20 março 2021

raquel vázquez

 

Un misil en los ojos.

Un misil en las manos.

Todos llevan misiles, tú también.

Víctimas pero cómplices,

somos mitades rotas por una manecilla.

Una pastilla a la hora de dormir,

otra para que seas capaz de levantarte.

Mientras cubres con plástico la hoz de las preguntas.

La bandeja de entrada, siempre llena.

No se llena el descanso.

Tampoco los bolsillos ni los sueños.

Sin saber explicártelo te alejas

tan rápido de quien querrías ser,

del lugar que anhelabas

alcanzar y una vez se llamó vida.

No importa cuando empieces, llegas tarde.

Tu hogar se llama tarde.


Tu hogar es siempre el tiempo que te falta.



Um míssil nos olhos.

Um míssil nas mãos.

Todos carregam mísseis, tu também.

Vítimas mas cúmplices,

somos metades paridas por um botão.

Uma pastilha para dormir,

outra para seres capaz de te levantar.

Enquanto cobres com plástico a foice das perguntas.

A caixa de correio, sempre cheia.

Não se enche o descanso.

Nem os bolsos, nem os sonhos.

Sem saberes explicar afastas-te

muito depressa de quem gostarias de ser,

do lugar que almejavas

alcançar e que uma vez se chamou vida.

Não importa quando comeces, chegas tarde.

O teu habitat chama-se tarde.


O teu habitat é sempre o tempo que te falta.



18 março 2021

robin myers

 

A Poem about God


They buried her ashes next to the father who hit her.

Something happened along the length of her forearms


when she played the piano, her body given over to a cipher suddenly decoded.

She and her tendons, they understood each other.


Maybe I shouldn’t be writing this. I don’t pray

and I don’t think she did, either.


I’m reading about smallpox in the seizure of the Americas.

I’m thinking about the generations riddled into the soil of my parents’ front yard.


There’s no hyperbole like history

and no God but God, by which I mean, for example, the aphid,


the kind that ravaged her tomato plants,

inconspicuously inviting itself all over the place,


sowing its honeydew like space debris.

I don’t mean to be glib. All I’m saying


is that I believe in blights like I believe in music,

and that hers flourished both behind her ribs and somewhere farther off.


And that we’re made of the plagues that came before us

and let us, some of us, live. And when haven’t bugs


inherited the earth. If I die, she’d said toward the end.

Before I wake, is how some are taught to complete


that sentence. I don’t believe

she’s anywhere now but the piano bridge,


parts of which she’d gingerly taped together—

whether to quell a sound or fling it loose


and then make it vanish in the way she loved best,

who knows but the air that received it every time.



Um poema sobre Deus


Enterraram as cinza dela ao lado do pai que lhe batia.

Alguma coisa aconteceu ao longo da extensão dos seus antebraços


quando tocava piano, o seu corpo entregava-se a uma mensagem repentinamente decifrada.

Ela e os seus tendões entendiam-se mutuamente.


Talvez não devesse escrever isto. Eu não rezo

e acho que ela também não.


Ando a ler sobre a varicela na conquista da América.

Ando a pensar nas gerações crivadas na terra do jardim dos meus pais.


Não há hipérbole como a história

nem outro Deus que Deus, ou seja, por exemplo, os pulgões


esses que devoraram as suas plantações de tomate

depois de chegarem sem serem notados e sem convite,


semeando o seu rossio de mel como lixo espacial.

Não pretendo ser redutora. A única coisa que digo


é que acredito nas pragas como acredito na música,

e que as dela floresceram tanto atrás das costelas como em algum lugar mais distante.


E acredito que as pragas nos precederam

E nos deixaram, a alguns, com vida. E quando os insetos


não herdaram a terra. Se morrer, dizia até ao fim.

Antes de acordar, como se completaria o estribilho


dessa canção. Não acredito

que ela esteja em qualquer lugar exceto na ponte do piano,


partes do qual ela colava com fita adesiva:

fosse para aplacar um som fosse para o soltar


e a seguir fazê-lo desaparecer como ela gostava,

quem sabe, exceto o ar que de vez em quando o recebia.



16 março 2021

clara calvet

 

Vous chantiez vos mythes,

pour tous ceux

qui créèrent l’animal

et le temps.


Et moi je vous fus,

semble-t-il,

humble et offerte,

reconnaissante,


Pour ce que je compris.



Cantavas os teus mitos,

para todos aqueles

que criaram o animal

e o tempo


E em ti me tornei,

parece

humilde e oferecida,

reconhecida,


Pelo que esponjei.


14 março 2021

maría beleña

 

Sinopsis


aúlla el zorro hambriento

en la colina del vertedero

no somos otros


somos esto


el estertor de las ramas

el alegato de los gorriones

el duelo del agua



Sinopse


uiva a raposa faminta

na colina do aterro

não somos nós


somos isto


o estertor dos ramos

o apelo dos pardais

o luto da água


12 março 2021

ivanna zambrano ayala

 

A Ivonne Ayala

Estimada M:

De nuevo te escribo en la noche porque parece que no hay otro momento en el que desee comunicarme. Sigo aguantando esa sensación de vacío mientras pasa el tiempo y me vuelvo más vieja. En ocasiones me pregunto qué he ganado en mi vida para llegar siempre a la misma conclusión. Sólo quiero echarme en la cama para no salir de allí, mas siempre termino escapando de su red. Tengo la mala costumbre de “levantarme”. Interpreta esa frase como quieras.

No tengo apetito de leer, escribir ni de dibujar. No surgen “milagros” aunque lo intente. De cualquier modo, carezco de la motivación suficiente para persistir en esas tonterías, los oficios del alma que ya no me interesan…

Recuerdo cuando era joven. Me encontraba llena de ilusiones que ahora están rotas por la cantidad de rechazos y burlas que he sufrido desde pequeña. ¿Cómo podría haber sabido que me sucedería en ese instante, y en público? Nadie tuvo la molestia de oírme. Fui ignorada incluso por ti.

Y te escribo en la noche, soportando esa sensación de vacío mientras pasa el tiempo y me vuelvo más vieja. Siempre has omitido algún comentario sobre eso. A veces supongo que Dios me abandonó… Imagino que te acuerdas del episodio del tren, donde la gente también se rio de mí por culpa de esa maldita pastilla. En fin, tú sabes el resto. Todavía no me he curado.

La noche luce una inmensa oscuridad. Creo que tengo una “negrura” semejante en mi interior después de esos “eventos” tan desagradables. Nadie me comprendió. Luego ocurrieron los rechazos que causaron que al fin me recluyera para redactar tediosos artículos de mil palabras.

Y como los lobos que ansían devorar al sol y la luna, los recuerdos dan vueltas en mi cabeza… En un mensaje me sugeriste que buscara a Dios, pero qué podría brindarme Él. Te confieso que he pretendido ir a la iglesia, pero me llega a la mente lo del vagón y mis ganas se esfuman.

Insisto en esto, M: ¿qué he logrado yo? Estoy sin luces, apagada como la aurora que brotará luego para anunciar la llegada del día.

¿Y qué he alcanzado yo, M? Sí, ¿qué he alcanzado yo? No tengo ganas de moverme y sólo pienso en el ayer y en el paso del tiempo que me ha hecho más vieja.

Sí, carezco de luces y sólo tengo el boleto al mundo de la remembranza que me ofrece una minúscula llama a pesar de lo que te acabo de comentar…

Y el día y la noche danzan su eterno vals, mientras los lobos que corren por el cielo intentan atraparlos. Yo trato de volar con ellos porque tengo la mala costumbre de levantarme. Así huyo de las fauces de esa tristeza que me buscará para que te mande estas cartas entintadas con esa pequeña luz y esa fastidiosa oscuridad.


A Ivonne Ayala

Querida M:

Escrevo-te outra vez de noite por parecer não haver outra altura em que necessite de comunicar. Continuo a aguentar esta sensação de vazio enquanto o tempo passa e me torno mais velha. Há ocasiões em que me pergunto que coisa ganhei na vida para chegar sempre à mesma conclusão. Só quero deitar-me na cama e dela não sair, mas acabo sempre por ser refratária a esta rede. Sofro do mau costume de me “levantar”- Interpreta esta frase como quiseres.

Não tenho líbido para ler, escrever ou desenhar. Não aparecem “milagres” por muito que tente. De qualquer modo, careço de motivação suficiente para persistir nestas toleimas, ofícios da alma que já não me interessam …

Lembro-me de quando era jovem. Estava plena de ilusões agora estilhaçadas pela quantidade de rejeições e escárnios que sofri desde miúda. Como poderia ter sabido nesse instante e de forma pública? Ninguém se deu ao incómodo de me ouvir. Fui ignorada mesmo por ti.

E escrevo-te de noite, suportando essa sensação de vazio enquanto o tempo passa e me torno mais velha. Sempre omitiste qualquer comentário sobre isso. Às vezes suponho que Deus me abandonou … Imagino que te lembras da cena do comboio onde as pessoas também se riram de mim por causa dessa maldita pastilha. Enfim, sabes o resto. Porém, ainda não me curei.

À noite luz uma imensa escuridão. Acho que tenho uma “negrura” semelhante no meu interior depois desses “eventos” tão desagradáveis. Ninguém me compreendeu. A seguir aconteceram as rejeições que levaram a que por fim ficasse imersa na reclusão para redigir artigos entediantes de mil palavras.

E como os lobos que almejam devorar o sol e a lua, as lembranças dão voltas na minha cabeça… Numa mensagem sugeriste-me que procurasse Deus, que poderia brindar-me Ele. Confesso-te que pretendi ir à igreja mas vem-me à cabeça a coisa do vagão e as minhas vontades esfumam-se.

Insisto nisto, M : que consegui eu? Estou sem luzes, fundida como a aurora que vai nascer para anunciar a chegada do dia.

E que coisa consegui, M? Sim, que consegui eu? Não tenho vontade de me mexer e só penso no ontem e na passagem do tempo que me fez mais velha.

Verdade, careço de luzes e só tenho bilhete para o mundo da lembrança que me oferece uma minúscula chama apesar do que acabo de dizer...

E o dia e a noite dançam a sua eterna valsa enquanto os lobos que correm pelo céu tentam apanhá-los. Eu trato de voar com eles porque tenho o mau costume de me levantar. Assim fujo das garras dessa tristeza que me procurará para que te mande estas cartas tisnadas com essa pequena luz e essa irritante escuridão.


10 março 2021

茨木 のり子 ibaragi noriko

 

苦しみの日々 哀しみの日々 茨木のり子


苦しみの日々

哀しみの日々

それはひとを少しは深くするだろう

わずか五ミリぐらいではあろうけれど


さなかには心臓も凍結

息をするのさえ難しいほどだが

なんとか通り抜けたとき 初めて気付く

あれはみずからを養うに足る時間であったと


少しずつ 少しずつ深くなってゆけば

やがては解るようになるだろう

人の痛みも 柘榴のような傷口も

わかったとてどうなるものでもないけれど

    (わからないよりはいいだろう)


苦しみに負けて

哀しみにひしがれて

とげとげのサボテンと化してしまうのは

ごめんである


受け止めるしかない

折々の小さな刺や 病でさえも

はしゃぎや 浮かれのなかには

自己省察の要素は皆無なのだから




Dias de sofrer

dias de tristeza

empeitam alguns homens

provavelmente apenas cinco milímetros


Só quando algo trespassa

em tão congelado coração

onde respirar é difícil

bule alguma auto-consciência


de que foi tempo suficiente para se manter

Se pouco a pouco se enrijam e se vão

poderão talvez compreender

as dores dos homens


e as feridas como granadas

mas mesmo que entendam não importará

mas

(melhor é não entender)


são derrotados pelo sofrimento

são doloridos pelo triste

e não desejam

transformar-se em cato severo

A única opção será aceitar

pequenos espinhos ocasionais


e também a doença

porque na alegria

e na felicidade

ausentes ficam os elementos de auto-reflexão



08 março 2021

nora abad

 

II

Loza y cristalería


Harto de la tiranía de mis manos

se deslizó al suelo

Dispuesto al campo sembrado de sus esquirlas

Aceptante satisfecho de la falta de forma y propósito

Quizá tembló un instante antes

al escuchar el premonitorio sonido

eco de mis dedos expertos en dejar ir

de una lluviacristal

Nadie muere en tan melódica muerte


Algo menos elegante salido de mi boca

honra su partida

Y una palma culpable ahoga el sonido

Tintinea su despedida el antes odre

mientras una gota de sangre cae de mi dedo

Índice herido de incertidumbre



II

Loa e cristaleira


Farto da tirania das minhas mãos

deslizou para o chão

Disposto ao campo semeado de seus estilhaços

Aceitante satisfeito da falta de forma e propósito

Talvez tenha tremido um instante antes

ao ouvir o premonitório som

eco de meus dedos especialistas em deixar ir

de uma chuvacristal

Ninguém morre em tão melódica morte


Algo menos elegante saído da minha boca

honra a sua partida

E uma palma culpada sufoca o som

Tilinta a sua despedida no antes odre

enquanto uma gota de sangue cai do meu dedo

Índice ferido de incerteza


06 março 2021

carolina ruales

 

Hija rota, soy tu padre


Mis palabras retoñan en el cáliz de tu boca.

Visito tus espinas cada vez que miras revolotear las aves del centro de Buenaventura.

Te asombras de las plantas que crecen a lo largo de sus edificios.

Sales del trabajo y vas frente al mar, a pensar en ese amor que no se queda.

Ves una familia completa y piensas en mí, tu padre sin materia, en tu madre que extrañas pese a tener su aliento tan cerca.

Hoy escribes palabras dictadas desde la espesura de mi camino ahuecado, las que alcanzas a agarrar en el aire de tu cuarto huérfano. 

Las demás se escaparon con los años, las escribes para que tu largo dolor, quepa dentro de mi nombre.



Filha partida, sou o teu pai


Brotam as minhas palavras no cálice da tua boca.

Visito os teus espinhos sempre que vês a passarinhagem das aves do centro de Buenaventura.

Espantas-te com as plantas que crescem ao longo dos seus edifícios.

Sais do trabalho e vais para diante do mar, a pensar nesse amor que não permanece.

Vês uma família inteira e pensas em mim, teu pai sem matéria, na tua mãe de que sentes falta apesar de teres o seu hálito tão perto.

Hoje escreves palavras ditadas pela espessura do meu caminho oco, as que alcanças a agarrar no ar do teu quarto órfão.

As outras desapareceram com o passar dos anos, escreve-as para que a tua longa dor caiba dentro do meu nome.


04 março 2021

nelmaries medina rodríguez

 

IX


Nadie realmente nunca muere

Te encontrarás sonriendo como tu madre

Comprando el pan que traía tu padre

Bromeando como lo hacía tu hermano

Y cuando la luna

Te acribille con su mirada

Mientras te retuerces en tu propia porquería

Te preguntas

¿Dónde estarán mis muertos?

Búscate un espejo




IX


Ninguém realmente morre, nunca

Encontrar-te-ás sorrindo como a tua mãe

Comprando o pão que trazia o teu pai

Brincando como fazia o teu irmão

E quando a lua

Te espetar o seu olhar

Enquanto te contorces na tua própria porcaria

Perguntas

Onde estão os meus mortos?

Arranja um espelho



02 março 2021

valzhyna mort

 

Ars Poetica


Not books, but

a street opened my mouth like a doctor’s spatula.

One by one, streets introduced themselves

with the names of national

murderers.

In the State Archives, covers

hardened like scabs

over the ledgers.


Inside a tiny apartment

I built myself

into a separate room,

peopled it

with the Calibans

of plans for the future.


Future that runs on the schedule of public buses,

from the zoo to the circus, what future;

what is your alibi for these ledgers, these streets, this apartment, this future?


In the purse which held—

through seven wars—

the birth certificates

of the dead, my grandmother

hid—from me—

chocolates. The purse opened like a screaming mouth.

Its two shiny buckles watched me

through doors, through walls, through jazz.


Who has taught you to be a frightening face, purse?

I kiss your buckles, I swear myself your subject.


August. Apples. I have nobody.

August. For me, a ripe apple is a little brother.


For me, a four-legged table is a pet.


In the temple of Supermarket

I stand

like a candle


in the line to the priestesses who preserve

the knowledge of sausage prices, the virginity

of milk cartons. My future, small

change after buying necessities.


Future that runs on the schedule of public buses,

streets introduced themselves with the names

of national murderers. I build myself

into a separate room, where memory—

the illegal migrant in time—cleans up

after imagination.


In a room where memory strips the beds—

linens that hardened like scabs

on the mattresses—I kiss


little apples—my brothers—I kiss the buckles

that watch us through walls, through years, through jazz;

chocolates from a purse that held—through seven wars—

birth certificates of the dead!


Hold me, brother-apple.



Ars Poetica


Não os livros, mas

uma rua abriu-me a boca como uma espátula de médico.

Uma por uma, as ruas apresentaram-se

com os nomes dos nacionais

assassinos.

Nos Arquivos Estatais, as capas

dos livros de contabilidade

endureceram como crostas.


Futuro que circula nos horários dos transportes públicos,

do jardim zoológico ao circo, qual futuro;

qual é a tua desculpa para estes livros de contabilidade, estas ruas, este apartamento, este futuro?


Na mala que manteve

durante sete guerras-

as certidões de nascimento

dos mortos, a minha avó

escondeu - de mim -

chocolates.

A mala abriu-se como uma boca a gritar.

As suas duas fivelas brilhantes observavam-me

através de portas, através de paredes, através do jazz.


Quem te ensinou a ser uma cara aterradora, mala?

Beijo as tuas fivelas, juro que sou teu súbdito.


Agosto. Maçãs. Não tenho ninguém.

Agosto. Para mim, uma maçã madura é um irmão.


Para mim, uma mesa de quatro pernas é um animal de estimação.


No templo do supermercado

ergo-me

como uma vela.


na fila para as sacerdotisas que preservam

o conhecimento dos preços das salsichas, a virgindade

do leite nos pacotes. Meu futuro, pequena

mudança depois da compra de necessidades.


Futuro que circula nos horários dos transportes públicos,

ruas que se apresentam a elas próprias

com os nomes dos assassinos nacionais.

Construí-me a mim própria

num quarto separado, onde a memória -

o migrante ilegal no tempo – faz a limpeza

depois da imaginação.


Numa sala onde a memória rasga as camas-

lençóis que endureceram como crostas

nos colchões - Beijo


pequenas maçãs—meus irmãos— Beijo as fivelas

que nos observam através das paredes, através dos anos, através do jazz;

chocolates de uma mala que aguentou – durante sete guerras -

as certidões de nascimento dos mortos!


Abraça-me, irmão-maçã.



28 fevereiro 2021

karina borowicz

 

September Tomatoes


The whiskey stink of rot has settled

in the garden, and a burst of fruit flies rises

when I touch the dying tomato plants.


Still, the claws of tiny yellow blossoms

flail in the air as I pull the vines up by the roots

and toss them in the compost.


It feels cruel. Something in me isn’t ready

to let go of summer so easily. To destroy

what I’ve carefully cultivated all these months.

Those pale flowers might still have time to fruit.


My great-grandmother sang with the girls of her village

as they pulled the flax. Songs so old

and so tied to the season that the very sound

seemed to turn the weather.



Tomates de setembro


O cheiro podre a uísque instalou-se

no jardim, e uma explosão de moscas da fruta sobe

quando toco nas plantas de tomate moribundas


Apesar, as garras de pequenas flores amarelas

arranham o ar enquanto arranco as videiras pela raíz

e as atiro ao adubo.


Parece cruel. Algo em mim não está pronto

para deixar ir o verão tão facilmente. Para destruir

o que cultivei cuidadosamente todos estes meses.

Aquelas flores pálidas ainda podem ter tempo de fruto.


A minha bisavó cantava com as moças da sua aldeia

enquanto colhiam o linho. Canções tão velhas

e tão ligadas à época que o próprio som

pareceu ter mudado o clima.



26 fevereiro 2021

carla faesler

 

Parque en el cuarto


Juego mucho en las sombras,

parque en el cuarto,

horario abierto en la oscuridad.

Columpio en el listón de un tiempo envenenado

cada noche o día puertas cerradas.


En su carrocería, el viaje fantasmal

de lámparas y muros,

se estrella en mi última cabeza

que huye rebotando junto con la pelota

negra colibrí, quetzal, gorrión en licuadora


cuyo pico me impregna y me mete un espectro

largo como si fuera un cuello hacia el sol.


Mi farmacia interior, mis grúas de plumas,

mi usb insertada en mi brassier intelectual

registran que los dedos abanico, que un silabario

lógico propone que cama es una cúpula dorada,

la cópula horadada, quieto buque cadena

máquina casa, dique líquido que dice el silabario informal.


Cuando estoy con mis manos y las sombras

pienso en Amanda Baggs jugando con el agua del grifo

que chorrea entre sus dedos.

“Esto no significa nada interesante, dice Baggs,

soy sólo yo interactuando con el agua, viéndola, sintiéndola”


Lo neurodivergente me enseñó muchas cosas

y la profunda sencillez con la que podemos habitar

el flujo, la quietud y lo oscuro.


Aquí soy sólo yo y la luz que habla

por medio de una lámpara, las paredes pantalla

y el aire enrarecido de la jaula.

Mi inconsciente es un parque y mi cuerpo es

un sube y baja, un pasamanos, una resbaladilla.



Parque no quarto


Brinco muito nas sombras,

parque no quarto,

horário aberto no escuro.

Balanço numa barra de tempo envenenado

todas as noites ou dias portas fechadas.


Na sua carroçaria, a viagem fantasmagórica

de lâmpadas e paredes,

estatela-se na minha última cabeça

que foge saltando junto com a bola

negro colibri, quetzal, pardal em liquidificador


cujo bico me impregna e me mete um espectro

longo como se fosse um pescoço dirigido ao sol.


Minha farmácia interior, meus guindastes de penas,

minha usb inserida no meu sutiã intelectual

registam que os dedos abano, que um silabário

lógico propõe que cama seja uma cúpula dourada,

a cópula perfurada, quieto navio corrente

máquina casa, dique líquido que diz o silabário informal.


Quando estou com as minhas mãos e as sombras

penso em Amanda Baggs brincando com a água da torneira

que lhe escorre entre os dedos.

Isto não significa nada de interessante, diz Baggs,

sou apenas eu interatuando com a água, vendo-a, sentindo-a”


O neuro-divergente ensinou-me muitas coisas

e a profunda simplicidade com que podemos habitar

o fluxo, a quietude e o escuro.


Aqui sou só eu e a luz que fala

através de uma lâmpada, as paredes ecrã

e o ar rarefeito da jaula.

O meu inconsciente é um parque e o meu corpo é

um sobe e desce, um corrimão, um escorrega.



24 fevereiro 2021

julia de burgos

 

Canción amarga


Nada turba mi ser, pero estoy triste.

Algo lento de sombra me golpea,

aunque casi detrás de esta agonía,

he tenido en mi mano las estrellas.


Debe ser la caricia de lo inútil,

la tristeza sin fin de ser poeta,

de cantar y cantar, sin que se rompa

la tragedia sin par de la existencia.


Ser y no querer ser… esa es la divisa,

la batalla que agota toda espera,

encontrarse, ya el alma moribunda,

que en el mísero cuerpo aún quedan fuerzas.


¡Perdóname, oh amor, si no te nombro!

Fuera de tu canción soy ala seca.

La muerte y yo dormimos juntamente…

Cantarte a ti, tan sólo, me despierta.



Canção amarga


Nada perturba o meu ser, mas estou triste.

Qualquer coisa lenta de sombra me bate,

embora quase por trás desta agonia,

tenha tido nas minhas mãos as estrelas.


Deve ser a carícia do inútil,

a tristeza sem fim de ser poeta,

de cantar e cantar, sem que se rompa

a tragédia sem par da existência.


Ser e não querer ser... essa é a divisa,

a batalha que esgota toda a espera,

encontrar-se, já de alma moribunda,

que no mísero corpo ainda restam forças.


Perdoa-me, ó amor, se não te nomeio!

Fora da tua canção, sou asa seca.

A morte e eu dormimos juntos...

Cantar-te, só isso, acorda-me.


22 fevereiro 2021

claire malroux

 

Froissements plis déchirures,

du temps on s’efforce en vain de saisir la trame

Le lisse (huilé de l’organique, de la pensée) glisse

comme le fil entre les mains des Parques,

mortelles déesses dont le nom plus ancien, Moires,

désigne aujourd’hui tout tissu aux reflets changeants

–du mohair à la soie – passé à la calandre


Certains noms, comme des êtres, ont la vie dure

Moires, par un phonétique hasard,

a ressurgi dans mémoire, du latin memoria

Outre sa funeste sonorité due à la syllabe mor

qui suit le pronom personnel me,

ce nom semble suggérer la présence d’un double


La main du scribe ne fait qu’effleurer l’étoffe :

le sens demeure prisonnier de la texture

Des lueurs du moi, feux follets, clignotent par endroits,

là où quelque fil en apparence plus résistant

est en danger de rompre si l’on s’obstine à le tirer



Contusões dobras rasgões,

do tempo em vão nos esforçamos para agarrar a trama.

O liso (oleado do orgânico, do pensamento) desliza

como o fio entre as mãos dos Parques,

mortais deusas cujo nome mais antigo, Moires,

designa hoje qualquer tecido com reflexos de mudanças

-do mohair à seda - passado na grelha


Alguns nomes, como seres, têm vida dura

Moires, por uma coincidência fonética,

ressurgiu na memória, do Latim Memoria

Para além do som sinistro da sílaba mor

que segue o pronome pessoal me,

este nome parece sugerir a presença de um duplo


A mão do escriba apenas roça o tecido :

o sentido permanece prisioneiro da textura


Luzes do eu, luzes loucas, piscam em alguns lugares,

aí onde um fio na aparência mais resistente

está em perigo de romper se alguém se obstina a puxá-lo.



20 fevereiro 2021

idea vilariño


Ya no


Ya no será

ya no

no viviremos juntos

no criaré a tu hijo

no coseré tu ropa

no te tendré de noche

no te besaré al irme

nunca sabrás quién fui

por qué me amaron otros.

No llegaré a saber

por qué ni cómo nunca

ni si era de verdad

lo que dijiste que era

ni quién fuiste

ni qué fui para ti

ni cómo hubiera sido

vivir juntos

querernos

esperarnos

estar.

Ya no soy más que yo

para siempre y tú

ya

no serás para mí

más que tú. Ya no estás

en un día futuro

no sabré dónde vives

con quién

ni si te acuerdas.

No me abrazarás nunca

como esa noche

nunca.

No volveré a tocarte.

No te veré morir.



não


Já não será

já não

não viveremos juntos

não criarei o teu filho

não coserei a tua roupa

não te terei de noite

não te beijarei ao sair

nunca saberás quem fui

porque outros me amaram.

Não chegarei a saber

o porquê nem como nunca

nem se era verdade

o que disseste que era

nem quem foste

nem o que fui para ti

nem como teria sido

viver juntos

querer-nos

esperar-nos

estar.

não sou mais que eu

para sempre e tu

não serás para mim

mais que tu. não estás

num dia futuro

não saberei onde vives

com quem

nem se te lembras.

Não me abraçarás nunca

como nessa noite

nunca.

Não voltarei a tocar-te.

Não te verei morrer.

18 fevereiro 2021

lena diaz pérez

 

La imagen más hermosa


Corrías por la arena con una malla verde hermosa

insegura de todo pero segura del agua

a la que te metiste de cabeza aunque hacía frío

y ninguno de nosotros te iba a acompañar

fue la imagen más linda de la tarde

vos insegura de todo pero segura del agua

para que te sale los pensamientos

y puedas comunicarte con nosotros aunque seamos medio tontos

no tenías toallón tenías un chal de colores

que te alcanzó para taparte un poco los hombros

no tengo frío, dijiste, me quiero secar con el sol

saldaste tu propia deuda de nadar un rato en otra estación

que no fuera verano

yo te miraba con un poco más de disimulo

el otro chico no

el otro chico esperaba que salgas ilesa o esperaba el momento

de tener que meterse él también de cabeza

y salvarte de una ola demasiado grande

que no pudieras abordar



A imagem mais linda


Corrias pela areia com um lindo fato de banho verde

insegura de tudo, mas segura da água

onde entraste de cabeça embora estivesse frio

e nenhum de nós te acompanhasse

tu insegura de tudo, mas segura da água

para que te saiam os pensamentos

e possas comunicar connosco ainda que sejamos meio tontos

não tinhas toalha, tinhas um xaile às cores

que te tapava um pouco os ombros

não tenho frio, disseste, quero secar-me ao sol

pagaste a tua própria dívida de nadar um pouco em outra estação

que não fosse o verão

Eu olhava-te com um pouco mais de dissimulação

o outro moço não

o outro moço esperava que saísses ilesa ou esperava o momento

de também ele se meter de cabeça

e salvar-te de uma onda demasiado grande

que não conseguisses embarcar


15 fevereiro 2021

ileana espinel

 Imagen de amor 


Podría renacer de las cenizas,

viva lumbre de sed desparramada.

Podría consumarse en el despojo

de todo lo tangible que perece.


Podría ser el tótem que somete

al exilio la sangre enajenada.

Podría ser la luz, mas es tan sólo

el madero que flota en el naufragio.



Imagem de amor 


Podia renascer das cinzas,

Viva luz de sede espalhada.

Podia consumar-se no despojo

de todo o tangível que perece.


Podia ser o totem que submete

ao exílio o sangue alienado.

Podia ser a luz, mas é apenas

o tronco que flutua no naufrágio.