13 janeiro 2021

macarena de arrigunaga

 

En la escuela deberían

empezar por

enseñarnos a vendar un brazo roto

cambiar los salones por barcos

y los cuadernos por mapas

para leer estrellas.


El tiempo pasa y yo me quedo quieta

mi cuerpo protege su mundo

y solo sale de sí mismo

cuando entra en

el mundo de otro.


A las 4 de la mañana despierto

pensando en un hombre que se derritió en la nieve

a las 6 mi cama manchada

parece la escena de un crimen

tomó una foto

y cambio las sábanas

casi humillada

por reconocerme mujer

ante mí

ante los demás.


Las niñas son crueles entre ellas

van quebrando su infancia en pedazos

y antes de irse dejan un letrero:

no pises, hay vidrios rotos.


Extraño viajar en tren

sentir que el tiempo se alarga

y recuperar la sensación de desaparecer

entre paisajes.


En las calles evito el contacto visual

para no invadir

la intimidad de extraños

prefiero no involucrarme

no intentar entrar

en un cuerpo

en el que no quepo.


¿Cuántas muertes se necesitan

para entender una sola sonrisa?


Cuando vuelvas a bailar

con tu sombra

recuerda que

soy tus palabras

pronunciadas

en ese lenguaje que inventamos

y ni siquiera entendemos

que somos

una película que

sabemos de memoria

y que

no hay nada diferente a nosotros

en los otros

lo que nos une nos separa

jugamos

a estar lejos y cerca

como si no supiéramos

que solo nos pertenece

el peso que cada uno

puede llevar

en su propia espalda

y que no es posible

derribar puertas

que ya están abiertas.



Na escola deviam

começar por

ensinar-nos a enfaixar um braço partido

trocar os salões por barcos

e os cadernos por mapas

para ler estrelas.


O tempo passa e eu fico quieta

o meu corpo protege o seu mundo

e só sai de si mesmo

quando entra no

mundo de outro.


Às 4 da manhã acordo

pensando num homem que derreteu na neve

às 6 a minha cama manchada

parece a cena de um crime

tiro uma foto

e mudo os lençóis

quase humilhada

por me reconhecer mulher

diante de mim

diante dos outros.


As crianças são cruéis entre elas

vão quebrando a sua infância em pedaços

e antes de irem deixam um letreiro:

não pises, há vidros partidos.


Estranho viajar de comboio

sentir que o tempo se prolonga

e recuperar a sensação de desaparecer

entre paisagens.


Na ruas evito o contacto visual

para não invadir

a intimidade de estranhos

prefiro não me envolver

não tentar entrar

num corpo

onde não caibo.


Quantas mortes são necessárias

para compreender um só sorriso?


Quando voltares a dançar

com a tua sombra

lembra-te que

sou as tuas palavras

pronunciadas

nessa linguagem que inventamos

e nem sequer entendemos

que somos

um filme que

sabemos de cor

e que

não há nada diferente de nós

nos outros

o que nos une separa-nos

brincamos

ao longe e ao perto

como se não soubéssemos

que só nos pertence

o peso que cada um

consegue levar

nas suas próprias costas

e que não é possível derrubar portas

que já estão abertas.


10 janeiro 2021

tamara grosso

 

Día 15


Le escribo poemas de desamor

a mi oficio

que me prometió cosas y no cumplió.

Le escribo poemas de desamor

a los movimientos políticos

en los que busqué refugio y no encontré.

Le escribo poemas de desamor

a mis poemas viejos

que no tienen la fuerza que necesito

que me envíen desde el pasado.

No le escribo esos poemas

a las personas que amé:

para ellas la promesa

de que voy a seguir tratando de ilusionarme

como si no hubiéramos aprendido juntas

que casi todo termina mal.


tamara grosso


Día 15


Escrevo poemas de desamor

ao meu escritório

que me prometeu coisas e não cumpriu.

Escrevo poemas de desamor

aos movimentos políticos

onde procurei refúgio e não encontrei.

Escrevo poemas de desamor

aos meus velhos poemas

que não têm a força que preciso

que me enviem do passado.

Não escrevo esses poemas

às pessoas que amei:

para elas a promessa

de que vou continuar a tentar iludir-me

como se não tivéssemos aprendido juntas

que quase tudo acaba mal.



07 janeiro 2021

cindy hatch

 

LIKE MOTHER, LIKE DAUGHTER


I

Como una madre

que no jugó con su cuerpo

ahora mira el de la hija

con fervor


poco más o menos

le sobreviene


saborea


vuelve a sentir

sin la piel seca

propia de la vejez


II

Entonces

nos palpamos

compartimos forma

los ojos chillan ante el derrame

el llanto prolongado entre generaciones

el hilillo de baba

nos toca a ambas


III

Nos besaremos

:

nuestro hálito es el mismo


IV

Esos días

me tumbé cerca de ti

para que lamieras mis rodillas

caí sobre raíces

y esta cicatriz aguarda

el recuerdo de tu lengua


V

¿Qué fue

lo que probaste aquella vez?

¿estaríamos,

de cualquier forma

aquí?



Tal mãe, tal filha


I

Como uma mãe

que não brincou com o seu corpo

olha agora o da filha

com fervor


pouco mais ou menos

lhe sobrevém


saboreia


II

Então

apalpamo-nos

partilhamos a forma

os olhos gritam perante o derrame

o choro prolongado entre gerações

o fiozinho de baba

toca em ambas


III

Beijar-nos-emos

:

o nosso hálito é o mesmo


IV

Nesses dias

deitei-me ao pé de ti

para que lambesses os meus joelhos

caí sobre raízes

e esta cicatriz aguarda

a lembrança da tua língua


V

O que foi

que provaste dessa vez?

estaríamos,

de qualquer forma

aqui?

04 janeiro 2021

clara chacón

 

Laberinto


Muéstrame el camino que hay hasta el laberinto.

Sólo quiero entrar para despreocuparme del que existe ahí afuera.

Quiero entrar en él para volverme loca,

para sentir que estoy perdida,

más que antes,

y volver a encontrarme por mis propios pasos.


Muéstrame dónde puedo alquilar unas alas,

las mías están rotas y aún me queda tiempo para repararlas.


Muéstrame el sendero que existe entre tu tierra y la mía, dónde se cruzaron para no volver a encontrarse,

dónde fue el punto en el que se volvieron completamente paralelas.

Déjame entrar para perderme,

sola,

sin necesitarte para salir de mis ramas descuidadas.


Labirinto


Mostra-me o caminho para o labirinto.

Só me quero lá meter para não me ocupar do que existe cá fora.

Quero entrar nele para me tornar louca,

para sentir que estou perdida,

mais que anteriormente,

e voltar a encontrar-me com os meus próprios passos.


Mostra-me onde posso alugar umas asas, onde se cruzaram para não se voltarem a encontrar,

onde se ergueu o ponto em que se tornaram completamente paralelas.


as minhas estão quebradas e ainda tenho tempo para as consertar.


Mostra-me o trilho que existe entra a tua terra e a minha,

Deixa-me entrar para me perder,

sozinha,

sem precisar de ti para sair dos meus ramos descuidados



01 janeiro 2021

lynn crosbie

 

Elijah


Snow moving in orbits, the wolf-call of the wind: time to

Put on my boots and head out,


To make small, blunt tracks and little hand-angels,

Oh no, that feels like fire


The fire that begins above my feet and spreads and spreads,

It’s hard to remember,


Yes, I want to go home, that’s what I wanted to –


The air is a memory of being born, before I came to Neptune

Is she this way, or that way


Down this path and by the hole below the window where a gust of

Warm blows


I will lie down


This time I want to talk to someone, I don’t feel shy

I would say that what attacks you is invisible, and does not stop:


I would direct you to my mother who is more sad than mad as I lie

Down on a gush of her hot tears and exhale, at last, a sun-beam.



Elijah


Move-se a neve por órbitas, a fonética do lobo no vento: é hora de

calçar as botas e pôr-se a mexer


para fazer diminutos, pistas contundentes e artesanais anjinhos,

oh não, sente-se como fogo


O fogo que começa nos meus pés e se prolonga e se prolonga,

é difícil lembrar.


Sim, quero ir para casa, isso é o que eu queria -


O ar é um flash de ter nascido, antes de chegar a Neptuno

Está aqui ou noutro lado?


Por este caminho e pelo buraco debaixo da janela onde uma rajada

de sopros cálidos


Vou-me deitar


Desta vez quero falar com alguém, não me sinto tímida

Diria que o que te ataca é invisível e não te demove :


Mandar-te-ia ter com a minha mãe que está mais triste que louca enquanto me deito

sobre o jorro das suas lágrimas quentes e exalo, finalmente, um raio de sol


29 dezembro 2020

karen solie

 

All That Is Certain Is Night Lasts Longer Than the Day


Look at your past, how it’s grown.

You’ve known it since it was yea high. Still, you,

as you stand now, have never been there. Parts worn out,

renewed, replaced. Though you may bear the same name.

You’re like the joke about the axe.


In time you’ve learned that to behave badly isn’t

necessarily to behave out of character. To thine own self

be true. In script above the nation’s chalkboards,

the nation’s talkshows. And not a great idea,

depending. It’s too much for you, I know.


One day your life will be a lake in the high country

no one will ever see, and it will also be the animals

of that place. Its figures indistinguishable from ground.

All of time will flow into it.


Leave the child you were alone. The wish to comfort her

is a desire to be comforted. Would you have

her recognize herself buried alive

in the memories of a stranger? Avoideth the backroads,

doublewides of friends, and friends of friends. . . .

Some of what you would warn against

has not yet entered her vernacular.


She travels unerringly toward you, as if you are the North.

Between you, a valley has opened.

In this valley a river,

on this river an obscuring mist.


A mist not unlike it walks the morning streets, comments on

the distinction of Ottawa from Hull, Buda

from Pest, what used to be Estuary from what used to be

Empress and the ferry that once ran between them.



A única coisa certa é que a noite dura mais que o dia


Olha o teu passado, como cresceu.

Lembras-te desde que tomaste conhecimento, alta. Mesmo assim,

no agora estando, nunca lá estiveste. Partes gastas,

renovadas, substituídas. Pode ser que continues com o mesmo nome.

És como a piada sobre o machado.


Com a experiência aprendeste que errar não é

necessariamente sair da persona. Em relação a ti

sê verdadeira. Em guião para lá do quadro negro da nação,

nos reality shows da nação. E não uma fantástica ideia,

depende. Sei bem que é muito para ti.


Algum dia a tua vida será um lago nas montanhas

que nunca ninguém verá, e assim serão os animais

desse lugar. Suas figuras indistintas do chão.

O tempo todo para tal fluirá.


Deixa em paz a menina que foste. O desejo de a consolar

não passa de um desejo de ser consolada. Preferias

que ela se reconhecesse enterrada viva

nas lembranças de uma estranha? Evita as vielas,

o excesso de amigos e amigos de amigos…

Uma coisa sobre a qual avisarias

não entrou ainda na sua língua vernácula.


Ela viaja infalivelmente até ti, como se fosses o Norte.

Entre vocês se abriu um vale.

Nesse vale um rio

nesse rio uma névoa que se torna escura.


Uma névoa não muito diferente anda pelas ruas da manhã, fala

da distinção entre Ottawa e Hull, Buda

de Pest, o que costumava ser Estuário do que costumava ser

Imperatriz e o ferry que alguma vez correu entre ambas.


26 dezembro 2020

valeria mussio

 

el sol entraba por la ventana solo para pintarnos las piernas


y vos estabas conmigo

y teníamos el pelo muy largo las dos,

yo tenía una fantasía vos me ponías

flores blancas y me hacías

trenzas hasta la cintura. al otro día

me mostraste una acuarela

de una chica que era

ojona y con cara de turca como yo

tenía flores por todo el pelo y me dijiste

“no sé, ni idea de dónde me salió”


si tuviera que reconstruir nuestra historia

sería algo así: estábamos desnudas en el suelo

tu pelo rojo tenía tonos naranjas a la luz

tu piel algunos tonos verdes, yo me arrodillé

y vos miraste hacia arriba, tus ojos

también tenían tonos verdes,

puse mis dedos como una pistola

que apunté justo sobre tu boca y dije

“te equivocaste

fui yo la que nunca te quiso”



o sol entrava pela janela só para pintarmos as pernas


e estavas comigo

e tínhamos os cabelos muito compridos as duas,

eu tinha uma fantasia, tu colocavas-me

flores brancas e fazias-me

tranças até à cintura. No outro dia

mostraste-me uma aguarela

de uma rapariga que tinha

olhos grandes e cara de turca como eu

tinha flores em todo o cabelo e disseste-me

não sei, não faço ideia de onde me saiu”


se tivesse que reconstruir a nossa historia

seria mais ou menos assim: estávamos nuas no chão

o teu cabelo vermelho tinhas tons laranja à luz

a tua pele alguns tons verdes, eu ajoelhei-me

e tu olhaste para cima, os teus olhos

também tinham tons verdes,

juntei os dedos como uma pistola

que apontei mesmo sobre a tua boca e disse

estás enganada

fui eu quem nunca te quis”


23 dezembro 2020

liz howard

 

Revenant: Loss


These canticles of cedar burn skyward

out from the woods where blood has rusted snow

our fierce theatre split between two worlds

liberal arts by proxy flank every pole

Our basement a psychic economy

of static fog and what we cannot know

the odd love we burn for heat dissipates

and each spine sprouts a new-found yellow smoke

Any limb could learn its place in the pines

the fact of standard time is illicit

the broken flight of a bird half-shining

measured by the extent of a street light

No perfect confidence in being born

still we dream of Tierra del Fuego.


Assombração: Perda


Estes cânticos de cedro ardem até ao céu

fora da floresta onde o sangue oxida a neve

o nosso teatro feroz divide-se entre dois mundos

as artes liberais por procuração flanqueiam cada polo

A nossa cave é uma economia psíquica

de brétema estática e o que não podemos saber

amor estranho que queimamos para dissipar o calor

e cada coluna brota uma fumaça amarela recém-descoberta

Qualquer membro poderia saber do seu lugar entre os pinheiros

o facto do tempo standard é ilícito

o voo quebrado de um pássaro meio-brilhante

medido pela extensão da luz da rua

Não há confiança perfeita em ter nascido

sonhamos com a Tierra de Fuego.


20 dezembro 2020

charlotte van den broeck

 

VII


iets in het vlees, uren na het schot nog, zal pulseren

tot ook dat op is, herinnering aan een hartslag

welk dier hielden we ons voor te willen raken?

we jaagden altijd al op elkaar in onszelf

zijn wij dat werkelijk geworden? ingezouten en opgehangen

rantsoen van onze idealen, luchtfoto van de toenmalige plek

waar we elkaar eindelijk onszelf zouden vergeven, wanneer dan?

zelfs het schrijven is bezig te versterven, mijn handschrift sleept

naar links, sleept me rugwaarts terug de jaren in

in je oksel een bres voor bedenktijd, waar ik de holte vond

waarin mijn hele onvermogen kon, toen heb ik het gedaan

van jou en mij met opzet onderdelen uit een modelbouwpakket gemaakt



VII


uma coisa na carne, horas após o disparo, ainda terá pulso,

até que mesmo isso acabe, a lembrança de um batimento cardíaco

que animal dizíamos querer capturar?

Desde sempre perseguimos o outro em nós

nisso nos convertemos realmente? uma fatia dos nossos ideais

salgada e posta a secar, fotografia aérea do lugar antergo

onde finalmente nos perdoaríamos, quando?

até a escrita está a morrer, a minha ortografia arrasta-se

para a esquerda, arrasta-me para trás, ao passado

na tua axila, um resquício para te pedir tempo, ali onde encontrei um vago

onde coube toda a minha capacidade, assim o fiz,

adrede, a ti e a mim nos converti em peças de uma estrutura para armar


17 dezembro 2020

daisy zamora

 

Visión de tu cuerpo


En la habitación apenas iluminada

tuve una dicha fugaz:

la visión de tu cuerpo desnudo

como un dios yacente.

Eso fue todo.


Indiferente

te levantaste a buscar tus ropas

con naturalidad

mientras yo temblaba estremecida

como la tierra cuando la parte el rayo.



Visão do teu corpo


No quarto mal iluminado

tive uma alegria fugaz:

a visão do teu corpo nu

como um deus jazente.

Foi tudo.


Indiferente

levantaste-te para pegar as tuas roupas

com naturalidade

enquanto eu tremia estremecida

como a terra quando um raio a parte.


14 dezembro 2020

draupadí de mora

 

posiciones complicadas para leer poesía:

muy a la derecha

muy a la izquierda

peligrosamente centro

acodado en la oficina de correos

recostada y sin almohada

con las manos detrás de la cabeza

sobre una roca pequeña

haciendo equilibrio en una pierna

de puntillas

en zapatos altos con punta fina

mientras discuto con los de la luz

en la posición del gato volador

aullando de lado

con las manos atadas

y una bolsa en la cabeza



posições complicadas para ler poesía:

muito à direita

muito à esquerda

perigosamente centro

barrado na estação de correios

deitada e sem almofada

com as mãos atrás da cabeça

sobre uma pedra pequena

fazendo equilíbrio numa perna

em pontas

com sapatos altos de tacão fino

enquanto discuto com os da luz

em posição de gato voador

uivando de lado

com as mãos atadas

e um saco na cabeça


11 dezembro 2020

camila vázquez

 

Fragaria


¿cuántas manos cortará

la espina?

¿cuántas veces sangraremos

antes de beber el néctar?

¿será tu jugo el mismo

en mis venas? ¿así de dulce será

la sangre propia?



Fragária


Quantas mãos cortará

a espinha?

quantas vezes sangraremos

antes de ingerir o néctar?

Será o teu suco gástrico o mesmo

nas minhas veias? será assim doce

o próprio sangue?

08 dezembro 2020

julieta berriel

 

harta de quemarme con la luz

quiero morder la sombra

en la punta de le lengua

donde tengo la escritura

una lengua móvil multiforme


no basta aquello a lo que accedo

la transparencia


intrigada en un bucle

indago con las palabras

desgarros que se resisten a la etiqueta

los lleno de saliva como a las heridas


quiero masticar el abismo allí

en el umbral de la lengua

donde no entra ni el silencio

solo la nopalabra



farta de me queimar com a luz

quero morder a sombra

na ponta da língua

onde tenho a escrita

uma língua móvel multiforme


não basta aquilo a que acedo

a transparência


confusa na formatação

indago com as palavras

os rasgões que resistem à etiqueta

encho-os de saliva como às feridas


quero mastigar o abismo ali

no umbral da língua

onde não entra sequer o silêncio

apenas a não-palavra


05 dezembro 2020

maría elena higueruelo

 

En la cerradura de un candado


En la cerradura de un candado, otro

candado, y nunca, por ningún lado,

una llave.


Una puerta que no se abre

ni empujando ni tirando.

Una puerta que no es corredera,

con un cerrojo en ambas partes.


Una puerta por la que no se entra,

una puerta por la que no se sale,

una puerta que separa

una nada de otra nada

y solo dentro del candado

—aun tal vez otro candado—

esconde algo.


Y nunca, por ningún lado,

una llave.



Na fechadura de um cadeado


Na fechadura de um cadeado, outro

cadeado, e nunca, em nenhum lado,

uma chave.


Uma porta que não se abre

nem empurrando nem puxando a porta

Uma porta que não é corrediça,

com uma tranca em ambas as partes.


Uma porta pela qual não se entra,

uma porta pela qual não se sai,

uma porta que separa

um nada de outro nada

e só dentro do cadeado

- ainda talvez outro cadeado -

esconde qualquer coisa.


E nunca, em nenhum lado,

uma chave.

02 dezembro 2020

hilde domin


Vorsichtige Hoffnung

Weiße Tauben
im Blau
verbrannter Fensterhöhlen,
werden die Kriege für euch geführt?

Weiße Taubenschnur
durch die leeren Fenster
über die Breitengrade hinweg.

Wie Rosensträucher auf Gräbern
achtlos nehmt ihr das Unsre.
Auf den mit Tränen gewaschenen Stein
setzt ihr das kleine Nest.

Wir bauen neue Häuser,
Tauben,
die Schnäbel der Krane ragen
über unseren Städten,
eiserne Störche, die Nester für Menschen richten.
Wir bauen Häuser
mit Wänden aus Zement und Glas
an denen euer rosa Fuß
nicht haftet.
Wir räumen die Ruinen ab
und vergessen die äußerste Stunde
im toten Auge der Uhr
Tauben, wir bauen für euch:
ihr werdet
durch unsere Fenster fliegen
ins Blau.

Und vielleicht sind dann ein paar Kinder da
—und das wäre sehr viel— ,
die unter euch
in den Ruinen
unserer neuen Häuser,
der Häuser, die wir mit den hohen Kranen
den Tag und die Nacht durch bauen,
Verstecken spielen.

Und das wäre sehr viel.


Cautelosa esperança

Pombas brancas
no azul,
espaços vazios de janelas queimadas
foram as guerras travadas por ti?

Detrás da janela vazia
sobre as latitudes de fora
uma linha de pomba branca.

Como roseiras em nossas tumbas
que adquires sem atenção
coloca o pequeno ninho
na pedra lavada com lágrimas.

Construimos novas casas,
pombas
saem dos picos das gruas
sobre a nossa cidade
cegonhas de aço que para nós nidificam.
Construimos casas
com paredes, cimento e vidros
que não tocam
nossos pés de rosas.
Entulhamos as ruínas
e esquecemos a hora urgente
no olho morto do relógio.
Pombas, construimos para vós,
que deveis
no azul
voar até às nossas janelas.

E talvez haja um par de crianças por aí
- e isso já seria muito -
que debaixo de nós,
nas ruínas
das nossas novas casas,
as casas que com altas gruas
se constroem dia e noite
brinquem escondidas.

E isso já seria muito.

29 novembro 2020

alice notley


Iconography

The image wears large round glasses opaque blue
bigger than her upper face
I don’t know what she means. You image
He stood there elected. In your eyes — 
he would escape from the auto parts store to come home and read.

As I see him dead he has black hair and brown eyes
he doesn’t have to wear glasses because he’s dead.

I haven’t seen a desert lily in twenty years
but knowing they exist thrills me. One year
I went home and they were everywhere
powerful, blooming to exist and in my eyes. As I could be that
And I’ll always see it. Presidents are scum
compared to desert lilies. Oh all right, Daddy says.

The dead talk this way playing but they don’t need to write
lines — this line of thought.
I still don’t quite know what your poems are like.
Immediate — but complex. Lily? As complex as that?
As complex as us. We are seeing you ...    
As we speak and see, together, thinking it.
Do the words relax you? We are them,
reading. Being dead is like reading.



Iconografia

A imagem usa grandes óculos redondos azul opaco
maiores que a parte superior da sua face
Não sei o que ela quer dizer. Tu imagem
Ele eretou-se ali, eleito. Nos teus olhos -
Ele teria fugido da loja de peças de automóvel para vir para casa e ler.

Enquanto o vejo morto ele tem cabelos pretos e olhos castanhos
não precisa de óculos porque está morto.

Durante vinte anos nunca vi um lírio do deserto
mas saber da sua existência estremece-me. Um ano
voltei a casa e tinham-se instalado por todos os lados
poderosos, florescendo para existir e nos meus olhos. Tal como eu podia ser isso
e sempre o verei. Os presidentes são escumalha
em comparação com os lírios do deserto. Claro, diz o Pai.

Os mortos falam assim a brincar mas não precisam de escrever
versos – esse fluxo de pensamento.
Ainda não sei exatamente como são os teus poemas
Imediatos – mas complexos. Lírios? Tão complicado quanto isso?
Tão complexos como nós. Estamos a ver-te ...
Enquanto falamos e vemos, juntos, pensando nisso.
As palavras distendem-te? Somos elas
quando lemos.
Estar morto é como ler.