06 setembro 2017

jenny xie


Letters to Du Fu

I paid a visit to the province of a past year aided by a pot of wine
self-contempt erects a wide frame almost anyone can pass through

So unruly are my needs who would own up to it
Only a fool would try to imitate the arrow before letting go the bow

*

Du Fu, do not attempt this journeying with a whip of effort
to speed up your travel step backward into the broad forgetting

They say too much brooding elongates the mind
Everywhere one lands the train arrives at the depot early or late

*

Fruitless to try and compare your searching lines
with the rain’s heavy lather I’ll take instead the shaved surface of the moon

We are wiped of age first thing in the morning sleep is a light wash
and don’t we know it we are wrung and wrung


Cartas a Tu Fu

Visitei a província o ano passado ajudada por uma garrafa de vinho
o auto-desprezo erige um quadro quase todos o podem atravessar

As minhas necessidades são tão indisciplinadas quem se confessaria diante delas
Só um tonto tentaria imitar a flecha antes de soltar o arco

*

Tu Fu, não intentes esta viajem com um chicote de esforço
para acelerar o teu trajeto fica atrás no amplo esquecimento

Dizem que a incubação excessiva alarga a mente
Em qualquer lado se aterra o comboio chegará tarde ou cedo à estação

*

É inútil querer comparar as tuas linhas de procura
com a espuma pesada da chuva incorporarei melhor a barbeada superfície da lua

Limpamo-nos da idade logo de manhã dormir é uma lavagem ligeira
e não sabemos estamos a escorrer e escorrer


29 agosto 2017

marguerite yourcenar

Je n’ai su qu’hésiter

Je n’ai su qu’hésiter ; il fallait accourir;
Il fallait appeler ; je n’ai su que me taire.
J’ai suivi trop longtemps mon chemin solitaire;
Je n’avais pas prévu que vous alliez mourir.

Je n’avais pas prévu que je verrais tarir
La source où l’on se lave et l’on se désaltère;
Je n’avais pas compris qu’il existe sur terre
Des fruits amers et doux que la mort doit mûrir.

L’amour n’est plus qu’un nom ; l’être n’est plus qu’un nombre;
Sur la route au soleil j’avais cherché votre ombre;
Je heurte mes regrets aux angles d’un tombeau.

La mort moins hésitante a mieux su vous atteindre.
Si vous pensez à nous votre cœur doit nous plaindre.
Et l’on se croit aveugle à la mort d’un flambeau.


Só soube hesitar

Só soube hesitar; deveria ter estado;
era preciso convocar; apenas soube calar-me;
Durante demasiado tempo fui atrás do meu caminho solitário;
Não me apercebi que iriam morrer

Não antecipei que estaria perante a finitude
da fonte que lava e sacia;
Não compreendi a existência na terra
de frutos agridoces que a morte tem de amadurecer.

O amor é apenas um nome; a existência não passa de um número:
Na rota do sol procurei a vossa sombra;
Colidem os meus regressos com os ângulos de uma campa;

A morte menos hesitante soube atingir-vos
Se pensais em nós o vosso coração apresenta queixa
E consideramo-nos cegos com a morte de uma tocha.


21 agosto 2017

alejandra lerma

Retrato de mi abuela

Mi abuela vive en lo oscuro
pasa horas infinitas mirando al techo
dice que le duele el dolor
arrastra sus temblores junto a la silla de ruedas
a veces se olvida de su nombre

Sus manos se agitan al comer
recuerdo que una vez me alimentó
que me limpió la boca
y me enseñó palabras
todo lo hizo muy firme
estuvo viva para que yo viviera

No soy buena cuidándola
me asusta su tristeza

Temo envejecer con tanta angustia
mirarme en un reflejo
verme como ella
preguntarme dónde están mis hijos
y no poder llorar de la vergüenza

Marina
nunca ha visto el mar
siempre evitó los viajes y el amor
se fue quedando muda
cansada de escucharse
entre la soledad de las pastillas

La miro desde lejos
como a una extraña
se mece entre sus dedos la camándula
el olor de lo que muere la corroe

No comprendo la inclinación de la balanza
quién le ofrendó su peso
cuándo vendrán por ella
dónde guardaron
bajo llave
su alegría.


Retrato da minha avó

A minha avó vive às escuras
passa horas infinitas a olhar para o teto
diz que lhe dói a dor
arrasta as suas tremuras ao pé da cadeira de rodas
às esquece o seu nome

As suas mãos agitam-se a comer
lembro-me que uma vez me deu de comer
limpou-me a boca
e me ensinou palavras
fez tudo com firmeza
esteve viva para que eu vivesse

Não sou boa a tratar dela
assusta-me a sua tristeza

Temo envelhecer com tanta angústia
ver-me num reflexo
ver-me como ela
perguntar onde estão os meus filhos
e não poder chorar de vergonha

Marina
nunca viu o mar
sempre evitou as viagens e o amor
foi ficando muda
cansada de se ouvir
entre a solidão e as pastilhas

Olho-a de longe
como uma estranha
mexe-se entre seus dedos o rosário
o cheiro do que morre corrói-a

Não compreendo a inclinação da balança
quem lhe oferendou o seu peso
quando virão por ela
onde guardaram
à chave
a sua alegria.



20 agosto 2017

carolina dávila

La dificultad nos emparenta
Esas ganas de oponernos
como quien insiste vencido
en prender el fuego después del aguacero

En apilar leña
y raspar con las uñas la corteza
esperando encontrar
en su corazón seco
el origen del incendio

A dificuldade torna-nos parentes
Essas pulsões de nos opormos
como quem insiste vencido
em deitar fogo depois do aguaceiro

Em empilhar lenha
e raspar com as unhas a cortiça
esperando encontrar
em seu coração seco
a origem do incêndio

17 agosto 2017

amparo arróspide

La casa del dolor

Es posible que el dolor sea una casa
de techo altivo y puerta con cerrojo,
donde estás tan a gusto, a veces,
que no escuchas el filo del acero
rasgando los tapices,
suspenso por el aire perfumado:
es heliotropo mezclado con azufre,
busca posarse en los rincones;
la ventana se alza
entre el límite y tú.
Arduo paseo, en el silencio las escuchas,
voces de otros tiempos,
leña para el dolor
siempre hambriento de ti,
exigente como un recién nacido.
Ya lo amas.
La puerta se entreabre y tú la cierras:
No hay nada que temer.

A casa da dor

É possível que a dor seja uma casa
com teto altivo e porta com ferrolho,
onde estás tão confortável, às vezes,
que não ouves a ponta do aço
rasgando os tapetes
suspenso no ar perfumado:
é heliotrópio misturado com enxofre
procura depositar-se nos cantos;
a janela levanta-se
entre o limite e tu.
Árduo passeio, no silêncio as escutas,
vozes de outros tempos,
lenha para a dor
sempre faminta de ti,
exigente como um recém nascido.
Já a amas.
A porta entreabre-se e tu fecha-la:
Não há nada a temer.


16 agosto 2017

fionna sampson

Return

This is world as you
believed in it once
and then again lying
in the grass you lay
flat and squinted sideways
so bright so clear the grass
with the sun in it
you believed you could and could not
enter and now the memory
Proust’s little
cake is delicious
everything gaudy and green
making your mouth
water and your toes curl.

Retorno

Este é o mundo como
antes o vivias
e assim esparramada
na pastura estavas
horizontal e olhando de relance
tão brilhante e clareira a relvura
encimada pelo sol
acreditaste poder e não poder
entrar e agora a memória
a nata de Proust
deliciosa,
tudo verdúneo e inebriante
fazendo a tua boca
salivar, encaracolando o teu dedão

natalia azarova

[я кошачая птица...]

я кошачая птица
вся в солнечных оплеухах
подскользнулась в пост весёлых
мыслей

а вы с какой целью хорошо поживаете?
а вы с какой целью здоровы и веселы?
стаканы тока в такт клетчатых
одеял

куличики чаек песочных

sou uma ave felina
coberta por cascas apolíneas
escorri-me em jejum de alegres
pensamentos

e vocês? Porque dizem que estão bem?
e vocês? Porque dizem que estão saudáveis e alegres?
copos de torneira ao compasso de mantas
quadriculadas
castelos de gaivotas de areia


jessica sequeira

Alazán


The alazán is a kind of reddish horse
with a gold mane that lives
in Argentina. I started reading about it
because I didn’t know whether
to translate it as “sorrel” or “chestnut”
(although even then I knew
its essence went beyond its name).
It’s a proud animal, it walks with head high,
it paws the ground, it shakes off flies.
It whinnies when a human approaches,
it’s very independent, it’s wary of contact.
It has big eyes and often stands
quite still looking at the landscape.
When someone walks up
with an outstretched hand full of oats
it doesn’t immediately nose forward,
but swishes its tail then leans down
with dignity. It’s a very magnificent creature,
so magnificent I realized I could
no longer live without one. The imaginary
was coaxed into the real. Now I spend
as much time as possible with my alazán.
Sometimes I give its mane tiny haircuts
and brush out its shining tail. Sometimes,
and these are my favorite times, it goes
running over the grass very fast,
very very fast, and I think it is happy.
I sit and make sketches of it in motion,
every sketch different, never a repetition
diversion and stillness—
and seeing it so happy makes me happy too.
Alazán, alazán. So proud and free.
Don’t be afraid to walk my way in the pasture…
the way is gentle, the gate is open.


Alazão

O alazão é uma espécie de cavalo avermelhado
de melenas douradas que conheci na Argentina.
Comecei a ler sobre o alazão
porque não sabia se era melhor
traduzi-lo por “azedinha” ou por “castanha”
mesmo sabendo nessa altura
que a sua essência trespassava
o seu nome. È um animal orgulhoso;
anda de cabeça altiva
espermeia o chão, livra-se das moscas
ou relincha quando se aproxima um humano.
É muito independente e suspeitante de todos os contactos.
Tem grandes olhos e gosta de ficar
muito quedo, olhando a paisagem.
Quando aparece alguém com um punhado
de aveia, não a come
de imediato, antes abana a cauda
e depois inclina-se com dignidade.
É uma criatura maravilhosa, tão maravilhosa
que compreendi que não conseguiria viver sem ele.
O imaginário era persuadido a entrar no real.
Agora passo muito tempo com o meu alazão.
Às vezes corto-lhe um pouco o pelo
a sua melena, e escovo-lhe a sua cauda radiante.
Às vezes, e são os meus tempos favoritos,
corre pela relva altamente veloz
muito muito veloz e penso que está feliz.
Sento-me e faço desenhos dele
em movimento, cada desenho diferente,
nunca uma repetição, diversão e repouso -
e vê-lo assim feliz, faz-me também feliz.
Alazão, alazão. Tão orgulhosos e tão livre.
Não receies andar ao meu lado
no ervaçal. O caminho é ameno,
a tranca está aberta.


14 agosto 2017

estefanía angueyra

Estudio sobre cuatro ciruelas

Diecisiete jóvenes
se sientan alrededor de una mesa
en la que reposan cuatro ciruelas

Todos escriben acerca de ellas
sin mirarlas

Para algunos poetas
los objetos sirven tan sólo
por su poder evocador:

¿a quién le importan
esas manchitas violetas de ahí,
tan inmóviles y opacas?

Ay, pero si fueran tres
al menos podríamos hablar
del número de Dios

Compañeros, ¡miren!
¡Acabo de morder uno de los frutos!
Ahora podrán añadirle a su poema
una metáfora sobre la carne.


Estudo sobre quatro ameixas

Dezassete jovens
sentam-se à volta de uma mesa
onde repousam quatro ameixas

Todos escrevem sobre elas
sem as olhar

Para alguns poetas
os objetos servem apenas
pelo ssu poder evocador:

quem se importa
com essa pequena manchas de roxo
tão imóveis e opacas?

Ah, mas se fossem três
pelo menos poderíamos falar
do número de Deus

Companheiros, vejam!
Acabo de morder dos frutos!
Agora poderão acrescentá-lo ao poema
uma metáfora sobre a carne.


10 agosto 2017

raquel salas rivera


yesque hasta que muera seré la que más araña la tierra con uñas postizas la que contiene múltiples
personificaciones tierra crudamente elaborada por el ataúd que empuja contra yo compacta
parándome en el medio de la muerte digo circundándola y desde adentro me e x p a n d e
con sus maderas

esque andaba con mis uñas en la tierra diciendo coño la historia noestuya
noestuya la historia
noesmía la historia la contamos sabes

yesque mientras viva no puedo realmente llegar al sitio aquel
a tiempo lo he intentado es algo que algunos llaman inherente
es decir si eso es futuro
estaré siempre deatráspalante


Gancho de ferro fixo na ponta de um pau para pendurar e tirar objetos – éque até morrer serei
quem mais arranha a terra com unhas postiças quem contém múltiplas personificações terra cuamente elaborada pelo ataúde empurrado conra mim eu compacta parada no meio da morte digo à volta e de dentro me e x p a n d e
com as suas madeiras

era que andava com as minhas unhas na terra dizendo caralho a hisória nãoétua
nãoéminha a hisória, contamo-la como sabes

eéque enquanto viver não consigo chegar a esse sítio
a tempo tentei é algo a que alguns chamam inerente
quer dizer se isso for futuro
estarei sempre detrásprafrente

03 agosto 2017

marta jazmín

El presagio de la inercia

Mi voluntad tiene la forma de un pájaro
muerto, abierto y quieto en el aire.
Presiento cómo extiende
compasivo
su escondite de plumas cenizas
debajo del sol
y encima de mi libertad.

Sobre este camino desnudo
también hace frío de los simulacros celestes
que sobrevuelan la Tierra.

Ya una vez creí escuchar
las campanadas de mil parpadeos
anunciando una visión de mí
abandonada en los desagües del desierto.

y otra vez
bajo esta sombra
los ojos se entreabren como labios
en medio de todas las palabras.

O presságio da inércia

A minha vontade tem a forma de pássaro
morto, aberto e parado no ar.
Pressinto como estende
compassivo
seu esconderijo de plumas cinzas
debaixo do sol
e encima da minha liberdade.

Sobre este caminho nu
também faz frio dos simulacros celestes
que sobrevoam a Terra.

Já uma vez julguei ouvir
as badaladas de mil pálpebras
anunciando uma visão de mim
abandonada nos esgotos do deserto.

e outra vez
sob esta sombra
os olhos entreabrem-se como lábios
no meio de todas as palavras.