04 novembro 2018

yaritza n. ramírez peña


Juego de las escondidas

La madre hace camping en el cuarto de baño.
Aguarda a las hijas del cactus
y ellas cuentan hasta diez tras la cerradura.

Para que al abrir la puerta,
no las lastime su padre con las espinas.

Jogo das escondidas

A mãe está acampada na casa de banho.
Espera pelas filhas do cacto
e elas contam até dez atrás da fechadura.

Para que ao abrir a porta,
não sejam magoadas pelo pai com as espinhas.



01 novembro 2018

julieta gamboa


Muñecas

Dale un nombre;
ésta tiene la forma de tus ojos,
tal vez llegue a parecerse a ti.

De niña seguía algunos rituales
que se iban convirtiendo en reflejos.
Tenía una muñeca para cuidarla,
para ponerle un nombre.
Había un efecto extraño en el acto de mecerla,
cambiarle la ropa, darle de comer;
un cuerpo de niña ensayando una maternidad prematura;
una niña madre que buscaba en ese plástico algo vivo.
La muñeca aparecía días después con una pierna desprendida,
la ropa sucia, olvidada.
Exhibía en su cuerpo rígido
un eco de desamparo.

En ese momento asomó mi falta de oficio
para dejar esa clase de huellas.
Decliné la intimidad de hospedar a un ser
que asimilara mis líquidos vitales.

Telegrafiaron con miradas un desastre,
profetizaron la ruina de mi cuerpo,
alejado del ciclo de los mamíferos.
Parece que no sabré de qué estoy hecha
hasta sentir el dolor del parto
en todas mis células;
que nada se compara con esa soledad
de no saber lo que es verter mi sangre,
mirar mi sangre en otra sangre,
mis ojos en otros ojos.
Parece que mi cuerpo,
esa máquina,
me pedirá un ser unido a mí,
una ventosa necesitada de calor.

Nuestra vida se llena entre nacer y multiplicarnos.
Somos seres gregarios,
emparentados por la misma cadena de sustancias,
Hay que continuar el mapa,
el palimpsesto familiar,
para no perdernos,

El juego repetido de parir muñecas
acabó con mi instinto de desear esa presencia
nadando en la seguridad del líquido,
de contraer mi estómago para hacerle un espacio.
Otras cosas me ataron a este mundo,
más allá del timbre de un llanto

todas las noches,
de la emoción de llenar los álbumes de fotos
o extrañar las partículas de alguien
pegadas a mi cuerpo hasta la mimesis.

Bonecas

Põe-lhe um nome;
esta tem a forma dos teus olhos
talvez acabe por se parecer contigo

Em criança praticava alguns rituais
que se iam convertendo em reflexos.
Tinha uma boneca para cuidar,
para lhe por um nome
Havia um efeito esquisito no acto de lhe pegar,
mudar-lhe a roupa, dar-lhe de comer;
um corpo de menina ensaiando uma maternidade prematura;
uma menina mãe que procurava nesse plástico qualquer cosa viva.
A boneca apareceu dias depois com uma perna solta,
a roupa suja, esquecida.
Exibia no seu corpo rígido
um eco de desamparo.

Nessa altura notou-se a minha falta de ofício
para deixar esse tipo de marcas.
Declinei a intimidade de hospedar um ser
que assimilasse os meus líquidos vitais.

Telegrafaram com olhares um desastre,
profetizaram a ruína do meu corpo,
afastado do ciclo dos mamíferos.
Parece que não saberei do que sou feita
até sentir a dor do parto
em todas as minhas células;
que nada se compara com essa solidão
de não saber o que é verter o meu sangue,
ver o meu sangue noutro sangue,
os meus olhos noutros olhos.
Parece que o meu corpo,
essa máquina,
me pedirá um ser unido a mim,
uma ventosa necessitada de calor.

A nossa vida preenche-se em nascer e multiplicar-nos.
Somos seres gregários,
aparentados pela mesma cadeia de substâncias,
Há que continuar o mapa,
o palimpsesto familiar,
para não nos perdermos,

O jogo repetido de parir bonecas
acabou com o meu instinto de desejar essa presença
nadando na segurança do líquido,
de contrair o meu estômago para lhe criar um espaço.
Outras coisas me ataram a este mundo
para lá do timbre de um choro

todas as noites,
da emoção de encher os álbuns de fotos
ou estranhar as partículas de alguém
pegadas ao meu corpo até à mimesis.


29 outubro 2018

ángeles mora


Emboscadas

Cuando llegó el príncipe azul
era tan azul, tan azul
que caía sobre mi rojo
apagándolo.

Qué peligrosa tinta
me trajo en sus pupilas.

No conviene mezclar en la colada
ropas que puedan desteñir, me dije.

Antes de despedirlo
tuvimos que lavarnos
por separado.


Emboscadas

Quando chegou o príncipe azul
era tão azul, tão azul
que caía sobre o meu vermelho
apagando-o.

Que perigosa tinta
me trouxe nas suas pupilas.

Não convém misturar na lavagem
roupas que possam desbotar, disse-me.

Antes da despedida
tivemos de nos lavar
separadamente.



26 outubro 2018

karthika nair


Tempus Fugit

I think I would like to die watching you dance,
feet staying quicksilver skies, arms a swift crease
of light across longitudes. Stars rise from trance

at your touch, drape the stage with night while stagehands
mix music (bass from springtides, then soughing trees,
I think). I would like to die watching you dance

this tango with Mistress Time – trellised, by chance
or choice, in memory’s arms –, transform a frieze
to light. Across longitudes, she twists in trance

till lips landlocked by your will blaze morning, lance
the inky continent, where – like yestreen breeze –
I think I would like to die. Watching you dance,

scissor land and sea, curve orbits with bare hands,
Time learns to whirl on lone, hennaed feet: release
of light on longitudes. Stars fall into trance

as you plummet out of life: no backward glance
of farewell, no thunder, no tears. With such ease
would I like to die, I think, watching your dance
– like lightning on longitudes – strike and entrance.


Tempus Fugit

Penso que gostaria de morrer a ver-te dançar,
pés como um céu de vida, braços em dobra veloz
de luz pelas longitudes. As estrelas levantam-se do seu transe

pelo teu toque, cobrem a cena com noite enquanto os contra-regras
misturam a música (em marés primaveris, depois em sussurro de árvores, acho)
Gostaria de morrer a ver-te dançar

Este tango com a Amante Tempo –abraçada, por acaso
ou por escolha, pelos braços da memória -, transformando estuque
em luz. Através das longitudes, ela gira em transe

até que os lábios que tu desejaste sem saída para o mar sejam manhã ardente, lanças-te
ao continente manchado de tinta onde – como a brisa verde -
penso que gostaria de morrer. Vendo-te dançar,

tesourando terra e mar, curvando órbitas com as mãos nuas,
o Tempo aprende a circundar sozinho, pés de make-up : desprendimento
de luz em longitudes. As estrelas caiem em transe

enquanto desvaneces da vida : sem um olhar para trás
de despedida, sem tronos, sem lágrimas. Com tal facilidade
gostaria de morrer, vendo a tua dança
- como um raio em longitudes – bater e dar entrada.




23 outubro 2018

mérédith le dez


Les nuits poussaient le jour
comme un couteau ouvre le ventre
d’une grande faim
à poursuivre le soleil de laine
et l’ombre des troupeaux

As noites empurravam o dia
como uma faca abre o ventre
duma fome imensa
em busca do sol de lã
e da sombra do gado


20 outubro 2018

ada mondès


Je suis
de passage
chez les autres avec les autres pour les autres dans les autres
sans les autres
je m’attache à quelques corps à quelques fripes
l’envie de transmettre parfois saisit
Je suis
de mèche avec la révolution essentielle du tournesol
profondément pour le printemps.


Estou
de passagem
em casa dos outros com os outros para os outros dentro dos outros
sem os outros
Ligo-me a todos os corpos às roupas usadas
o desejo de transmitir por vezes conseguido
Estou
em conluio com a revolução essencial do girassol
profundamente para a primavera


17 outubro 2018

martine vallu


Le Possible
s’il n’y a pas d’oiseau pour l’emmener
où ira le vent levé
où se per­dra l’âme éga­rée
allons cama­rades de la glèbe
ne tré­pas­sons pas trop tôt
ayons le cou­rage d’arpenter le pos­sible


O Possível

caso não haja pássaro para o direccionar
aonde o vento acontece
onde se perderá o engano de alma
vamos camaradas da gleba
não trespassemos demasiado cedo
haja coragem de conseguir o possível



14 outubro 2018

mina süngern


Des tourterelles s’envolent d’une cheminée

Derrière six carreaux lenticulés d’éclaboussures,
la pluie contre la façade opposée
s’est oubliée de part et d’autre d’un lampadaire :
deux traînées blanches s’étirent vers le sol
et sous les larmiers redondent
des stalactites de propreté à deux dimensions.

Le toit de l’immeuble est un bandeau colorié
de traits rouges et bruns où se dressent
sous le ciel blanc et par grappes parallélépipédiques
les souches des cheminées en ciment. Autour
des mitres à forme de lanterne reposent
impassibles des tourterelles.

Mol dimanche rampant, pétrifié
dans les lignes et les volumes où dominent
sans intermédiaires l’anthracite et le fer ;
à l’encontre de tout principe c’est ton épaisse
stabilité qui provoque, au bain de l’observation,
la dissolution de tes éléments.

Quand soudain – renversement de la formule –
les tourterelles prennent leur essor, rompant
d’un délié vif sur la blancheur la statique du tableau.
Alors grains, creux, traces, brèches et reliefs
retrouvent de leur mordant les contours, solide
leur dédain ; et mon organisme une ivre caducité.

Rolas voando de uma lareira

Atrás de seis ladrilhos lenticulares de respingos,
a chuva contra a frente oposta
esqueceu-se de cada lado de um candeeiro:
duas faixas brancas estiram-se para o chão
e sob a calha de gotejamento
estalactites de limpeza bidimensionais .
os tocos da lareira em cimento. À volta
das mitras em forma de lanterna repousam
impassíveis as rolas.

O telhado do edifício é uma faixa colorida
de linhas vermelhas e castanhas onde se erguem
sob o céu branco e através de cachos paralelipípedos
os tocos da lareira em cimento. À volta
das mitras em forma de lanterna repousam
impassíveis as rolas.

Mole domingo rastejante rastejando, petrificado
nas linhas e volumes onde dominam
sem intermediários a antracite e o ferro;
contra todos os princípios, é a tua espessa
estabilidade que causa, no banho da observação,
a dissolução dos teus elementos.

Quando subitamente - inversão da fórmula -
as rolas se inebriam, partindo
em viva beleza na brancura a estática do quadro.
Então grãos, cavidades, traços, brechas e relevos
reencontram roendo os contornos, sólido
o seu desdém; e o meu organismo uma bêbada caducidade.

11 outubro 2018

laura domingo agüero


1

Que sea otoño.

Que las hojas confirmen el beneficio de la muerte.

Que haya frío y llueva. Mucho.

Que las voces del silencio

se derramen.

Que te quedes.

Porque es otoño.

Y que sea otoño cada vez.

Siempre.



1

Que seja outono.

Que as folhas confirmem o benefício da morte.

Que haja frio e chova. Muito.

Que as vozes do silêncio

se derramem.

Que fiques.

Porque é outono.

E que seja outono todas as vezes.

Sempre.


10 outubro 2018

kenia cano


El reverso

Tiene estrategias que no conoces. Piensas que es una cuestión de docilidad y de dar la vuelta, pero no es así. No sabes qué verso desde el final de la página subirá hasta aquí para picarte los ojos. No trae idea de suicidio, no hereda los males visibles de tu casa. No tiene que ver con el miedo ni con los sueños en donde no llegas nunca a la estación.

El reverso se burla de tus sueños, de las rajaduras en el piso de tu casa y el temblor. Está aunque lo ignores. Entre el cuerpo de tu abuela y la sábana de flores. Entre su piel y la pijama que conserva su olor. El reverso no respira por ti ni por tus hermanos. Te ignora pero tú no debes ignorarlo a él.
¿Forma parte de una fibra en tu corazón? ¿Está parado en la fila del colegio? Se ríe de tus decisiones pero no es el mal. Posibilita lo que no concebías y no daña con ello. No aumenta la creciente del río, no se lamenta, no tiene prisa, no se esconde bajo tu chamarra de cuero. No se anuncia y no tiene lista de verbos favoritos. No te condiciona pero tampoco te mira como crees.

Si fuera silencio habría tapado tu boca, tampoco es sorpresa. Es lo que es. No la parte interna del cuenco ni su base, tampoco los poros fríos en la cerámica. No se manifiesta visiblemente pero no hay molécula ni mínima constitución que desconozca. No está bajo la tapa ni en la parte posterior del ojo. No ubica el nervio óptico, no invierte ninguna imagen.

No opaca la piel de las manzanas. Consume la cera de las velas. Se traga las horas con gula y confía demasiado en su imagen.
¿Tiene oído para los pájaros? ¿Le importa tu propio tiempo? ¿La profunda gana de crecer del tabachín? ¿Leerá la línea de Malinowsky dibujada en el muro de tu casa?:

Se acordará el viento de la hierba y de nosotros.

El reverso no distingue gama de grises. No puede diferenciar entre el grafito y la tinta china. Le dan igual las sombras. No le incomoda el negro de los funerales, no conoce el peso de los hombros. Nunca ha visto un bulto lanzarse por la ventana. No tiene iniciativa, tampoco voluntad. No escribe malos poemas ni poéticas para despertar a Li Po. No fabrica nada mal hecho, no acumula ni guarda nada para sí. Permite que te veas de otro modo. No conoce la bondad pero quizá intervenga en el crecimiento. No tiene culpa ni compromiso. Conoce al derecho y al revés tu casa. Cada uno de tus pensamientos, pero no los atesora ni los aborrece.

El reverso te sostiene pero no moldea tu gravedad. Va a contratiempo. No le preocupa la eternidad, un goteo mal arreglado en la cocina. Tampoco la cara leal de tus amigos. No está oculto a tus ojos, pero nada de tus pertenencias le conviene. Tampoco le interesa el pan que no vendes, el que se endurece; ni la madera que astilló tus dedos ni los actos que te pusieron el gesto rudo. No sabe de cuerpos adheridos ni de heridas que se distienden. No tiene principio ni fin. Tampoco se enreda en la mitología. No se anuncia en visiones y jamás conoció el rostro de Blake. No guió ninguno de sus carbones. No caligrafió ninguno de sus textos, no lamió nunca su torso.

No sabe nunca cómo detenerse.


O reverso

Tem estratégias que não conheces. Pensas que é uma questão de docilidade e de dar a volta, mas não. Não sabes que verso desde o fim da página subirá até aqui para te picar os olhos. Não traz ideia de suicídio, não herda os males visíveis da tua casa. Não tem a ver com o medo nem com os sonhos aonde nunca chegas à estação.

O reverso está a marimbar-se dos teus sonhos, das rachas no andar da tua casa e das tremuras. Está mesmo que o ignores. Entre o corpo da tua avó e o lençol de flores. Entre a sua pele e o pijama que conserva o seu cheiro. O reverso não respira por ti nem pelos teus irmãos. Ignora-te mas não o deves ignorar.
Faz parte de uma fibra no teu coração? ¿Está parado na fila do colégio? Ri-se das tuas decisões mas não é o mal. Possibilita o que não concebias e com isso não prejudica. Não aumenta a crescente do rio, não se lamenta, não tem pressa, não se esconde sob a tua samarra de couro. Não se anuncia e não tem lista de verbos favoritos. Não te condiciona nem tão pouco observa como acreditas.

Se fosse silêncio teria tapado a tua boca, nem sequer é surpresa. É o que é. Não a parte interna da tigela nem a sua base, sequer os portos frios na cerâmica. Não se manifesta visivelmente mas não há molécula nem mínima constituição que desconheça. Não está debaixo da tampa nem na parte posterior do olho. Não situa o nervo ótico, não inverte qualquer imagem.

Não opaca a pele das maçãs. Consome a cera das velas. Engole as horas com gula e confia demasiado na sua imagem.
Tem ouvido para os pássaros? Importa-lhe o teu próprio tempo? A profunda gana de crescer do tabachín? Lerá a linha de Malinowsky desenhada na parede da tua casa?:

Lembrar-se-á o vento da erva e de nós.

O reverso não distingue gama de cinzentos. Não consegue diferenciar entre o grafite e a tinta da china. As sombras são-lhe todas iguais. Não lhe incomoda o negro dos funerais, não conhece o peso dos ombros. Nunca viu um vulto atirar-se pela janela. Não tem iniciativa, sequer vontade. Não escreve maus poemas nem poéticas para despertar Li Po. Não fabrica nada mal feito, não acumula nem guarda nada para si. Permite que te vejas de outro modo. Não conhece a bondade mas talvez intervenha no crescimento. Não tem culpa nem compromisso. Conhece o direito e o avesso da tua casa. Cada um dos teus pensamentos, mas não os valoriza nem os subestima.

O reverso sustém-te mas não molda a tua gravidade. Anda em contratempo. Não o preocupa a eternidade, um gotejar insolucionado na cozinha. Sequer a cara leal dos teus amigos. Não está oculto aos teus olhos, mas nada dos teus pertences lhe convém. Sequer lhe interessa o pão que não vendes, o que endurece; nem a madeira que estilhaçou os teus dedos nem os atos que te puseram o gesto rude. Não sabe de corpos aderidos nem de feridas que se distendem. Não tem principio nem fim. Sequer se enreda na mitologia. Não se anuncia em visões e nunca conheceu o rosto de Blake. Não guiou nenhum dos seus carvões. Não caligrafou qualquer dos seus textos, não lambeu nunca o seu torso.

Não sabe nunca como se deter.

08 outubro 2018

isabelle lévesque


Oh,
ce désordre de disparaître !

Affolé dans le soir, l’insecte fou ne sait
la solitude. Nuée. Il laissera trace noire.
Suivre le fil. Signes, bâtons. Mandibules.
Nous lisons les lettres inverses,
le mot se tend ― lettre dernière.

La nuit incline le ciel.
Trop de silence a pesé sur les ailes fines,
brûlées. Le soir. En son rideau de braises
guide une ligne courbant
ton dos fragile.

Tu recommences,
dépouillant les armes : blanc sera
ce que fut l’aube. Et commence condamné
le retour des nombres :
le résultat n’est pas
le jour.


Oh,
essa desordem de desaparecer!

Atormentado em noite, o inseto louco conhece a
solidão. Multitude. Deixará uma marca preta.
Seguir o fio. Sinais, varas. Mandíbulas.
Lemos as cartas reversas,
a palavra estende-se - última letra.

A noite inclina o céu.
Demasiado silêncio pesando sobre as finas asas
queimadas. Em noite. Na sua cortina de brasas
guia uma linha que curva
as tuas frágeis costas.

Recomeças,
depondo as armas: branco será
o que foi alba. E começa condenado
o retorno dos números:
o resultado não é
o dia.


05 outubro 2018

samantha barendson


Trains

Le paysage défile comme un Jackson Pollock, vaches en pointillés, nuages étirés, taches tournesols et rails déformés. La fenêtre froide se colle à mon oreille et j’entends tatactater la bête humaine.

Tatactatoum, tatactatoum, tatactatoum.

Je ne suis pas Eva Marie Saint, je n’ai ni la mort aux trousses ni les baisers de Cary Grant. Il n’y a derrière la vitre que ces paysages de cartes postales, cette campagne d’après-guerre, ces empreintes ferroviaires : une vache, un château, une église, un âne, une vieille mobylette ou un train à la retraite, de l’herbe à perte de vue, des champs de coquelicots, un village suspendu, la dame-blanche, un mouton ou peut-être une chèvre, un autre coquelicot, une jupe en corolle, une canette de soda, un plastique, une poubelle, un néon, un flash.

Tatactatoum, tatactatoum, tatactatoum.

Je ne suis pas Celia Johnson dans Brève rencontre à attendre jeudi prochain, jeudi prochain, jeudi prochain, les amours interdites dans un petit café. Il n’y a derrière la glace que d’amers paysages qui se répètent et défilent et reviennent et repassent et tournent et recommencent et les vaches se ressemblent et la neige dissimule les pas des loups, des ogres et des sorcières.

Tatactatoum, tatactatoum, tatactatoum.

Je ne suis pas Marilyn Monroe dans Certains l’aiment chaud. Il n’y a devant mes yeux que d’immenses pâtis, rocailles et herbes folles que les cornes ébahies ruminent méthodiquement.

Tatactatoum, tatactatoum, tatactatoum.

Défilent les kilomètres, le Nord est encore loin.

Cent-cinq virgule huit, nous arriverons demain.


Comboios

A paisagem desfila como um Jackson Pollock, vacas en pontilhismo, nuvens alongadas, manchas girassóis e carris deformados. A janela fria cola-se-me no nariz e oiço a agitação do animal humano.

Pouca terra, pouca terra.

Não sou Eva Marie Saint, não estou A Intriga Internacional nem recebo os beijos de Cary Grant. Para lá do vidro, paisagens de postal, sinos de entre-guerras, impressões ferroviárias: uma vaca, um castelo, uma igreja, um burro, uma velha motoreta ou um comboio a vapor, ervas infinitas, campos de papoilas, aldeias suspensas, a autoestrada fantasma, ovelhas, talvez cabras, outra papoila, uma saia em corola, uma lata, uma bolsa de plástico, uma lâmpada de néon, um flash.

Pouca terra, pouca terra.

Não sou Celia Johnson no Breve Encontro esperando a próxima quinta-feira, a próxima quinta-feira, a próxima quinta-feira, o amor proibido num café. Por trás do vidro, amargas paisagens que se repetem e desfilam e voltam a passar e giram e recomeçam e as vacas são semelhantes e a neve oculta os passos de lobos, ogres e bruxas.

Pouca terra, pouca terra.

Não sou Marilyn Monroe em Quanto Mais Quente Melhor. Diante dos meus olhos imensos pastos, pedras e ervas daninhas que cornos estupefactos ruminam, metodicamente.

Pouca terra, pouca terra.

Desfilam os quilómetros, o Norte ainda distante.

Cento e cinco vírgula oito, chegaremos amanhã.