14 agosto 2019

melisa papillo


El viaje de la tortuga

Parece el ruido de un ciclón y es sólo un poco de viento
estrellándose contra el vidrio.
Salió el sol en Buenos Aires después de varias semanas de lluvia
y hay algo más que luz en los rayos que se filtran
por las hojas de los árboles.
Una fotosíntesis de otro orden
que intenta procesar en mí
Cruzo la plaza y entro al café. Mi recreo semanal
-bebé duerme en nuestra cama-.
Alimentarse, crecer, desarrolarse.
Me oriento hacia la luz, creo estar absorbiendo algo.
Levanto la vista del libro y en la mesa de adelante
está el viejo de la otra cuadra. Deja sus muletas sobre la pared
y lo miro, poco disimulada. Lee el diario.
Se vistió de camisa para salir al bar.
Tan enjuto repasa las noticias
como mira a través de las rejas de su porche.
Lo incomodo: cambia de postura.
Se yergue, retoca el cuello de su camisa y ahora
lee asintiendo con toda la cabeza. ¿Estamos hablando?
Después toma las muletas y se va
con toda su joroba caparazón. Un esfuerzo por un café,
por hacer la fotosíntesis.
No soy la única planta en mi especie.
La mesera cambia de canal.
Ahora un partido de fútbol sintoniza la mañana.


A viagem da tartaruga

Parece o barulho de um ciclone, mais não é que um pouco de vento
espatifando-se contra o janelame.
Em Buenos Aires, o sol despontou após semanas de chuva
e há mais para além da chuva nos raios filtrados
pelas folhas das árvores.
Uma fotossíntese de outra dimensão
que em mim se tenta metabolizar.
Atravesso a praça e entro no café. O meu recreio semanal.
- o bebé dorme na nossa cama -
Ser alimentado, crescer, desenvolver-se.
Oriento-me para a luz, julgo estar a absorver qualquer coisa.
Levanto a vista do livro e na mesa em frente
está o velho do outro quarteirão. Deixa as muletas encostadas à parede
Olho para ele sem grande dissimulação. Lê o jornal.
Pôs uma camisa para ir ao bar.
Assim enxuto diagonaliza as notícias
tal como olha através das grades do seu porsche.
Estou a incomodá-lo : muda de posição.
Levanta-se, compõe o colarinho da camisa e agora
lê acenando com a cabeça. Estaremos a falar?
Depois pega nas muleta e vai-se embora
com toda a sua corcunda carapaça. Um esforço por um café
para fazer a fotossíntese
Não sou a única planta da minha espécie.
A empregada de mesa muda de canal
Agora um jogo de futebol sintoniza a manhã.


11 agosto 2019

azahara palomeque


Me hago de avispas
muerdo a los pájaros y sus almenas abalanzan el sol
mientras caigo de nuevo.
Ícaro vuelve a trabajar en la mina. Suda
por sus hijas
llenas de puentes vacíos, no hay quien
en este cielo espere una gota de más
que sea futuro.
Me he hecho de alas que, en los basureros,
encontraron disfraces para las mordeduras,
insectos clavados en los aludes,
anocheceres rápidos,
viejas mañanas donde elegir
entre lo yermo y lo negro de mi cuerpo.
Si pudiera arrepentirme.
Si pudiera escoger
de nuevo el animal, sería ambulancia.

Torno-me vespa
mordo os pássaros e as suas ameias aproveitam o sol
enquanto caio de novo.
Ícaro volta a trabalhar na mina. Sua
pelas suas filhas
cheias de pontes vazias, não há quem
neste céu espere uma gota a mais
que seja futuro.
Fiz-me com asas que, nas lixeiras,
encontraram disfarces para as mordidas,
insetos cravados nas avalanches,
anoiteceres rápidos
velhas manhãs onde optar
entre o ermo e o negro do meu corpo.
Se pudesse arrepender-me.
Se pudesse escolher
de novo o animal, seria ambulância.



08 agosto 2019

olivia milberg


Acá se le pone nombre a las cosas. A los ranchos, las barcas, los caminos. Incluso a algunas rocas, La roca del Muerto, El Culo Limpio, La Ballena.

Le pregunto a Elsa cómo se llama la oveja y me mira con cara de nada.

-¿lo qué? ¿la oveja? Oveja, nomás.

Todos los días le doy la mamadera.


Por aqui põe-se nome às coisas. Aos ranchos, aos barcos, aos caminhos. Inclusivamente a algumas rochas : A rocha do Morto, O Cu Limpo, A Baleia.

Pergunto a Elsa como se chama a ovelha e ela olha-me com cara de caso

- o quê? A ovelha? Ovelha, apenas.

Todos os dias lhe dou o biberão




05 agosto 2019

geraldine mac burney jones



El mundo duerme hasta su cicatriz,
duerme, el mundo duerme,
para no saber de qué turbulencias
está hecha su carne.

Pero el reverso de los ojos no miente.
Porque herida sobre herida es ardor.

O mundo dorme até à sua cicatriz,
dorme, o mundo dorme,
para não saber de que turbulências
se faz a sua carne.

Mas a tradução dos olhos não mente.
Porque ferida sobre ferida é ardor.


III.

Delicioso pájaro azul:

come mi vestido.


Dentro no habrá tiempo.


XI.

Hay algo de luz en esta barca.

¿Dónde veré la luna?

¿Cómo cantaré bajo la tierra?

¿Quién comerá de este cuerpo?


Habrá algo de luz

y será la nieve.



III.

Delicioso pássaro azul:

come o meu vestido.


Dentro sem tempo.


XI.

Há pachos de luz nesta barca.

Onde ver a lua?

Como cantar debaixo da terra?

Quem comerá este corpo?


Haverá pachos de luz

serão neve.



02 agosto 2019

cécile coulon


Des poumons supplémentaires

Ces manques que nous portons en nous
Comme des poumons supplémentaires
Des branchies allumées
Mille ramures d’acier et de chair
Sinon, comment pourrait-il respirer
Le désir qu’on enfouit sous nos terres ?
Dans ton corps il a creusé deux trous
Qu’il a remplis de larmes et de lumière
Ces brèches aux couleurs ambulantes
Par où nous devinons les manques
Ces manques que nous portons en nous
Comme des poumons supplémentaires
Sens-tu cette âme qui suffoque dans les couloirs du sang
Les rochers de la gloire où l’amour se fracasse ?
Tu es ton adversaire
Le monde n’a plus besoin d’innocents
Le monde veut des passions
Un jour nous dormirons dans sa carcasse
Sous des cieux abîmés que secoue
Un dieu qui n’en a rien à faire
De ces manques que nous portons en nous
Comme des poumons supplémentaires
Si tu me cherches encore sache que je suis dans ta vie
Je ne quitte pas tes ornières
Je n’ai pas su ronger
La laisse que tu m’as mise au cou
Ces deux trous dans ton visage ils se ferment la nuit
Je n’ai plus besoin de voir derrière
Pour savoir ces manques que nous portons en nous
Comme des poumons supplémentaires.

Pulmões suplementares

Essas ausências que trazemos em nós
Como pulmões suplementares
Guelras acesas
Mil armações de aço e carne
Senão, como se poderia respirar
O desejo de nos enterrarmos nas nossas terras?
Em seu corpo ele cavou dois buracos
Que preencheu com lágrimas e luz
Essas fendas com cores ambulantes
Através da quais adivinhamos as ausências
As ausências que trazemos em nós
Como pulmões suplementares
Por que nós achamos as faltas
Sentes essa alma que sufoca nos corredores do sangue
Os rochedos da glória onde o amor se estilhaça?
Tu és o teu adversário
O mundo já não precisa de inocentes
O mundo quer paixões
Um dia dormiremos na sua carcaça
Debaixo de céus esburacados
Sob os céus arruinados, agitados por
Um deus que não se importa
Com as ausências que trazemos em nós
Como pulmões suplementares
Se ainda me procurares que saibas que estou na tua vida
Não abandono os teus sulcos
Eu não soube roer
A coleira que me puseste no pescoço
Essas duas fendas no teu rosto fecham-se à noite
Já não preciso de olhar para trás
Para saber destas ausências que trazemos em nós
Como pulmões suplementares


30 julho 2019

victoria ramírez mansilla


Parentesco

a esta edad me preguntan
si deseo tener hijos
temo pensar que nadie sabe
cómo ser un buen pariente

sueño a veces con un niño sofocado
lo he olvidado en una camioneta
cuarenta grados y las puertas son ladrillos

otras veces es un trozo de carne
que deshielo paciente bajo el agua

en mis sueños no puede decir sí
al pasar los días nuestra afinidad crece
y cada noche devuelvo la habilidad
de escurrir agua por los ojos.

Parentesco

com esta idade perguntam-me
se quero ter filhos
receio pensar que ninguém sabe
como ser um bom parente

sonho às vezes com uma criança sufocada
esqueci-a numa camioneta
quarenta graus e as portas são tijolos

outras vezes é um pedaço de carne
que descongelo na água

nos meus sonhos não pode dizer sim
com o passar dos dias a nossa afinidade cresce
e todas as noites devolvo a habilidade
de escorrer água pelos olhos.


27 julho 2019

laura fuksman


Todo comenzó en la oscuridad
la estrepitosa caída del imán
y las astillas que quedaron sobre la baldosa de la cocina.
Lo que siguió a tu rugido
fue ejercicio de buenos modales:
acariciar la gata
ofrecerme un té.

Subterráneo, el temblor
suave no cesó hasta despertar
al demonio que habita en los arenales.

Tudo começou no escuro
a estrondosa queda do imã
e as lascas deixadas nos ladrilhos da cozinha.
O que se seguiu ao teu rugido
foi exercício de boas maneiras:
afagar a gata
oferecer-me um chá.

Subterrâneo, o tremor
suave não cessou até acordar
o demónio que vive nos areais.


24 julho 2019

paula ilabaca


Estoy pensando en irme corriendo. Arriba hay un cerro gigante arriba de mi arma mi plaza mi querida amada bandera. Voy pasando lejos. Las líneas eran tres. Voy pasando escucho los pasos de todos esos horrores. Voy pasando y me digo. Está bueno. Voy pasando y me digo. Las líneas son tres. Las líneas dirán vas a vivir. Las líneas son tres. Las líneas dicen vas a vivir.


Estou a pensar sair a correr. Em cima está um cerro gigante em cima da minha arma a minha praça a minha querida amada bandeira. Passo ao longe. As linhas eram três. Passo oiço os passos de todos esses horrores. Passo e digo-me. Está bom. Passo e digo-me. As linhas são três. As linhas dirão vais viver. As linhas são três. As linhas dizem vais viver.


21 julho 2019

ana minga



I
Mi corazón es un vigía que fuma. Los
versos ahora son ojos ciegos.

Cuando nací nació un inútil que para
curarse del frío utiliza el alcohol y grita
antes de caer fusilado.

Sé que te debo una dedicatoria pública
pero temo el ridículo y opto por la
mudez de los espejos.

Pero debes saber que eres toda mi
cabeza perdón por esconder las
palabras la disnea sólo ofrece vértigo y
nada vuelve salvo los nombres que se
lanzan al eco.

I
O meu coração é uma sentinela que fuma. Os
versos agora são olhos cegos.

Quando nasci nasceu um inútil que para
se precaver do frio usa álcool e grita
antes de cair fuzilado.

Sei que te devo uma dedicatória pública
mas receio o ridículo e opto pela
mudez dos espelhos.

Mas tens de saber que és toda a minha
cabeça desculpa esconder as
palavras a dispneia só traz vertigem e
nada retorna salvo os nomes que se
lançam ao eco.



18 julho 2019

elena román


Colgado de un junco

La gente se saluda en las proximidades del río
y no le afecta que su saludo no sea devuelto
y se quede colgado del aire.
Cuanto más cerca se esté del río,
más se saluda la gente y sonríe
aunque no tenga respuesta y su saludo
se quede colgado de un junco.
Pídele a la Guardia Civil que cambie los tiempos,
se dicen entre ellos
para empezar y terminar una conversación
que se queda colgada del cuello.


Pendurado num Junco

As pessoas cumprimentam-se à beira do rio
e não ficam afetadas por não lhes ser devolvido o cumprimento
ficando pendurado no ar.
Quanto mais perto se esteja do rio
mais se cumprimentam as pessoas e sorria
mesmo não tendo resposta e o seu cumprimento
fique pendurado num junco.
Pedem à Polícia que mude os tempos,
dizem entre eles
para começar e acabar uma conversa
que fica pendurado pelo pescoço.



12 julho 2019

daniela prado


Peces tropicales

Escribo con el cerebro en mis manos
y el corazón en los ojos
Todo lo que percibo
se recubre de nostalgia
entonces, se hace cristalino y frágil

Como esos pequeños peces trasparentes
que se camuflan con mis lágrimas
cada vez que me asomo
al acuario vacío.

Peixes tropicais

Escrevo com o cérebro nas mãos
e o coração nos olhos
Tudo o que percepciono
recobre-se de nostalgia
então, torna-se cristalino e frágil

Como esses pequenos peixes transparentes
que se camuflam com as minhas lágrimas
cada vez que me debruço
sobre o aquário vazio.


09 julho 2019

denise vargas


Clases de natación

A los nueve años descubrí cuánto pesa un cuerpo
en el fondo de una piscina.

Hasta entonces, solo conocía la ligereza de flotar,
cruzar de punta a punta la vida en una alberca. Las
horas fluían, abriéndose bajo cada brazada. En ese
húmedo trance de quietud, todo parecía liviano.
Solo mi padre sospechaba de ese hondo santuario
en que me sumergía, y sus ojos vigilaban mi ritual.

Esa tarde, algo rompió la nitidez del fondo. Un
cabello largo subía como humo buscando la
superficie. Dos brazos agitaban el agua sin alcanzar el
vuelo. Me acerqué, sus manos se aferraron a mi cuello,
y en un violento nudo de codos y burbujas nos fuimos
alejando sin luz. Supe en ese instante cuánto pesa
la vida en el fondo de una alberca: es llevar la muerte
colgada del cuello como un ancla; pesa más aún que la
mano que cierra unos párpados por última vez.
Esa tarde nos salvaron las señales de humo y los
ojos de mi padre. Pero nada nos libro de morir a la
niñez, y nacer prematuramente, en esa placenta de
cloro, al dulce agobio de saberse mortal.

Aulas de natação

Aos nove anos descobri quanto pesa um corpo
no fundo de uma piscina.

Até então, só conhecia a leveza de flutuar,
atravessar de um lado ao outro, a vida numa piscina. As
horas fluíam, abrindo-se debaixo de cada braçada. Nesse
húmido transe que quietude, tudo parecia leve.
Só o meu pai suspeitava desse fundo santuário
onde eu submergia e os seus olhos vigiavam o meu ritual.

Nessa tarde, alguma coisa quebrou a nitidez do fundo. Um
cabelo longo subia como fumo à procura da
superficie. Dois braços agitavam a água sem conseguir o
voo. Aproximei-me, as suas mãos agarraram-se ao meu pescoço,
e num violento nó de cotovelos e bolhas fomos-nos
afastando sem luz. Soube nesse instante quanto pesa
a vida no fundo de uma piscina : é levar a morte
pendurada ao pescoço como uma âncora ; pesa mais ainda que a
mão que fecha pálpebras pela última vez.
Nessa tarde, fomos salvos pelos sinais de fumo e pelos
olhos do meu pai. Mas nada nos livrou de morrer na
infância, e nascer prematuramente, nessa placenta de
cloro, no doce fardo de se saber mortal.



06 julho 2019

joy harjo


This Morning I Pray for My Enemies

And whom do I call my enemy?
An enemy must be worthy of engagement.
I turn in the direction of the sun and keep walking.
It’s the heart that asks the question, not my furious mind.
The heart is the smaller cousin of the sun.
It sees and knows everything.
It hears the gnashing even as it hears the blessing.
The door to the mind should only open from the heart.
An enemy who gets in, risks the danger of becoming a friend.

Esta manhã rezo pelos meus inimigos

E a quem chamar meu inimigo?
Um inimigo deve ser digno do combate.
Redondeio em direção ao sol e continuo a andar.
É o coração quem faz a pergunta, não a minha mente furiosa.
O coração é o mais pequeno primo do Sol. Ele olha e sabe
todas as coisas. Ouve o ranger como ouve a bendição.
A porta da mente só deve ser aberta a partir do coração.
Um inimigo que se interponha, arrisca-se
ao perigo de se converter
em um amigo


03 julho 2019

malen denis


Bajo cero

Escupías fuego por la boca cuando te conocí. Debería haber intuido el peligro: un chico de dieciséis años sin remera, tomando sorbos de nafta en el medio del campo helado para escupir llamaradas. El pasto grisáceo estaba cubierto de escarcha, a vos te caía, por el surco que dejan tus pulmones en tu pecho pálido, un hilo de kerosene. Brillabas por partes, un Vermeer caprichoso. La noche y la intemperie te quedan bien, algo de leñador que tenés, una actitud de resolver a la fuerza, a hachazos.

Ese invierno intentaron convencerme de que el frío era un estado en la mente. Es una sensación y una sensación siempre es psicológica, lanzó un pequeño Einstein que desconocía el concepto de hipotermia. No quería tener que discutir con un varón, además, hubiera dado todo por dejar de temblar, así que, sentada en un tronco bajo, hacía fuerza para encontrar telepáticamente el calor, hecha un bollo dentro de mi saco azul. Te encantaba ese saco, decías que era del color exacto. Nunca supe exacto respecto de qué.

Cuando caminaste recto hacia mi dirección, juraba que había alguien justo detrás de mí. ¿Estás borracha?, lanzaste mientras tomabas forma humana, rígida. Limpiabas tu pecho con una toalla de mano decorada por un bordado en cursiva y el dibujo de una manzana. Con velocidad magistral, te calzaste un suéter grueso de lana sobre la piel desnuda, seguro picaba, pero no emitiste queja alguna. Un fruncimiento de cejas te dejó la cara en penumbras: no lo hagas más, vos no sos como esas chicas, a vos no te queda bien. Te miraba como Sailor Moon a Toxeedo Mask, como un gatito tierno de internet, y vos ya conocías esa mirada.

Lo que me cautivó fue tu capacidad de ser definitivo. Yo con suerte tenía el límite de la ropa para determinar que era un ser humano, pero vos parecías ya completo, claramente cortado del fondo por un troquel del cual te habías desprendido hacía tiempo ya, parecías saber mucho de todas las cosas. Y qué honor no ser como "esas chicas", aunque no tuviera idea de quiénes eran. Y qué honor ser elegida para un consejo. La alegría me invadió el cuerpo como un látigo eléctrico.

Abaixo de zero

Cuspias fogo pela boca quando te conheci. Devia ter intuído o perigo: um rapaz de dezasseis anos sem camisa, tomando goles de nafta no meio do campo gelado para cuspir labaredas. A relva acinzentada estava coberta de geada, em ti caía, pelo sulco que os teus pulmões abrem no teu peito pálido, um fio de querosene. Brilhavas por partes, um Vermeer caprichoso. A noite e a intempérie ficam-te, qualquer coisa de lenhador em ti, uma atitude de resolver à força, à machadada.

Nesse inverno tentaram convencer-me que o frio era um estado da mente. É uma sensação e uma sensação é sempre psicológica atirou um pequeno Einstein que desconhecia o conceito hipotermia. Não me apetecia discutir com um rapaz, além disso daria tudo para deixar de tremer e por isso, sentada num tronco mais abaixo, fazia força para encontrar telepaticamente o calor, enrolada dentro do meu saco azul. Encantava-te esse saco, dizia que tinha a cor exata. Nunca soube a que se referia o exato.

Quando vieste direito a mim, jurei que havia alguém imediatamente atrás de mim. Estás bêbada? Disseste enquanto adquirias forma humana, rígida. Limpavas o peito com uma toalha de mão decorada com um bordado em itálico e o desenho de uma maçã. Com velocidade magistral, vestiste uma blusa grossa de lã sobre a pele nua, de certeza que picava, mas não emitiste qualquer queixa. franzir de sobrancelhas deixou-te a cara em penumbra: não faças mais isso, tu não és como essas raparigas, a ti não te fica bem. Olhava-te como Sailor Moon a Toxeedo Mask, como um gatinho ternurento de internet e tu já conhecias esse olhar.

O que me cativou foi a tua capacidade de ser definitivo. Eu com sorte tinha o limite da roupa para determinar que era um ser humano, mas tu parecia já completo, completamente cortado do fundo por um molde de que te tinhas desprendido já há tempos, parecias saber muito de todas as coisas. E que “honra” não ser como “essa raparigas” embora não fizesse ideia de quem eram. E que honra ser eleita para um conselho. A alegria invadiu-me o corpo como um choque elétrico.


30 junho 2019

patricia lockwood


Government Spending

The government spent a Patricia on me,
“a huge waste,” it lamented, “when we could
have been spending it on another Nixon,”
the government spent all its beauty
on the great light leap on the deer-
crossing sign — there was hardly any
beauty left for anything else in America,
and looking around them the government
said,
“Is there none left? Print more,”
you are born, you barely contain yourself,
you grow, inside you, someone spends
a billion to make prison more luxurious;
inside you, someone spends a billion
to keep libraries open one hour later;
then oh god, you feel wonderful,
you must be on welfare,
the government spent its whole education
on me, at least that is how it feels right now,
I am bursting with educational dollars,
I am bursting with other dollars as well,
I’m rounded up, I’m one long row of ohs,
I get so many commas
that the sentence doesn’t stop,
the dollars in me are a map of  Missouri
my mother can’t fold back up, oh no the map
is everywhere, but I know the way, I am hot
on a trail, I am bursting with the dollars
that put that knowing breath in drug dogs,
all the spending of  the space program is in me,
the stars seem especially close, this is because
they are a government handout, they are spending
millions on moonlight research, when I am President
I will cut the arts and let my right arm flow downhill,
I am ready, there is nothing trivial about me left,
I am eliminating the penny every second,
a dollar is peeled off a roll of  thousands,
it is the day, the mint of  it is in my mouth,
I open it, completely fresh.

Gastos governamentais

O governo gastou a Patrícia em mim
Um enorme desperdício” lamentou-se “podíamos tê-lo
gasto noutro Nixon,”
O governo gastou toda a sua beleza
na luz cintilante do sinal do cruzamento
de cervos – havia apenas um pouco de beleza
restante para alguma coisa mais na América
e olhando em volta deles, o governo
disse,
- Não resta mais nenhum? Imprimam mais.
nasceste e só te conténs a ti mesmo,
cresceste, dentro de ti, alguém gasta
um bilhão para te fazer uma prisão mais luxuosa:
dentro de ti, alguém gasta um bilhão
para manter as bibliotecas abertas por mais uma hora,
então, oh sentes-te magnífico
tens de te sentir providenciado.
O governo gata toda a sua educação
em mim, ou pelo menos é assim que se sentes,
estou cheia de dólares educativos,
estou cheia também de outros dólares
estou arredondada, sou uma longa fila de “oh’s”,
obtenho tantas vírgulas
que a oração se detém.
os dólares em mim são um mapa do Missouri
um mapa que a minha mãe não consegue dobrar, oh não o mapa
está em todos os lados, mas conheço o caminho, sou ardente
num trilho, estou cheia com os dólares
que pôs esse alento sábio nos cães drogados,
todos os gastos do programa espacial estão em mim,
as estrelas parecem estar particularmente próximas, isto é
porque sou um panfleto do governo, eles estão a gastar
milhões na investigação da luz lunar, quando eu for Presidente.
Cortarei as artes e deixarei que o meu braço direito flua costa abaixo
Estou pronto, não há nada de trivial que reste em mim.
Estou a eliminar o cêntimo a cada segundo.
Um dólar a descascar-se de um rolo de milhares,
hoje é o dia, a menta está na minha boca,
abro-a, completamente fresca.


27 junho 2019

louise dupré


…et tu pleures avec Nietzsche
devant ce vieux cheval
sous les coups de cravache

car la philosophie ne peut rien
contre la cruauté
des maîtres

pour laver la douleur
il n’y a que les larmes

et la poésie quand elle arrive
à toucher
la moelle de la langue…


e choras com Nietzsche
diante deste velho cavalo
a golpes de chicote

porque a filosofia nada pode
contra a crueldade
dos senhores

para lavar a dor
só restam as lágrimas

e a poesia quando consegue
tocar
o tutano da língua



24 junho 2019

silvia castro


como los peces
sólo recuerdo
la mitad de lo que vi

la mitad de lo que viste

una línea de tiza
alrededor de la memoria

sujeto con alfileres
el papel de molde

al desplegar la tela
no me olvido de dejar
un margen
para la costura


como os peixes
apenas lembro
metade do que vi

metade do que viste

um traço de giz
à volta da memória

preso com alfinetes
o papel de molde

ao desdobrar o pano
não me esqueço de deixar
uma margem
para a costura