07 agosto 2021

amelia rosselli

 
Di sollievo in sollievo, le strisce bianche le carte bianche
un sollievo, di passaggio in passaggio una bicicletta nuova
con la candeggina che spruzza il cimitero.

Di sollievo in sollievo on la giacca bianca che sporge marroncino
sull’abisso, credenza tatuaggi e telefoni in fila, mentre
aspettando l’onorevole Rivulini mi sbottonavo. Di casa in casa

telegrafo, una bicicletta in più per favore se potete in qualche
modo spingere. Di sollievo in sollievo spingete la mia bicicletta
gialla, il mio fumare transitivi. Di sollievo in sollievo tutte

le carte sparse per terra o sul tavolo, lisce per credere
che il futuro m’aspetta.

Che m’aspetti il futuro! Che m’aspetti che m’aspetti il futuro
biblico nella sua grandezza, una sorte contorta non l’ho trovata
facendo il giro delle macellerie.



De alívio em alívio, as listas brancas os papéis brancos
um alívio, passo a passo uma bicicleta nova
com a lixívia que polvilha o cemitério.

De alívio em alívio em jaqueta branca que emerge castanho
sobre o abismo, crença tatuagens e telefones em linha enquanto
na espera do senhor deputado Rivulini me desabotoava. Casa a casa.

telégrafo, uma bicicleta extra, por favor caso possam de qualquer
modo empurrar. De alívio em alívio empurrem a minha bicicleta
amarela o meu fumar transitivo. De alívio em alívio todos

os papéis espalhados pelo chão ou sobre a mesa, lisos para acreditar
que o futuro me espera.

Que o futuro me espere! Que me espere que me espere o futuro
bíblico, na sua grandeza, um destino distorcido que não encontrei
ao fazer a ronda dos açougues.

05 agosto 2021

juana adcock

Puertas que abiertas hacia adentro arden


Qué bendita dicha la de poder cerrar los ojos y ver alguien

cerrar los ojos


Que su antebrazo sienta las gotas y casi

antes de preguntar qué pasa se desmenuce su garganta en el suelo


Y qué bendita llave la que abría todas las puertas, la que

una tela humilde cruzábanos sus nudillos como manos en rezo

unos nudos temblorosos que se trenzaban en fardos, unos talones

¿quieres desnudar todos mis nudos? ¿abrir todas mis puertas?

sí, quiero abrir las puertas en tu pie: beso, las puertas en la uña de tu dedo gordo: beso, las puertas en tu astrágalo: beso, las puertas en tu sóleo: beso, las puertas en tu sartorio: beso, las puertas en tu pectíneo: beso, las puertas en tu hipocondrio: beso, las puertas en tu región del vacío, etcétera


Ayer vi los párpados volando hechos pedazos

los sitios salobres donde nos andábamos llorando

los huecos desanclados, desarraigados

el delgado canto que en la mañana nos alzaba


esa madre que no tengo, el huevo

detrás de mi cuello donde el hueco es el huevo es el hueco donde se gesta

el principio donde nace, esa sangre que se espesa, que se dispersa, que nos amarra


La neta: este piquete de avispa es mi única pertenencia, esa agua que se hacina detrás de las puertas en mi cara



Portas que abrem para dentro queimam


Que epifania afortunada poder fechar os olhos e ver alguém

fechar os olhos


Que o seu antebraço sinta as gotas e quase

antes de perguntar o acontecido despedace a sua garganta no chão

uma teia humilde entrelaçando os seus nós como mãos em prece


E quão epifânica a chave que abria todas as portas, a que

uns nós trémulos que se entrançavam em fardos, calcanhares

queres pôr a nu todos os meus nós? Abrir todas as minhas portas?

Sim, quero abrir as portas no teu pé: beijo, as portas na unhas do teu dedão: beijo, as portas

no teu astragalo: beijo, as portas no teu sóleo: beijo, as portas no teu sartório: beijo, as portas no teu

pectíneo: beijo, as portas no teu hipocôndrio: beijo, as portas na tua região do vazio, etcétera


Ontem vi as pálpebras voando feitas pedaços

os lugares salobres onde andávamos a chorar

os espaços desancorados, desenraizados

a finesse do canto que na manhã nos levantava


essa mãe que não tenho, o ovo

atrás do meu pescoço onde o buraco é o ovo é o buraco onde se gesta

o princípio onde nasce, esse sangue que se engrossa, que se dispersa, que nos amarra


O líquido: este piquete de vespa é a minha única pertença, essa água que se amontoa atrás das portas na minha cara


03 agosto 2021

natalie díaz

 

Why I Don’t Mention Flowers When Conversations

with My Brother Reach Uncomfortable Silences


Forgive me, distant wars, for bringing

flowers home.

Wislawa Szmborska



In the Kashmir mountains,

my brother shot many men,

blew skulls from brown skins,

dyed white desert sand crimson.


What is there to say to a man

who has traversed such a world,

whose hands and eyes have

betrayed him?


Were there flowers there? I asked.


This is what he told me:


In a village, many men

wrapped a woman in a sheet.

She did not struggle.

Her bare feet dragged in the dirt.


They laid her in the road

and stoned her.


The first man was her father.

He threw two stones in a row.

Her brother had filled his pockets

with stones on the way there.


The crowd was a hive

of disturbed bees. The volley

of stones against her body

drowned out her moans.


Blood burst through the sheet

like a patch of violets,

a hundred roses in bloom.



Porque não falo de flores quando as conversas

com o meu irmão atingem silêncios incómodos


Perdoem-me, guerras distantes, por trazer

flores para casa.

Wislawa Szmborska


Nas montanhas de Caxemira,

meu irmão disparou contra muitos homens,

fez estourar crânios em peles morenas,

tingiu de carmesim a branca areia do deserto.


O que dizer a um homem

que atravessou tal mundo,

cujas mãos e olhos o levaram

a trair-se?


Havia flores nesse sítio? Perguntei


Eis o que ele me disse:


Numa aldeia, um bando de homens

embrulhou uma mulher num lençol.

A mulher não se defendeu

Os seus pés descalços arrastados na lama.


Deitaram-na na estrada

e apedrejaram-na.


O primeiro homem era o seu pai.

Atirou duas pedras de rajada.

O irmão dela tinha enchido os bolsos

com pedras apanhadas no caminho.


A multidão era um enxame

de abelhas perturbadas. A saraivada

de pedras contra o seu corpo

afogou os seus gemidos.


O sangue irrompeu no lençol

como uma mancha de violetas,

uma centena de rosas em flor.


01 agosto 2021

camille tillet

 

Je sens la vibration entrer dans mes pieds

Remonter mes jambes

Remplir mon bassin

Et accélérer mon cœur

Ça pulse, ça vibre

L’invisible est physique

Si je pouvais m’unir à la terre

Je propagerais le son plus vite que l’air

De mon promontoire je me tends comme une corde de contrebasse.


Sinto a vibração a entrar nos meus pés

Elevar as minhas pernas

Encher o meu tanque

E acelerar o meu coração

Algo pulsa, algo vibra

O invisível é físico

Se me pudesse unir com a terra

Espalharia o som mais depressa do que o ar

Do meu promontório estico-me como uma corda de contrabaixo.

30 julho 2021

denise le dantec

 

Coups de butoir du vent. Le schorre est vert grisé.

Sur la lande haute la lumière des bruyères donne la substance mate des choses.

Plus bas, entre les réseaux des filières, apparaissent des couleurs : orangé-noir des ajoncs Le Gall dont se nourrissaient les chevaux de retour des carrières d’Île à Canton, rouge des touffes d’obiones Les massifs de prunelliers qui entourent la Roche du Fort sont d’un blanc parfait.

L’odeur des premières fleurs de l’arabette, parfois plantées à même le sable, déjà enivre.


Porrada do vento. O lamaçal é verde acinzentado.

No areal alto a luz da urze fornece a substância mate das coisas.

Mais em baixo, no emaranhado das sendas, aparecem cores: laranja-preto dos tojos Le Gall, de que se alimentavam os cavalos de regresso das pedreiras da Ilha em Cantão, vermelho dos tufos halofíticos

Os maciços de ameixoeiras que cercam a Roche du Fort são de um branco perfeito.

O odor das primeiras flores de uma arabette, às vezes plantadas mesmo na areia, já embriaga.


28 julho 2021

ana maría rodas

 

Limpiaste la esperma


Limpiaste la esperma

y te metiste a la ducha.


Diste el manotazo al testimonio

pero no al recuerdo.


Ahora

yo aquí, frustrada,

sin permiso para estarlo

debo esperar

y encender el fuego

y limpiar los muebles

y llenar de mantequilla el pan.


Tú comprarás con sucios billetes

tu capricho

pasajero


A mí me harta un poco todo esto

en que dejo de ser humana

y me transformo en trasto viejo.


Limpaste o esperma


Limpaste o esperma

e entraste no duche.


Esbofeteaste o testemunho

mas não a lembrança.


Agora

eu aqui, frustrada,

sem licença para estar assim

tenho de esperar

e acender o fogo

e limpar os móveis

e encher o pão de manteiga.


Tu comprarás com notas sujas

o teu capricho

passageiro


Estou um pouco farta disto tudo

de deixar de ser humana

e de me transformar em traste velho.


26 julho 2021

elisa palacio

 

Una niña parada con su cuerpo inclinado hacia adelante y su mano derecha apoyada en su rodilla, sosteniéndose. Tiene el pelo castaño claro con una colita de caballo. Lleva puesto un pantalón de corderoy, un suéter y zapatillas blancas.

A su lado hay un señor sentado sobre una piedra que apunta hacia la nada. Ambos miran atentamente lo mismo: una libretita que él tiene en sus manos donde dibuja algo. Están frente a un precipicio. La superficie es rocosa y escalonada en tonos de rosa.

Sus dos figuras forman un círculo. El hombre tiene una pierna cruzada en la que apoya su libreta. Sobre su cuello cuelgan, hasta abajo de su pecho, unos largavistas profesionales. Su otra pierna tiene la rodilla flexionada y el pie se apoya sobre una piedra, equilibrando su cuerpo.

A un costado y descendiendo por las rocosidades hay un bastón. Es de madera con rayas en blanco y negro. Una línea de arbustos cubre casi la totalidad del fondo que muestra, a lo lejos, una sierra azul y plana. El cielo cubierto cambia de color.


Uma menina de pé com o corpo inclinado para a frente e a mão direita apoiada no joelho, a segurar-se. Tem o cabelo castanho claro com um rabo de cavalo. Usa uma calça de bombazine, uma camisola e ténis brancos.

Ao seu lado há um senhor sentado sobre uma pedra que aponta para o nada. Ambos olham atentamente o mesmo: um bloco de notas que tem nas mãos onde desenha algo. Estão frente a um precipício. A superfície é rochosa e escalonada em tons de rosa.

As suas duas figuras formam um círculo. O homem tem uma perna cruzada onde apoia o seu bloco. No seu pescoço estão pendurados, até abaixo do seu peito, uns binóculos profissionais. Sua outra perna tem o joelho fletida e o pé apoia-se sobre uma pedra, equilibrando o seu corpo.

Ao lado e descendo pelas rochas há um bastão. É de madeira com listas em preto e branco. Uma linha de arbustos cobre quase a totalidade do fundo que mostra, ao longe, uma serra azul e plana. O céu coberto muda de cor.


24 julho 2021

pascale bouhénic

 

L’hérédité humaine


Bien arrivée à Jujurieux

Après un arrêt à Saulieu

Terre du sculpteur Pompon

Qui fut un élève de Rodin.

La patronne du restaurant

(Qui sert une cuisine bourgeoise

Comme dans les restos autrefois)

Me touche à un bizarre endroit.

A la regarder, elle est une parfaite réplique

De mon cher père

Non dans ses traits, c’est entendu

Mais dans cette manière affolée, qu’elle a de commenter le menu.



Ce qu’elle fait sans se faire prier aucunement

Prenant son temps et digressant

Ecorchant le coq, étripant l’âne

Et la façon dont elle s’emmêle les pinceaux, trop longuement

Sans flancher, me touche violemment, c’est idiot.

Je l’ai prise en sympathie pour cela

Baissant les yeux sur la nappe à carreaux

Déjà remplie de miettes

(Je meurs de faim c’est évident).

Car j’ai hérité de ces glissades, de ces cabrioles

De ces accidents brutaux, de tous ces mots qui dégringolent

A toute vitesse sur la table.



A hereditariedade humana


Chegada a Jujurieux

Após uma paragem em Saulieu

Terra do escultor Pompon

Que foi aluno de Rodin.

A dona do restaurante

(Que serve uma cozinha burguesa

Como nos velhos restaurantes)

Toca-me num sítio estranho.

Olhando para ela, é uma réplica perfeita

Do meu querido pai

Não nos seus traços, claro

Mas nesse modo agitado com que comenta o menu.


O que ela faz sem fazer rezas de nenhuma maneira

Demorando o seu tempo e digerindo

Depenando o galo, estripando a mula

E a forma como ela fica muito tempo atónita

Sem se ir abaixo, toca-me violentamente, é estúpido.

Simpatizei com ela por isso

Baixando os olhos para a toalha de mesa axadrezada

Já cheia de migalhas

(estou a morrer de fome, claro).

Porque herdei esses resvalos, essas cabriolas

Esses acidentes brutais, todas essas palavras que se estatelam

A toda a velocidade sobre a mesa.



22 julho 2021

paloma camacho arístegui

 

Huele a café y naranjas la curva de tu herida, ¿quién sabrá tocarla sin alterar su principio?

Un largo de miradas, un continuo de ecos: sigue prendida la ausencia, sigue tartamudeando la lumbre.

A tu sombra anidan las mañanas, trazas de elementos más pesados. Charco de instinto que interpretarse debe como un alquiler de recuerdos:

Es delicada la memoria.


Cheira a café e laranjas a curva da tua ferida, quem saberá tocá-la sem alterar o seu princípio?

Um longo olhar, um contínuo de ecos: continua acesa a ausência, continua o lume a gaguejar.

À tua sombra se aninham as manhãs, traços de elementos mais pesados. Poça de instinto que se deve interpretar como um aluguer de lembranças:

É delicada a memória.

20 julho 2021

martha cecilia quijano

 

Noche primigenia


Yo nací un día

que Dios estuvo enfermo,

grave.

César Vallejo.


La noche en que nací

una tormenta era mi casa.

Los rayos iluminaron el vientre de mi madre.

La luz, se hizo vida.


Esa noche, la primera de mayo

se hizo cántaro de fuego.

Las manos sabias de una partera

me trajeron al mundo.


A mi madre,

un dolor de recién parida, le alegró el alma:

Una bocanada de aire, se hizo canto.

Una niñita con rostro luna y ojos gitanos

bebe de su pecho, le hace creer de nuevo en los milagros.


En la madrugada, a la una menos cinco,

un oleaje de mar

inundó la casa.

Las tijeras de modista,

separaron mi cuerpo del suyo:

Fui poesía junto a su regazo.


La noche en que nací

mi madre le puso cerrojo a su templo

ahora, útero de cal y cemento.



Noite primordial


No dia em que nasci

Deus estava doente,

gravemente.

César Vallejo.


Na noite em que nasci

Estava a minha casa uma tormenta.

Os raios iluminaram o ventre da minha mãe.

Fez-se vida, a luz.


Essa noite, a primeira de maio

fez-se cântaro de fogo.

As mãos sábias de uma parteira

puxaram-me para o mundo.


À minha mãe,

uma dor de recém-parto, alegrou-lhe a alma:

Uma lufada de ar, se fez canto.

Uma bebé com rosto lua e olhos ciganos

bebe do seu peito, fá-la acreditar de novo em milagres.


De madrugada, à uma menos cinco,

uma ondulação de mar

inundou a casa.

As tesouras de modista,

separaram o meu corpo do seu:

Fui poesia em seu regaço.


Na noite em que nasci

a minha mãe trancou o seu templo

agora, útero de cal e cimento.


18 julho 2021

laure samama

 

Je danse seule

Au début je n’ai presque plus bougé, j’étais un animal en hibernation dans le dix-huitième arrondissement, qui se déplaçait gauchement, du lit au frigo et du frigo au lit, un animal dont l’activité principale consistait à dormir. Il dormait et ça s’agitait dans mes rêves, j’avais peur, j’avais faim, j’avais soif, j’avais amour surtout, mais je ne voulais pas le savoir. Je ne voulais pas être dérangée et les lois me protégeaient : il était écrit que personne ne viendrait. Et personne ne venait.


Danço sozinha

Ao princípio quase não me mexi, era um animal em hibernação no décimo oitavo bairro, que se deslocava sem jeito, da cama para o frigorífico e do frigorífico para a cama, um animal cuja principal atividade era dormir. Ele dormia e isso agitava os meus sonhos, tinha medo, tinha fome, tinha sede, tinha sobretudo amor, mas não queria saber. Não queria ser incomodada e as leis protegiam-me: ele tinha escrito que ninguém viria. E ninguém veio.


16 julho 2021

rosana acquaroni

 

HAY VENTANAS QUE PUEDEN HABITARSE

como se habita una ciudad.

Hay escenas que encienden una vida y vidas

que encienden una muerte

mientras duran.


Tan sólo fue un instante.

Después

aquella imagen fue quedándose atrás

y tuve la certeza

de que ella misma había consentido en su muerte.


El sacrificio es siempre

una forma de venganza.


En la noche anterior

él le había prometido llevarla a ver el mar.


La ventanilla de un tren puede contener

el mundo en un instante.


Después de golpearla

ella cayó de rodillas ante él mientras él la miraba

y su mano homicida se abría sin querer

y la piedra sangraba

se dejaba caer

se despeñaba talud abajo.


Me pregunto cómo se conocieron.

En dónde enamoraron.

Si ella sabía coser.

Si habría criaturas esperándola.


No pude decir nada.

Asistir al fragmento de la vida de otros.

Sentir la cercanía

de un cuerpo malogrado.

Ver cómo me alejaba

y mis ojos sin tiempo querían estirarse,

detenerse

comprender.


El tren seguía su curso.


(Un hombre solo que planea una muerte en campo

abierto. Alguien que casualmente miraba en ese instante

por la ventanilla de un tren y lo contempla. Eso es

todo.)



HÁ JANELAS ONDE SE PODE MORAR

como se mora uma cidade.

Há cenas que acendem uma vida e vidas

que acendem uma morte

enquanto duram.


Foi apenas um instante.

Depois aquela imagem foi ficando para trás

e tive a certeza

de que ela própria tinha consentido na sua morte.


O sacrifício é sempre

uma forma de vingança.


Na noite anterior

ele tinha-lhe prometido levá-la a ver o mar.


A janela de um comboio pode conter

o mundo num instante.


Depois de lhe bater

ela caiu de joelhos diante dele enquanto ele a olhava

e a sua mão homicida se abria sem querer

e a pedra sangrava

deixava-se cair

despenhava-se pela ladeira abaixo.


Pergunto-me como se conheceram.

Onde se apaixonaram.

Se ela sabia coser.

Se havia criaturas à sua espera.


Não consegui dizer nada.

Assistir ao fragmento da vida de outros.

Sentir a proximidade

de um corpo malogrado.

Ver como me afastava

e os meus olhos sem tempo queriam esticar-se,

deter-se,

compreender.


O comboio continuava a andar.


(Um homem sozinho que planeia uma morte em campo

aberto. Alguém que casualmente olhava nesse instante

pela janela de um comboio e o contempla. Isso é

tudo.)

14 julho 2021

teresa orbegoso

 

Abro el miedo. Mi cáncer escucha el silencio de mis órganos. Los hilos negros de la calma. Pregunto a mi cáncer. A ese Dios melancólico y persistente que me taladra. La espera de su respuesta me deja ver que las cosas no pesan. Ánimo. Crema de cúrcuma y agua de repollo para el dolor. Todos se van y yo me quedo. En mi cuarto atiende una enfermera migrante. Mi cáncer sigue escuchando atentamente el silencio de mis órganos. La enfermera escribe en su cuaderno: cuerpo mojado, leche de madre, da laespalda. Mi cáncer me mira a la distancia. Sonríe y sigue su camino hacia la ciudad de las enfermedades. Las batas blancas y las ambulancias transportan el sonido de la libélula. La ciudad de lasenfermedades contiene al amor de madre y su violencia. Junto a mi cama, en un frasco de vidrio, el lloro de los virtuosos y de los piadosos. Las cosas se terminan como nosotros. A lo lejos, la caja de inyecciones como un juguete extraviado.


Abro o medo. O meu cancro escuta o silêncio dos meus órgãos. Os fios negros da calma. Pergunto ao meu cancro. A esse Deus melancólico e persistente que me perfura. A espera da sua resposta deixa-me ver que as coisas não pesam. Força. Creme de curcuma e água de couve de repolho para a dor. Todos se vão e eu fico. No meu quarto a assistência é feita por uma enfermeira migrante. O meu cancro continua a ouvir atentamente o silêncio dos meus órgãos. A enfermeira escreve no seu caderno: corpo molhado, leite de mãe, vira as costas. O meu cancro olha-me de longe. Sorri e segue o seu caminho até à cidade das doenças. As batas brancas e as ambulâncias transportam o som da libélula. A cidade das doenças contém o amor de mãe e a sua violência. Ao pé da minha cama, num frasco de vidro, o choro dos virtuosos e dos piedosos. As coisas terminam como nós. Ao longe, a caixa de injeções como um brinquedo extraviado.