas
abandonei tudo para que um dia nascesses

ah como arrancar de mim filha
essa bala de prata que continua a disparar

assim falava o meu pai
ficou escrito:

todos os sobreviventes são órfãos
durante todo o tempo do mundo continuo a ver as casas incendiadas

19 abril 2020

agustina lescano


La botella y yo
transpiramos en la vereda
el aire está casi tan espeso
como la calle
y deja a todos en el barrio
mirando hacia el fondo de la avenida
como si fuera a pasar algo.
A la hora de siempre
aparece el loco
corriendo con la camisa abierta
y en la mano una bolsa de mercado
vacía y con los bordes descosidos
donada por alguna familia
que ahora usa bolsas de plástico
para comprar cosas y después tirarlas.

Yo era chica y un tipo en la tele
hablaba sobre el tema: linyeras
salí a la puerta y le pregunté a mamá
qué era.
Apareció el loco a la misma hora
y mi mamá señaló con la cabeza
yo lo quedé mirando y él me gritó
y siguió corriendo
qué pasa, nena
nunca viste un hombre.


A garrafa e eu
transpiramos na calçada
o ar está quase tão espesso
como a rua
e põe todos no bairro
a olhar para o fundo da avenida
como se estivesse para se passar alguma coisa.
À hora de sempre
aparece o maluco
a correr com a camisa aberta
levando na mão um saco de compras
vazia e com as pontas descosidas
doado por alguma família
que agora utiliza sacos de plástico
para comprar coisas e depois tirá-las.

Eu era miúda e um tipo na tv
falava sobre o assunto: vadios
fui à porta e perguntei à minha mãe
o que era isso
Apareceu o maluco à mesma hora
e a minha mãe apontou-o com a cabeça
eu fiquei a olhar para ele e ele gritou-me
e continuou a correr
que se passa, miúda
nunca viste um homem?



16 abril 2020

marge piercy


The cat song

Mine, says the cat, putting out his paw of darkness.
My lover, my friend, my slave, my toy, says
the cat making on your chest his gesture of drawing
milk from his mother’s forgotten breasts.

Let us walk in the woods, says the cat.
I’ll teach you to read the tabloid of scents,
to fade into shadow, wait like a trap, to hunt.
Now I lay this plump warm mouse on your mat.

You feed me, I try to feed you, we are friends,
says the cat, although I am more equal than you.
Can you leap twenty times the height of your body?
Can you run up and down trees? Jump between roofs?

Let us rub our bodies together and talk of touch.
My emotions are pure as salt crystals and as hard.
My lusts glow like my eyes. I sing to you in the mornings
walking round and round your bed and into your face.

Come I will teach you to dance as naturally
as falling asleep and waking and stretching long, long.
I speak greed with my paws and fear with my whiskers.
Envy lashes my tail. Love speaks me entire, a word

of fur. I will teach you to be still as an egg
and to slip like the ghost of wind through the grass.


Cantiga do gato

Minha, diz o gato, pondo a sua pata fora do escuro.
Minha amante, minha amiga, minha escrava, meu brinquedo, diz
o gato, performando no teu peito o seu passo de
leite das tetas esquecidas da mãe.

Vamos andar pelos bosques, diz o gato.
Vou ensinar-te a ler o manual dos aromas,
a camuflares-te nas sombras, a esperar como uma armadilha, a caçar.
Agora deixo-te este bojudo rato quente no teu tapete.

Alimentas-me, eu tento alimentar-se, somos amigos,
diz o gato, embora eu seja mais igual que tu.
Consegues saltar vinte vezes mais do que a altura do teu corpo?
Consegues subir e descer árvores a correr? Saltar entre telhados?

Vamos esfregar os nossos corpos juntos e falar de toque.
As minhas emoções são como cristais de sal, puras e duras.
O meu desejo brilha como os meus olhos. De manhã canto para ti
passeando vezes sem conta na tua cama e no teu rosto.

Vem, vou ensinar-te a dançar com a mesma naturalidade
de adormecer e acordar e espreguiçar longo, longo.
Digo ganância com as minhas patas e medo com os meus bigodes.
Inveja chicoteia minha cauda. O amor fala-me inteiro, uma palavra

de pelo. Vou ensinar-te a ficar imóvel como um ovo
e a caminhares em silêncio como o fantasma do vento pela relva


13 abril 2020

triin soomets



Ma näen su käsi
mis on mulle laulnud
söötmas linde võõra linna väljakul.
Näen omagi verd kandmas suuri laevu,
näen neid uppumas ja ärkamas
sadamas, mis on saatnud kaile oma ilusamad tüdrukud.
Näen sind väljumas kõrtsist, sa ei ole kaotanud midagi.
Näen kõrtsi kokku varisemas.
Näen linde ehmatamas lendu su silmi.

Vejo as tuas mãos
que me cantaram
ao dar de comer aos pássaros numa cidade alheia.
Vejo barcos enormes flutuando no meu próprio sangue,
Vejo como naufragam, vejo como emergem
No porto que mandou as suas raparigas mais bonitas para o molhe.
Vejo-te a sair da taberna, não perdeste nada.
Vejo a taberna a esboroar-se.
Vejo os pássaros a voar assustados nos teus olhos.

10 abril 2020

anna orlítskaya


наш кинотеатр

поле тонет в тумане
вспыхивают васильки
и ни одна птица
не нарушит тишины
прерывистым криком

в следующем кадре
мы идем по пустыне
несем кувшин молока
ты отвечаешь на все вопросы кивком головы
у меня неделю назад сломались часы
в следующем кадре мы идем назад

мы доходим до осени
перелистываем календарь
отмечаем дату красным карандашом
мы еще вернемся и в эту комнату, и к этим карандашам
пыльный подоконник протрем

поседевшие васильки в пол-литровой банке стоят на окне
за окном – река
до краев полна молока
и смерти нет



o nosso filme

o campo naufraga no nevoeiro
brilham as centáureas
e não existe pássaro
que quebre o silêncio
com o seu grito descontínuo

no próximo fotograma
caminhamos no deserto
levamos uma garrafa de leite
com movimentos de cabeça respondes a todas as perguntas
o meu relógio avariou-se há uma semana
no fotograma seguinte voltamos

chegamos até ao outono
damos a volta ao calendário
marcamos a vermelho a data
regressaremos e estes lápis a este quarto
limparemos o peitoril coberto de pó

na janela centáureas encanecidas num frasco de meio litro
depois da janela, um rio
repleto de leite até à borda
e de morte já não mais