20 fevereiro 2019

eva r. picazo


hay algo roto en el silencio
allí donde la pupila baila,
vemos amor domesticado
como un animal primario
la necesidad de comprender
cuantos pedazos seremos capaces
de sostener en las manos
un cuerpo incompleto llora,
como lloran las heridas nuevas
haciéndose ruido en el mapa
como lloran estos ojos
tan estúpidos
tan ajenos a mi

há uma implosão no silêncio
no lugar do baile da pupila,
estampido de amor amestrado
como um animal básico
a necessidade de compreender
quantos estilhaços seremos capazes
de suster nas mãos
um corpo incompleto chora,
assim choram as feridas novas
tornando-se ruído no mapa
assim choram estes olhos
tão estúpidos
tão alheios meus

17 fevereiro 2019

carmen ruth boillos


Matria

La niña dibuja la felicidad
sobre el cristal que tamiza una verja.
Óxido que da color
al sudario helado de las calles.

El vaho borra la pintura de dedos,
la niña prosigue su tarea,
su juego.
Que se empañen los sueños es necesario
siempre que la luz nos devuelva un unicornio.

La vieja se asoma al ventanuco
aún no se ha regalado la nieve
y crepitan las sonrisas de la niña
para espanto de quien perdió las ganas
y se deshace por dentro
con tanto recuerdo ajado.

Hay ríos de hielo, nidos de escarcha,
ruinas de silencio herido
desnudas por un tímido sol de invierno.
El misterio desvelado galopa
sobre una vereda raída de miedos
una mañana confitada de recuerdos.

Ambas se miran con sigilo
(palpita la ternura intacta),
el hogar siempre es cálido.
Gira el azúcar en la taza
como en la vida el polvo de hadas.

Mátria

A miúda desenha a felicidade
sobre o vidro que peneira uma cerca.
Óxido que dá calor
ao sudário gelado das ruas.

O vapor apaga a pintura dos dedos,
a miúda prossegue a sua tarefa,
o seu jogo.

Que os sonhos se enevoem é preciso
sempre que a luz nos devolva um unicórnio.

A velha assoma à adufa
ainda não se ofereceu a neve
crepitam os sorrisos da miúda
para espanto de quem perdeu o desejo
desfazendo-se por dentro
com tanta lembrança envelhecida.

Há rios de gelo, ninhos de geada,
ruínas de silêncio ferido
despidas por um tímido sol de inverno.
O mistério desvelado galopa
por uma vereda desgastada por medos,
uma manhã cristalizada de recordações.

Ambas se olham com sigilo
(palpita a ternura intacta),
a mátria é sempre cálida.
Mexe o açúcar na chávena
como na vida o pó mágico.

14 fevereiro 2019

elvira sastre


Ruido

Si te marchas
hazlo con ruido:
rompe las ventanas,
insulta a mis recuerdos,
tira al suelo todos y cada uno
de mis intentos
de alcanzarte,
convierte en grito a los orgasmos,
golpea con rabia el calor
abandonado, la calma fallecida, el amor
que no resiste,
destroza la casa
que no volverá a ser hogar.
Hazlo como quieras,
pero con ruido.
No me dejes a solas con mi silencio.

Ruído

Se te fores embora
sê estrondoso :
parte as janelas,
insulta as minhas lembranças,
deita ao chão todas e cada uma
das minhas tentativas
de te alcançar,
converte em grito os orgasmos,
esmurra com raiva o calor
abandonado, a calma falecida, o amor
que não resiste,
destroça a casa
que não voltará a ser pátria.
O que quer que faças
fá-lo com estrondo.
Não me deixes sozinha com o meu silêncio


11 fevereiro 2019

maria barnas


Een tafel vol mogelijkheden

Ik nam de tafel mee om aan te kunnen werken.
De poten lieten gemakkelijk los en het blad is niet zwaar
maar nu ik aan de verkeerde kant van dit huis
aan het raam zit, ontglipt me de stad. Een gezicht
waarvan ik me de naam niet herinner.

Misschien moet ik ’s ochtends niet luisteren
naar een requiem maar anders hoor ik meisjes
giechelen. Je weet nooit wanneer ze beginnen,
Kan de zangeres niet één keer een fout maken? Zoals ik

met een lange man in een laag huis aan het water.
We zwommen. We waren wel eens gelukkig
maar op een dag werd ik bang voor de tafel.

Hij trok zich er niets van aan of ik zou gaan.
Hij zou er toch wel blijven staan.

Hij wijst de nieuwe vrouw de kleine zon
die ’s nachts uit moet op de thermostaat.

Weet ze dat ze onder mijn dekens slaapt?
Dat het bed van mij is en dat ik de stoelen
en de slechte zee kom halen.

Mesa de probabilidades

Fui para a mesa para trabalhar.
Os pés desprendem-se facilmente e a parte superior não é pesada
Mas agora estou sentada na janela do lado equívoco
Desta casa, a cidade escapa de mim. Um rosto
Que não consigo recordar.

Talvez não devesse ouvir um requiem
Pela manhã, mas a não ser assim, oiço umas raparigas
A rir. Nunca se sabe quando entram em tal performance
Não poderá o solista cometer um único erro? Como eu

Com um homem alto numa pequena casa em cima da água.
Fomos nadar. Às vezes estávamos felizes
Mas um dia assustei-me na mesa.

Não fez qualquer diferença o ir-me embora
Porém estaria ali de todas as maneiras.

Apresenta-lhe a nova esposa o pequeno sol
Que aparece no termostato de noite.

Saberá ela que está a dormir nos meus lençóis,
Que a cama é minha e regressarei
levando as cadeiras e o mar mesquinho?

08 fevereiro 2019

savannah slone


Ode To The Uterus

endometrium vessel lives in the ovum office of my temple of starlight fingernails that type out plum promises of your magical expiration date, late. redemption dahlias in other muscular dimensions release thick honey apologies, pulse pleas through muting period panties pemetrium pelvic power, yeah, hollow womb. slam your legs shut so they echo through the gymnasium of assholes who just saw your crimson crotched shorts. shoreline mirrors sex mirrors making me a mother mirrors making my mother’s mother’s mother a mother. liners of lining leak sporadic spells of searing shedding stain my sea of sheets. climactic whispers brood and bleed, they whisper whispers of their reproductive rights to contraception, yeah, you moan cries of regulation through menstruation. myometrium fertilized fetal petal, short goodbyes through constellations of toilet trickles.

Ode ao Útero

endométrio cântaro vive no gabinete ovular do meu templo de unhas com luz de estrela que digitam promessas de ameixa do teu mágico prazo de validade, tarde. dálias de redenção noutras dimensões musculares libertam espessas desculpas de mel, súplicas pulsáteis atravessando mudas calcinhas de período poder pélvico do pemetrium, yeah, ventre oco. fecha de repente as tuas pernas para que façam eco por todo o ginásio de idiotas que precisamente acabam de ver a entre-perna carmesim dos teus calções. espelhos margens espelhos sexo convertendo-me em mãe espelhos convertendo a mãe da mãe da minha mãe em mãe. costureiras de forros filtrando esporádicos feitiços de abrasadoras perdas manchando o meu mar de lençóis. sussurros culminantes incubam e sangram, eles sussurram sussurros sobre direitos reprodutivos à contraceção, yeah, tu gemes alaridos de regulação através da menstruação miométrio fertilizado pétala fetal, breves despedidas através de constelações de gotejos na sanita.

05 fevereiro 2019

sandrine davin



Lettre d’un soldat

Sur un sol nauséabond
Je t’écris ces quelques mots
Je vais bien, ne t’en fais pas
Il me tarde, le repos.
Le soleil toujours se lève
Mais jamais je ne le vois
Le noir habite mes rêves
Mais je vais bien, ne t’en fais pas…

Les étoiles ne brillent plus
Elles ont filé au coin d’une rue,
Le vent qui était mon ami
Aujourd’hui, je le maudis.

Mais je vais bien, ne t’en fais pas…

Le sang coule sur ma joue
Une larme de nous
Il fait si froid sur ce sol
Je suis seul, je décolle.

Mais je vais bien, ne t’en fais pas…

Mes paupières se font lourdes
Le marchand de sable va passer
Et mes oreilles sont sourdes
Je tire un trait sur le passé.

Mais je vais bien, ne t’en fais pas…

Sur un sol nauséabond
J’ai écrit ces quelques mots
Je sais qu’ils te parviendront
Pour t’annoncer mon repos.

Je suis bien, ne t’en fais pas …

Carta de um soldado

Em chão nauseabundo
escrevo-te estas palavras
Estou bem, não te preocupes
Preciso de repouso.
O sol sempre se alça
Mas nunca o vejo
O negro habita os meus sonhos
Mas eu estou bem, não te preocupes

As estrelas já não brilham
Acantonaram-se numa esquina de uma rua
O vento que era meu amigo
As estrelas não estão mais brilhando
Elas estão girando na esquina de uma rua
O vento que era meu amigo
Está hoje amaldiçoado por mim.

Mas eu estou bem, não te preocupes

Flui o sangue nas minhas róseas
Uma lágrima de nós
É tão frio este chão
Eu estou sozinho, descolo.

Mas eu estou bem, não te preocupes

Minhas pálpebras ficam pesadas
O comerciante de areia passa
E meus ouvidos estão surdos
Traço uma linha sobre o passado.

Mas eu estou bem, não te preocupes

Em chão nauseabundo
escrevi estas poucas palavras
Sei que eles vão assediar-te
Para anunciar o meu descanso.

Mas eu estou bem, não te preocupes




02 fevereiro 2019

catalina sojos


a la primera palabra le ofrecimos un poncho de espóndilos
y en sus tobillos atamos sonajeras

cuando la noche se volvió hueso
ella huyó con su aire

luego quedamos manchas
de aquellos que creímos danzar en su esqueleto

à primeira palavra oferecemos-lhe um poncho vertebral
e nos seus tornozelos atamos chocalhos

quando a noite se tornou osso
ela fugiu com o seu ar

depois ficamos manchas
daqueles que julgávamos dançar no seu esqueleto


31 janeiro 2019

mariela dreyfus


Poética

No que el poema
sea un artificio
para inundar la ciudad
frágil y palpitante
como un sexo enamorado.
Ni que estas líneas
te envuelvan
pálido monstruo aparecido
al final de las edades.
Sólo nuestros cuerpos voraces
y al centro mi memoria
compitiendo con una máquina de pinbol
súbitamente enloquecida.

Hemos cogido el instante
y yacemos desnudos
burdos semidioses.

Poética

Não é que o poema
seja um artificio
inundando a cidade
frágil e palpitante
como um sexo drogado.
Ou que estas linhas
te envolvam
pálido monstro aparecido
no fim das idades.
Só os nossos corpos vorazes
no centro da minha memória
competindo com uma máquina de pinball
subitamente enlouquecida.

Recolhemos o instante
e jazemos nus
toscos semideuses.


30 janeiro 2019

tilsa otta vildoso


El recién nacido observa por primera vez el rostro de su madre
Como un astronauta contempla la tierra desde el espacio
Se reconoce en esa topografía cambiante
La gravedad lo posee
Libera el cordón y se pierde en lo inmenso
Pierdo la conciencia para nacer de nuevo pierdo
La memoria para aprender mi nombre
Esta percepción de no-fragmentación
Ya mi corazón está en otro lado
Hemos brotado del huevo
De un ave del paraíso
Ahora la belleza se reproduce conmigo

O recém-nascido observa pela primeira vez o rosto da sua mãe
Como um astronauta contempla a terra a partir do espaço
Reconhece-se nessa topografia mutável
É possuído pela gravidade
Liberta o cordão e perde-se no imenso
Perco a consciência para nascer de novo perco
A memória para aprender o meu nome
Esta perceção de não-fragmentação
Já meu coração está noutro lado
Brotámos do ovo
De um pássaro paradisíaco
Agora a beleza reproduz-se comigo



27 janeiro 2019

jimena arnolfi

Hibernación

En tiempos de autopromoción constante
lo mejor es esconderse
hibernar como un animal
de sangre caliente
entrar en un sueño profundo
que el latido sea más lento
que la temperatura descienda
ahorrar energías
usar las reservas almacenadas
de los meses más cálidos
mutar en una refugiada,
invencible.

Hibernação

Em tempos de auto-promoção constante
o melhor é entrar na clandestinidade
hibernar como um animal
de sangue quente,
entrar em sono profundo
onde a vibração seja mais lenta
onde a temperatura desça;
reservar energias
usar as reservas armazenadas
nos meses mais quentes
transformar-se em refugiada,
invencível.

24 janeiro 2019

guadalupe meza


Letras pasadas

Todo lo que la mano no toca se quema
y es ceniza,
polvo de lo que alguna vez fue vida,
vida-página, página-idea,

Porque aun fuera de mis dedos,
lejos de mi boca,
porque aún no toca todo lo que soy,
y proviene de todo lo que fui,

Se destruyó ante mi presencia.

Ya nada cerca,
siempre fue externo
y enteramente mío.

Ceniza que cuando no se condensa,
vuela.

Letras passadas

Tudo o que a mão não toca queima-se
e é cinza,
pó do que alguma vez foi vida,
vida-página, página-ideia,

Porque ainda fora dos meus dedos,
longe da minha boca,
porque ainda não toca tudo o que sou,
e provém de tudo o que fui,

Destruiu-se diante da minha presença.

Já nada perto,
sempre foi externo
e inteiramente meu.

Cinza que quando não se condensa,
voa.

21 janeiro 2019

sandeep parmar


The Octagonal Tower



History is the love that enters us through death; its discipline is grief.’
Anne Michaels

I
Whatever rage has come through these sealed doors,
and scalded us black and frayed, we have no name for.
We cannot explain the quiet, sleepless shift of whispers,
a procession of shrouds along our corridors,
or the diverted eyes that cloud to see a row of winter oaks outside
shocked in their dendritic fizz. And if we do know it,
it is in the blood, in this terrible synapse of sky, in the road away.
From our house we drive down through a sunken valley
where, like a crypt, it is forever the hour of the dead.

You have always worn the wheel, pushed your hands and wrists
through its axes, as though it were a shackle. Driven, hunched.
It is the same—the sting of yucca and eucalyptus, a vein of pink
bougainvillea purged in hot pulses off rooftops—a fragrant massacre—
and the same steady road you drive every time afraid to speak,
afraid to ask when I will leave you alone in that house with your wife.
I translate your favourite song in my mind: This song of mine, no one will sing.
This song of mine that I sing myself will die tomorrow with me.

An October night, 1975. A sudden rain has liquefied the earth.
Mud isn’t enough. There is a word you use that means more than mud,
it is the sound of a foot, sunken to the ankle, pulling itself out—
the awful suck of uprooting. Like a scream, it is the fear of standing
so long that you might stay and sink forever. This sound trails
behind you and your brother as you walk the fields one last time.
You will leave and not return for ten years, to marry my mother
who you’ve not yet met. Your four bare feet make an agreement
with the earth, to remember. It prints its own response in your shadows.

II
Holidays are uncertain times. The marble face of an old king’s grief
deflects the spectacle of his queen’s death in each perfect tessera.
The Taj rises above the Jammuna, doubles paradise in the mastery of slaves.

Holidays are uncertain times; their hands are cut off arms thrown up
in celebration. Now they too mourn, and skyward pray to phantom limbs
in the gardens of heaven, alone to pluck and preen.

They are carted away without ceremony, along with the remains of stone
that, like teeth, fall out of swooning heads. The funeral begins.
Mumtaz, hollow as a bride, is veiled in by her white, carved lid.
No one knows when you were born. They think it was an autumn month.
At five you asked where your mother was. Your soot lashes pooled with fear.
Gone to your grandmother’s. Later you found her picture—
a woman propped up, freshly dead, her hands emptied of the past.
And you, seated on her lap, two years old, holding her
and what held her forever in that exposure.

III
The road widens past tracts of arched houses; you drive faster and grip the wheel.
I say I won’t leave till after the New Year, but by now it doesn’t matter.
Your knuckles are bloodless, and your stoic eyes are the calm surface of a timepiece.

Shah Jehan, imprisoned in a tower by his son, was sent a gold platter
the day of the coup with the head of his chosen heir upon it.
Seeing this the old king fell, knocked the teeth out of his head.
For eight years he watched the Taj from his window, from across the river,
in a diamond mounted in the wall that reflected it a million times over.
The soft marble hands of his wife extended to him, to the empty casket beside her.
When the river filled, he walked across it.

When the door opens, only one of us leaves. I watch your car until it is far down
through the shadows of trees. The road receives you, and the house receives you,
as does the galley of water, the trimmed hedge, the cold, sterile cell.

In your wallet, you carry a picture of my mother, from before my birth,
when she was only yours. Her pinks match the pinks of flowers;
she bows her head into the branch and smiles, as beautiful as a queen.
Love is incidental, time-bound. It is the memory of love we love.
It is the memory that fattens on pain—of these small deaths
and these stone walls. The crown that has sunken from your ears
and hangs around your neck is all that remains.

A torre octogonal

A história é o amor que nos entra através da morte; a sua disciplina é a dor.”
-Anne Michaels

I
Seja qual for a raiva que atravessou estas portas lacradas
e nos tenha escaldado em tição e nos tenha tornado pedaços, não temos nome para isso,
Não conseguimos explicar a silente e insone troca de sussurros,
uma procissão de mortalhas ao longo dos nossos corredores,
ou os olhos divergentes que se enevoam para ver uma fileira de carvalhos invernais lá fora
gelados na sua dendrítica efervescência. E se sabemos isso,
é no sangue, nessa terrível sinapse de céu, no caminho que se afasta.
Da nossa casa conduzimos através de um vale afundado
onde, como numa cripta, é sempre a hora da morte.

Sempre usaste a roda, empurrando as tuas mãos e pulsos
através dos seus eixo como se fosse uma grilheta. Impelido, encurvado,
É o mesmo – a picada da mandioca e do eucalipto, uma veia rósea
buganvilia purgada em pulsos quentes dos telhados – um fragrante massacre–
e o mesmo caminho firme por onde conduzes sempre que tens medo de falar,
medo de perguntar quando te deixarei sozinho nessa casa com a tua esposa.
Traduzo a tua canção preferida na minha cabeça : esta canção minha que ninguém cantará.
Esta canção minha que eu canto sozinha morrerá amanhã comigo.

Uma noite de outubro, 1975. Uma chuva repentina tornou líquida a terra.
Lama não é suficiente. Há uma palavra que usas que significa mais que lama,
é o som de um pé, afundado até ao tornozelo, saindo por si mesmo -
o som horrível do desenraizamento. Como um grito, é o medo a deter-se
tanto tempo que podias ficar aí e afundares-te para sempre. Este som arrasta-se
atrás de ti e do teu irmão enquanto caminhas pelos campos pela última vez.

Partirás e não regressarás durante dez anos para te casares com a minha mãe
a quem ainda não conheci. Os teus quatro pés descalços fazem um acordo
com a terra, para recordar. Imprime a sua própria resposta nas tuas sombras.

II
As férias são tempos incertos. A face marmórea da dor de um velho rei
desvia o espetáculo da morte da sua rainha em cada azulejo perfeito.
O Taj eleva-se sobre o Jammuna, um paraíso desdobrado na mestria dos escravos.

As férias são tempos incertos ; as suas mãos são braços cortados que se levantam
em celebração. Agora eles também choram e em direção ao céu rezam pelos membros-fantasma
nos jardins do céu, só para arrancar e limpar.

São levados para lá sem qualquer cerimónia, junto com os restos de pedra
que, como dentes, caem das desvanecidas cabeças. O funeral começa.
Mumtaz, oca como uma noiva, está velada pela sua coberta talhada e branca.
Ninguém sabe quando nasceste. Acham que foi num mês de outono.
Com cinco anos perguntaste onde estava a tua mãe. As tuas abas de ferrugem juntas pelo medo.
Tinha ido com a tua avó. Mais tarde encontraste o seu retrato -
una mulher escorada, recém-morta, com as mãos esvaziadas do passado.
E tu, sentada no seu regaço, dois anos de idade, sustendo-a
e o que a manteve para sempre nessa exposição.

III
O caminho alarga-se a seguir às casas arqueadas ; conduzes mais depressa e aferras-te ao volante.
Digo que não partirei antes da passagem do Ano Nono, mas por agora não interessa.
As tuas articulações não têm sangue e os teus olhos estóicos são a superfície tranquila de um relógio.

Shah Jehan, encarcerado numa torre pelo seu filho, recebeu uma bandeja de ouro
no dia da cabeçada do herdeiro que nela tinha sido escolhido
Ao ver isto, o velho rei caiu, arrancou os dentes da cabeça.
Durante oito anos viu Taj da sua janela, do outro lado do rio.
num diamante montado na parede que o refletia um milhão de vexes.
As suaves mãos de mármore da sua esposa estendiam-se para ele, para o ataúde vazio ao seu lado.
Quando o rio se encheu, ele atravessou-o caminhando.

Quando a porta se abre, só um de nós parte. Fico a olhar para o teu carro até estar muito longe
através das sombras das árvores. O caminho recebe-te, e a casa recebe-te,
tal como esse corpo de água, as sebes podadas, a fria e estéril cela.
Na tua carteira trazes uma fotografia da minha mãe, anterior ao meu nascimento.
Quando ela era só tua. As suas rosas coincidem com o rosa das flores;
ela inclina a sua cabeça para os galhos e sorri, bela como uma rainha.
O amor é incidental, limitado ao tempo. O que amamos é a lembrança do amor.
É a memória que alastra pela dor – desta pequenas mortes
e estes muros de pedra. A coroa que se afundou dos teus ouvidos
e se pendura à volta do teu pescoço, é tudo o que fica.