22 abril 2019

astrid soldevilla


Primer mundo

Hoy soy diminuta
soy una mosca perdida en habitación extranjera
y todos los que me miran son arañas

todo se mueve tan lento
y me entra una pena tan grande
que desde mis ojos se ve el río Thames

Todo es tan exacto
que mi lenguaje oblicuo rebota en sus esquinas
todo es tan exacto
que mi rostro indio no entra en sus espejos
todo es tan exacto
que mis besos no caben en sus mejillas
todo es tan exacto
que después de un polvo
tengo que despedirme de lejos
como pidiendo disculpas
sin mirarlos a los ojos
todo es tan exacto
que me avergüenza mi cuerpo
la velocidad de mi lengua
y mis dos apellidos

mi pasaporte tiene una mancha debajo de la palabra
nacionalidad

me da pena

a él nunca le pude contar que yo también sonrío cuando veo una polilla
que me dan ternura las abejas
que me hacen llorar las hojas secas
y que cuando lloro no termina
y lo que se ve en mis pupilas
no es el río Thames
es el Rímac
y se me va a las rodillas
y que todos los días
me muero demasiado
quiero demasiado
necesito demasiado
pero solo miro una silla
pero solo miro una silla
pero solo
miro
una silla

el calor me abraza de nuevo
como a las bancas donde duermen vagabundos
vagabundos tan blancos
vagabundos tan rubios
y me pierdo en buses de negros para sentir calma
les sonrío grande y loca
me sonríen grande y loco de vuelta
no estamos en el primer mundo nos decimos con las cejas
les beso toda la cara
y me la besan toda de vuelta
y nos vamos a un barrio pobre
para sentirnos en casa.


Primeiro mundo

Hoje estou diminuta
estou uma mosca perdida num quarto estranho
e todos os que me olham são aranhas

Tudo se movo muito lentamente
e entra-me uma pena tão grande
que a partir dos meus olhos se vê o rio Tamisa

Tudo é tão exacto
que a minha linguagem oblíqua
faz ricochete nos seus cantos
tudo é tão exacto
que o meu rosto índio não entra nos seus espelhos
tudo é tão exacto
que os meus beijos não cabem nas suas bochechas
tudo é tão exacto
que depois de uma queca
tenho de despedir-me de longe
como a pedir desculpas
sem os olhar nos olhos
tudo é tão exacto
que me envergonha o meu corpo
a velocidade da minha língua
e os meus dois apelidos

o meu passaporte tem uma nódoa debaixo da palavra
nacionalidade

tenho pena

a ele nunca lhe pude contar que eu também sorrio quando vejo uma traça
que me dão ternura as abelhas
que me fazem chorar as folhas secas
e que quando choro não acaba
e o que se vê nas minhas pupilas
não é o rio Tamisa
é o Rímac
e dá-me pelos joelhos
e que todos os dias
me morre demasiado
quero demasiado
preciso demasiado
mas só vejo uma cadeira
mas só vejo uma cadeira
mas só
vejo
uma cadeira

o calor abraça-me de novo
como nos bancos onde dormem vagabundos
vagabundos tão brancos
vagabundos tão ruivos
e perco-me em autocarros de negros para estar calma
sorrio-lhes grande e louca
sorriem-me de volta grandes e loucos
não estamos no primeiro mundo dizemo-nos com as sobrancelhas
beijo-lhes toda a cara
e beijam-ma em resposta
vamos para um bairro pobre
para nos sentirmos em casa.